sexta-feira, abril 30, 2021

Um homem de 83 anos.
A demência. A normalidade.

 

Gosto das interpretações de Anthony Hopkins. Não conheço muitas mas as que tenho visto são superlativas. É um grande actor. Sendo contido é, no entanto, o máximo. E tem boa pinta e, estou em crer, é boa onda.

Tenho ideia que a grande bolada que me atingiu foi a sua interpretação n' O Silêncio dos Inocentes. Ainda não vi este, O Pai. Nem sei se o verei de bom grado. Talvez em casa, num dia em que esteja especialmente bem disposta. A demência assusta-me. Assusta-me muito e mais ainda se pensar que a pessoa pode ter consciência que está a caminhar inexoravelmente no sentido da perda das suas capacidades cognitivas. Deve ser aterrador. 

Quando a minha mãe esteve a recuperar de uma cirurgia, esteve numa residência assistida cujas condições, creio eu, são superiores às normais. Dir-se-ia um hotel de muitas estrelas com a vantagem de ter médico todos os dias e enfermeiros em permanência. Acontece que havia ali uma concentração considerável de pessoas com demência. Todas as que conheci nessas condições pareciam normalíssimas. Dir-se-ia o cenário de um filme: nada era exacatamente o que parecia. Uma seria sensivelmente da minha idade. Bem arranjada, bonita. Estava sentada a uma mesa com o que parecia ser o marido. Viu-me, sorriu-me, cumprimentou-me como se me conhecesse. Pensei que me conhecia e fiquei a pensar quem seria. Ela disse-me mais qualquer coisa e eu aproximei-me. Contudo, o que admiti ser o marido fez um gesto discreto que percebi que quereria dizer que eu não parasse, que não fizesse muito caso. Fiquei muito intrigada. Contou-me, depois, a minha mãe que era sempre assim, cumprimentava sempre com afabilidade toda a gente. E era mesmo o marido. Ia lá todos os dias para tomar as principais refeições com ela. Numa das vezes que a minha mãe tomou o pequeno almoço com ela, despejou o iogurte no guardanapo e comeu a partir do guardanapo. No fim, ia limpar a boca com o guardanapo e, não sei como, lá conseguiram trocar-lhe as voltas. Tudo com muitos bons modos, gestos de quem sabia estar à mesa. E contava a minha mãe que as proezas se sucediam. Sempre bem disposta, sorridente, amistosa, como se tudo estivesse normal com ela.

Havia uma outra que parecia uma diva de Hollywood mas do tempo do mudo. Uma pessoa com uma pose extraordinária. Aparecia vestida como se fosse para um cocktail chic de fim de tarde numa Embaixada. Casaco comprido de verão (isto passou-se no verão), belas e vistosas jóias, saltos altos, carteira a condizer, cabelo muito bem penteado. Não sei que idade teria mas era seguramente mais velha que a minha mãe. Se a minha mãe estava sentada nos sofás perto dos elevadores (e era onde estava quando estava à nossa espera), ela, ao passar por ali, vinda do seu quarto num dos pisos superiores, perguntava à minha mãe se tinha visto a mãe dela. A minha mãe respondia com naturalidade que não. E ela dizia: 'Ah, disse que vinha aqui ter comigo... Estranho... Vou ver se está ali...' e lá ia, com aquela atitude de grande diva.

A minha mãe contava-nos peripécias das suas 'vizinhas', coisas extraordinárias. Eu gostava de ouvir. Ouvia com um misto de curiosidade e de inquietação. A demência assume várias formas e frequentemente dissimula-se sob a ténue capa da 'normalidade'. Ao princípio a minha mãe assistia com alguma estranheza e muita benevolência e generosidade a todas essas demonstrações. Contudo, ao fim de algum tempo, começou a achar muito deprimente o convívio com a degenerescência. Se calhar, começou a recear que alguma vez lhe tocasse a ela. Felizmente, estava recuperada e pode voltar para casa.

Mas, voltando ao filme que trouxe o Oscar pra melhor actor deste ano a Anthony Hopkins, tenho mixed feelings em relação a vê-lo. Gosto de ver filmes com finais felizes e, quando a demência se instala, não há tal coisa. O final é sempre o corolário de um caminho cada vez mais curto, cada vez mais sombrio. Não sei se para a vida há finais felizes mas, enfim, queremos sempre sonhar com um fim que seja breve, pouco doloroso, em que possamos manter intacta a nossa dignidade e consciência. E, em casos como o deste filme, é tudo ao contrário disso: é um pesadelo. Um pesadelo às tantas mais para os que lhe são próximos do que para o próprio que, por fim, perde a consciência de si.

Anthony Hopkins - O pai


 A dança como celebração

(com Salma Hayek)


Oscar - o discurso da vitória


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A primeira fotografia é, obviamente, de Sir Anthony Hopkins. A segunda é Gloria Swanson.

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Uma happy friday

quinta-feira, abril 29, 2021

Abaixo os soutiens, abaixo os saltos altos! E que vivam os rabos-de-cavalo

 



Já aqui aflorei: o confinamento alterou alguns dos meus hábitos. Hoje de manhã, quando estava a tomar o pequeno almoço, já vestida e pronta para sair a seguir, dei-me conta de que me tinha esquecido do soutien. Foi coisa que me caiu em desuso durante o confinamento. E, no entanto, os que uso são confortáveis.

Agora são confortáveis.

Contudo, durante anos usei soutiens que não me eram confortáveis. Usava o número que achava que era o meu, recusando-me à racionalidade. Como sempre, privilegiava a estética e nem me ocorria que deveria dar atenção ao conforto. Já o contei: ia a Madrid uma meia dúzia de vezes por ano e, sempre que ia, não passava sem ir à Calle Serrano, nomeadamente a um belíssima loja de lingerie. Perdia-me com belos balconies, soutien.gorges e por aí vai. Rendas elegantíssimas, cores suavíssimas ou estonteantíssimas. Escolhia tendo por único critério a beleza.

Quando chegava ao fim do dia, ao despir-me, frequentemente tinha um vinco à volta. O meu marido dizia que não sabia como é que eu aguentava e eu dizia que nem sentia. E era verdade. Mas um dia, estando a passear à noite no Algarve, uma vez mais deixei-me tentar pela lingerie. O meu marido disse: porque não experimentas um número maior? Achei que não ia ficar bem mas resolvi pedir à simpática empregada se me podia ajudar a encontrar o tamanho ideal. Ela mediu-me em várias dimensões e em várias frentes de batalha. No fim, disse qual o tamanho em número e letra para se ajustar à largura de costas e à dimensão do seio, ou seja, à copa ideal. Tudo diferente do que eu costumava usar. Aliás, nem nunca me teria ocorrido aquela combinação. Foi buscar-me um modelo com aquelas características e, ao provar, foi uma epifania. Vi-me ao espelho e estava ajustado na perfeição. E um conforto total. Foi como se mil anjos me rodeassem, tal o bem estar. Saí do provador como se me tivessem libertado de cilícios que, de tão habituada, já nem me dava conta de que poderia viver sem eles.

Desde aí, são desse tamanho de costas e copa que uso. Olho para os anteriores modelos, belíssimos, como peças de museu. Os que agora uso são também bonitos mas, como não voltei à loja da Serrano, daquelas obras de arte nunca mais voltei a encontrar. Mas isto para dizer que os que agora uso já não me causam incómodo.

Mas, durante o confinamento, desabituei-me. Parece que são peças inúteis. A vantagem dos soutiens parece-me hoje, sobretudo, a de poderem ser uma protecção contra episódios não controlados como a gente ter frio e estar a usar uma blusa fina. Tirando isso, só se for também a questão da blusa ter alguma transparência.

Mas, portanto, lá tive que ir ao quarto despir-me para colocar o soutien,

Outra são os ténis. Cada vez me apetece mais andar de ténis. Ao ver que, mesmo em cerimónias de tapete encarnado já há quem os use, ainda mais vontade tenho de um dia destes aparecer a preceito e com ténis. Ponho-me a pensar nos inconvenientes e, para dizer a verdade, parecem-me suportáveis. Qual o pior que me pode acontecer? Olharem com espanto? Cortarem nas costas? Bah, quero lá saber. Não sei é se os que tenho fazem toilette. Tenho uns em verde-seco-azeitona que farão pendant com os verde-seco que tantas vezes uso. Mas os azuis são práticos demais. Os azuis escuros estão velhos demais. Os turquesas, demasiado informais. A minha mãe diz que gosta de ver os vídeos de uma brasileira que faz aconselhamento de looks e que ela diz que ténis em sociedade só se forem brancos. Por acaso, gosto de ténis brancos mas tenho ideia que só num look mais casual. Tenho que experimentar. Agora nem tenho nenhuns brancos. Tinha uns com um vivo cor-de-rosa mas eram mesmo de verão e já estavam tão gastos que os deitei fora.

E, nesta de mudança de hábitos por via do confinamento, há outra coisa em que já comecei a ousar mas, por enquanto apenas em videoconferências: estar de rabo-de-cavalo. Gosto imenso de estar com o cabelo apanhado mas, para o trabalho ou em situações menos informais, sempre usei o cabelo caído. Quanto muito, parcialmente apanhado. Agora mesmo rabo de cavalo, não. Pois bem. Agora, volta e meia, quero lá saber. Usei e senti-me bem.

Resta saber é se, levantando-se isto do teletrabalho obrigatório e voltando-se à rotina diária de casa-trabalho-casa, vou voltar não apenas a conseguir estar o dia inteiro num gabinete numa torre de vidro como a estar de soutien, saltos altos e cabelo caído.

Com tanto abaixo-assinado completamente estúpido e fútil, porque será que ainda ninguém se lembrou de lançar uma petição a proibir a existência de qualquer femme fatale ou outras personagens da era pré-covid?

Eu assinava já por baixo.

#Free the lusitano nipple. 

#Free the feet. 

#Free the ponytail

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A Kate Moss está aqui apenas porque há imagens dela para ilustrar qualquer situação e a Femme Fatale da Carla Bruni está porque a sua voz de veludo condiz com algum pensamento subjacente por parte de quem, aí desse lado, está a ler esta conversa.

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E um dia feliz

Saúde. Alegria. Liberdade aos mamilos.


quarta-feira, abril 28, 2021

Os invisíveis

 

Na rua em que eu vivia apareceu um jovem com bom ar que ajudava os condutores a arrumarem os carros. Os lugares eram largos, não havia dificuldade. Ninguém precisava de ajuda. No fim pedia uma moeda. Nunca lhe dei. Uma vez enchi-me de coragem e disse-lhe que ele deveria ir ao centro de saúde pedir ajuda, que não deveria habituar-se a uma vida assim, que seria aconselhado e teria tratamento. Ficou estupefacto a olhar para mim. Nunca mais me estendeu a mão. Contudo, sempre fiquei na dúvida. Será que dizer isto a uma pessoa que vive de esmolas faz sentido? Era alcoólico. Andava sempre embriagado e com uma garrafa de cerveja na mão. Não sei se também se drogava. Mas deveria ter também a sua dignidade. E não sei se o que eu lhe disse lhe soou a uma vontade de ajudar ou a uma ingerência escusada.

Depois deixou de aparecer. E voltou a aparecer, cada vez mais debilitado, mais aos tombos. Depois desapareceu. Depois voltou a aparecer à porta de um supermercado, o cabelo a escassear, o rosto a mostrar a erosão dos excessos, sentado, encostado a uma parede, o boné no chão para recolher esmolas. 

Não imagino o que seja o sofrimento de uma mãe que tenha um filho que leva uma vida de autodestruição, que viva aos tombos, aos caídos. Não consigo imaginar.

Uma vez vi-o a sair de uns escombros. Ele e uma mulher escanzelada, cabelo quase rapado, sem dentes, com aspecto de ser mais velha que ele. Mas não se sabe. A rua estraga a saúde, envelhece. Ambos aos tombos. Iam a andar à pressa, como que a querer fugir mas tropeçando, quase caindo, um esperando pelo outro. Uma tragédia. Provavelmente viviam ali. Nunca me passaria pela cabeça que ali, por entre ruínas, pudesse viver outro ser vivo que não gatos ou pombos. 

Mas viver sem tecto não é apenas o destino de quem se vê à mercê de vícios, incapaz de uma vida entre família. Distúrbios mentais, pouca sorte, acasos, falta de chão quando a vida prega uma rasteira, desgostos destruidores, ausência de um amparo no momento em que ele mais é preciso -- tantas razões.

São os invisíveis. Os indesejados. O incómodo a céu aberto. Podemos vê-los sob os viadutos da cidade, em casas improvisadas com cartões, podemos adivinhá-los quando vemos cobertores, sacos, em alpendres ou escadas. De noite acolhem-se e, antes que o dia amanheça, desaparecem sabe-se lá para onde. Invisíveis.

Gente como nós.

Michael

Feliz. Perdeu os dois filhos. Perdeu o irmão. Tem um cancro em fase avançada. Sorri e diz-se feliz.


Michelle

Diz que o ex-marido é um homem rico. Vive na rua. Teve AVC´s. Diz que vai levantar-se.


Dakota tem 29 anos. Saiu de uma relação abusiva. Quando saiu de casa, o marido deu os filhos para adopção. Sente muita falta dos filhos.


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Desejo-vos um dia feliz

terça-feira, abril 27, 2021

Uma gaiola, alguns carrinhos, umas gordinhas, um livro escondido

 


Isto foi no domingo. 25 cheio de graça.

Sugeri à minha menininha mais linda que ela podia convencer o avô a trazer a gaiola da garagem. Foi logo a correr pedir ao avô. O meu filho disse que isso era manipulação. Aliás, creio que não foi essa a palavra que usou. Também não foi instrumentalização, acho. Mas o sentido foi esse. Reconheci: O avô não é capaz de lhe dizer que não. Humilde, a minha menina mais doce disse: 'Nem a mim nem a qualquer dos outros netos'. Contrariei: 'Olha que não. Acho que é mais contigo'. Ela disse: 'Se calhar é porque sou a única menina'. É muito terra a terra e nunca se acha o máximo e, por isso, ainda a admiro mais. O avô ouviu a conversa como se não fosse nada com ele. Mas lá foi à garagem. E nós com ele. E lá empurrámos a big gaiola rampa acima e lá a puxámos pela relva, quase tendo que a pegar em peso. E o avô nem refilando...

O meu filho perguntou se eu queria aprisionar pássaros. Expliquei que não: quero, apenas, proporcionar-lhes água e alimentação e as portas vão estar todas abertas. 

Afinal, andando de volta da gaiola, não descobri as ditas portas. A minha nora foi ver. Descobriu: apenas uma pequena portinhola. O meu filho diz que, se um pássaro entrar, depois vai ter dificuldade para sair, que a gaiola vai ser uma armadilha. Isso preocupa-me. E confirmou que, se os pássaros lá forem, aquilo vai estar sempre sujo. O meu marido diz que é isso que tem andado a tentar explicar-me. Mas o menino do meio, espertíssimo, logo descobriu que há uma espécie de tabuleiros que se puxam e que podem lavar-se à mangueirada. Aliás, fizeram-no logo. A gaiola nunca deve ter tomado um banho tão a preceito.

Mas, enfim, não quero saber dos problemas, prefiro o lado romântico. A gaiolinha já ali está e está linda. Agora tenho que arranjar alpista e recipientes para a água. Também pensei que, em último caso, caso não consiga atrair passarinhos para os brunches, arranjo rouxinóis. Custa-me a ideia de ter pássaros engaiolados mas, se calhar, alguns não se importam. Cantam bem. Ou periquitos, que são tão lindos. Acho que não cantam tão bem mas são bonitos. Ou um papagaio. Isso seria o máximo, um papagaio malcriadão. Ensinava-o a dizer mal do Cavaco. Eu diria: 'Olha lá, Tobias, o que achas do Cavaco?'. E ele soltaria uma de salão: 'Eu quero é que o Cavaco se f...'

Mas não sei. Vou por partes. Primeiro tenho que arranjar alpista e água. Depois logo vejo como corre.

De manhã, fomos outra vez ao viveiro. O meu marido a antever que as empregadas iam fazer uma festa por me verem ao fim de uma semana sem lá ir. Não ligo. A minha nora enviou-me um artigo sobre suculentas de chão e achei uma grande ideia para pôr nuns canteiros que estão sem nada de jeito, in heaven. Então, lá fomos. Muita gente. Cada vez mais gente a comprar plantas. E, então, imagine-se, não é que o meu marido se lembrou  de levar umas suculentinhas para oferecer à neta? Claro que não disse 'suculentinhas', acho que disse apenas 'dessas plantas'. E eu, em brasileiro: 'Gordinhas?'. Não disse nada. Não me dá muita confiança quando estou numa de gozar com ele. Então escolhemos um vasinho e umas pequeninas que, de tarde, eu e ela, em conjunto, plantámos. Ficou contente, a minha menina mais linda, e eu ainda mais contente por a perceber contente.

O menino do meio, alto e esguio, já sem a tala no braço, foi lá acima buscar os carrinhos que tinham sido do pai. O mais pequeno também gosta de brincar com aqueles carrinhos perfeitos como carros de verdade. A menina, depois, fez figurinhas com bocadinhos de guardanapo de papel para fazer de condutores e penduras. 

Quando estavam a despedir-se, o menino chegou-se ao pé de mim e disse-me: 'Sabes do que eu andei à procura?'. Pressenti. Ele confirmou: 'Do livro...'. Desatei a rir. 'Seu grande malandro'. E ele: 'Vá lá... Diz lá... Onde está...?'. Eu a rir: 'Esquece. Não vou dizer'. E ele: 'Vá lá... É só arte...'. Sacaninha. Não se esqueceu... Mais eu me ria: 'Nem por sombras te vou dizer. Quando tiveres dezoito anos. Ofereço-te a carta de condução e o livro'. E ele: 'Vá lá... Diz só a inicial da divisão onde ele está...'. E eu: 'Desiste. Não vou dizer'. Lá foi, pedindo, refilando.

Há anos que isto dura. Uma vez, há uns anos, teria o quê? uns quatro? cinco? talvez quatro anos, descobriu um livro de fotografia com alguns nus. Mulheres. Ficou doido. Maminhas, maminhas, maminhas. (Sai ao pai. Era pequenino e todo ele vibrava com maminhas). Escondi o livro no sítio mais remoto da sala. No dia seguinte, a irmã contou que, tendo acordado cedíssimo, ainda quase de noite, tinha apanhado o irmão com o livro na cama. Fiquei espantada: 'Mas como? Como o descobriste?'. E ele, pequenino: 'Não sei... apareceu aqui na cama...'.  Insisti: 'Apareceu na cama?!?! Ó seu maroto! Levantaste-te de noite...? Foste à procura...?... Só pode...'. Riu-se. Menino mais inteligente, mais persistente. E nunca mais desistiu de descobrir o bendito do livro. Já empreendeu expedições com os primos, já me reviraram tudo. Só visto.

O que me divirto com eles... 

Há a máscara, é certo, mas paciência, que seja com máscara. Mas, bolas, melhor ainda será quando pudermos estar todos, ao mesmo tempo, todos em cima uns dos outros, eu agarrada a eles, às beijocas gordas, abraçada, feliz da vida por vê-los todos juntos, bem dispostos, sem a porcaria da máscara. 


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Como é bom de ver as fotografias foram feitas aqui em casa. David Gilmour e Romany Gilmour interpretam The Magpie. Ou seja, enquanto escrevi a companhia não podia ter sido melhor

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Desejo-vos um dia feliz.
Lot's of joy, my friends

segunda-feira, abril 26, 2021

Sexo na matura idade

 

As imagens chamam a atenção: afinal a intimidade e o sexo entre pessoas de idade avançada é ainda um mistério. Se falarmos de pessoas do mesmo sexo e já entradas, então, o assunto vira tabu.

Fui ler. Por entre notícias gastas como as que têm a ver com os proprietários do 25 de Abril, novas dos Oscares em ano em que as salas de cinema estiveram fechadas ou notícias demasiado infelizes como a avalanche de covid na Índia, os meus olhos detiveram-se nos casais in love fotografados por Rankin

Não será nas ruas das nossas cidades que vamos ter cartazes como os de que no artigo Love in an old climate: posters celebrate the joy of sex in later life se fala:

Relate charity hopes intimate shots by Rankin will shatter taboos about physical intimacy among older people.

It is intended to start a conversation, but a new campaign on the joys of sex and intimacy in later life may also stop the traffic.

Five naked, or nearly naked, couples and a woman have been photographed by Rankin, and his images are accompanied by words that challenge stereotypes of sexual desire and activity in later years. The posters will be displayed on billboards across the country from this week.

The campaign, Let’s Talk the Joy of Later Life Sex, comes from the relationships charity Relate and aims to “tackle the stigma around this unspoken subject”.(...)

Nisto do amor e do sexo o que tenho a dizer é que acho que, em qualquer idade, um não faz muito sentido sem o outro. Não tenho experiência em sexo sem amor mas imagino que seja uma coisa a modo que vazia, ocasional, qualquer coisa a que se recorre quando não se tem a bênção de ter um verdadeiro amor por perto. Mas uma coisa que tenho para mim é que amor, amor, amor a sério --  e refiro-me, aqui, a amor a dois, amor entre casal -- também não existe sem sexo. Pode haver amizade, pode haver outra coisa qualquer, mas amor, amor, amor para a vida, amor de encher o coração, esse requer sexo, requer a intimidade e a cumplicidade profunda que coabita com o sexo. Amor sem sexo não é amor, é uma separação anunciada. Dura apenas até que o verdadeiro amor apareça. Acho eu.

E se falo de amor, mais diria de paixão. Paixão sem sexo é ficção. Sexo é o amor e a paixão do lado de dentro. Podemos ser muito racionais, muito espirituais. Mas somos também animais. É essa a nossa condição. E não há animalidade sem sexo. 

E sexo do bom é sexo alegre, sexo feliz, sexo sem idade. 

Quando eu era menina e moça imaginava que sexo tinha prazo de validade, coisa para gente com as hormonas aos saltos. Não me passava pela cabeça que os velhos ainda procurassem o prazer do sexo. Se tal me ocorresse, achá-lo-ia estranho, patético. 

Quando se sabe pouco da vida, quase tudo nos passa ao lado. Com grandes certezas, proferimos coisas que apenas revelam ignorância de largo espectro. Com o tempo, fui constatando que nisto do sexo é quase tudo ao contrário do que imaginava. Melhora com a idade. Não sei porquê mas é verdade. Não sei se é a mente que se vai abrindo, se é o corpo que se vai tornando mais permissivo, se é a convivência em intimidade que vai trazendo novas camadas de tolerância e generosidade, se é a velha e católica liaison entre prazer e pecado que se vai desfazendo. Não sei. Sei é que sexo é uma necessidade que não se satisfaz e cujos contornos se vão alargando, colorindo e enriquecendo à medida que o casal se vai conhecendo, que os pudores vão caindo, que a proximidade se vai estreitando.  

Seja homem e mulher, duas mulheres, dois homens, sejam novos, assim-assim ou velhos -- sexo é sexo é sexo. 

E é isto que estes casais confirmam. Dá gosto ver. 

Let’s talk the joy of later life sex



E há também a importância de não deixar para depois -- até para um dia, mais tarde (nunca se sabe) -- poder recordar. E sorrir enquanto se recorda. Tão bom, recordar doces memórias.

As memórias de Margaret


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E uma boa semana. E uma boa segunda-feira.
Saúde.
E viva o amor. Viva o sexo. Viva a alegria.

domingo, abril 25, 2021

Abril
25
[Ainda no início do caminho]

 


Praticamente não tenho visto televisão nem lido notícias mas, por uma palavra aqui e outra ali, apercebo-me que, uma vez mais, deve ter havido trica em torno da sempiterna questão das comemorações do 25 de Abril. Podia ia averiguar mas é tema que não me interessa. Se são os capitães que não querem os partidos, se são os partidos que não querem os capitães, se é outra coisa qualquer, a mim dá-me igual. 

Não sou de andar em marchas ou em manifs, não sou de andar a repetir slogans que, à frente, alguém apregoa ao megafone, não gosto de me sentir parte de um rebanho. Mas isso sou eu. Nada contra quem gosta de andar em rebanho. Tenho um bocado medo de rebanhos, tento manter uma distância higiénica deles, mas nada contra os que gostam. 

Para mim festejar a data em que a liberdade irrompeu é outra coisa. É ir para a rua festejar tal como naqueloutro longínquo 25 as pessoas fizeram. Respirar o ar da liberdade, fazer o que nos dá na bolha, rir, cantar, dançar, caminhar, bater palmas, correr, saltar, ficar em casa, não fazer nada. Desde que não incomodemos ninguém, o 25 é bom para a gente experimentar a nossa própria liberdade. Se não somos livres dentro de nós, não saberemos lutar pela liberdade.

Portugal, em parte, ainda não é um país livre. Ainda subsiste o espírito apertadinho de antanho, ainda há muito aquilo de recear a opinião dos outros, ainda há muito aquela coisa pequenina de se ser politicamente correcto, ainda há muito o ter medo de exibir felicidade, ainda há aquele mito tacanho de que quem ri é tonto e que bom é andar de cenho cerrado a reivindicar amanhãs que cantam ou a carpir mágoas e tempos idos.

Para mim a liberdade não é isso. A liberdade não pode ser impor aos outros a nossa vontade ou pensamento nem manter a mente presa ao antes do 25, querer à viva força que festejar o 25 seja lamber feridas passadas. 

Para mim o 25 de Abril é o respeito intrínseco pelos outros, é a defesa da dignidade e do inquestionável direito a ela, é a obediência incontornável aos pilares da democracia -- entre os quais o da justiça -- sem mácula ou desvios, é encarar a inclusão de todas as diferenças com naturalidade (desde que benignas, genuínas, generosas, democratas), é amar a natureza, é investir fortemente na ciência, na arte e no conhecimento em geral, é fazer da cultura um processo de aprendizagem permanente, é compreender as nossas limitações e a imensidão do universo, é querer a felicidade, a nossa e a dos outros.

Grandes progressos foram alcançados desde 1974. Mas, para os mantermos e para darmos novos e decisivos passos em frente, temos ainda um longo caminho pela frente, penso eu. A indiferença que muita gente sente pela política e os elevados níveis de abstenção revelam o atraso cultural em que vivemos, e isso, no que se refere a democracia e liberdade, é sinónimo da infância da arte em que ainda vivemos. A mesquinhez com que tanta gente ainda reivindica o 25 para si próprio é outro sinal de que o cinzentismo e o bafio ainda envolvem gente demais. Por outro lado, o narcisismo e a dependência excessiva das redes sociais são passos atrás num caminho que ainda está no início.

Mas o caminho faz-se caminhando e, portanto, bora lá. Não há estradas perfeitas nem nenhum el dorado nos espera lá ao fundo. Não há fim para este caminho. O objectivo não é chegar: o objectivo é continuar a ir, é não desistir, é não voltar atrás, é não nos desviarmos do rumo. E é ir com ânimo, alegria, orgulho, descobrindo a cada instante novas maneiras de descobrir a motivação para não desistirmos e para arranjarmos forças para ajudar a puxar pelos mais fracos.


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As fotografias foram feitas este sábado, véspera do 25 de Abril, in heaven

Zeca acompanha-nos: Vejam bem

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Desejo-vos um feliz, um festivo, 25 de Abril -- 

-- mesmo que a festa seja apenas dentro do vosso coração.

sábado, abril 24, 2021

Por vezes ela tinha a alma distraída e feliz de moça que passeia com o noivo
mas, quando se irritava com os entendidos,
ia para casa comer o frango assado que tinha sobrado do almoço

 

“O poeta e os olhos da moça”, escrita por Rubem Braga a partir do relato que Manuel Bandeira lhe fez dessa história.

Publicada pela primeira vez em 1952, a crônica de Rubem Braga conta a história de Maria, uma moça de olhos de piscina que encantou um poeta. Só muitos anos depois, após a morte de Clarice Lispector e Manuel Bandeira, é que Rubem Braga revelou que os personagens da crônica eram os dois grandes autores da literatura brasileira e reescreveu o final do texto, acrescentando-lhe: “Foi há muito tempo que escrevi essa história, há quase 30 anos. Na ocasião eu não quis dizer o nome dos personagens. Hoje ambos estão mortos. O poeta era Manuel Bandeira, a moça noiva (Maria) era Clarice Lispector”.
Através de Rubem Braga ficamos sabendo que, ao sair do Praia Bar, no Flamengo, Manuel Bandeira encontra Clarice Lispector passeando com seu noivo Maury Gurgel Valente. Diante dos olhos de Clarice, assim afirma o poeta: “eu só via aqueles olhos verdes – e me recebeu como se fosse uma piscina”. Mas a moça passou com “alma distraída e feliz de moça que passeia com o noivo”.
 

Essa história deu origem a uma bela crônica escrita por Rubem Braga, na qual ele narra esse encontro e o encantamento produzido pelo olhar de Clarice em Bandeira, despertando-lhe o desejo de escrever um poema capaz de retratar aquele momento. O olhar marcante de Clarice Lispector cruzou com Manuel Bandeira justamente em um momento em que ele era consumido por uma tristeza provocada por outra mulher e foi poeticamente registrado na crônica de Rubem Braga, o qual relatou mais tarde ter contado a história à Clarice, ela, porém, não se lembrava do encontro e ficou olhando admirada para o cronista “com seus olhos de piscina”.

Caio Fernando de Abreu também relata em uma carta a Hilda Hilst a força do olhar de Clarice, definindo seus olhos como “hipnóticos, quase diabólicos”. A própria autora afirma em um de seus textos: “O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber”.

[Retirado daqui]

Mas engraçado é também o que a sua grande amiga Nélida Piñon conta de um dia em que foi assistir a uma palestra com Clarice.


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sexta-feira, abril 23, 2021

Clarice

 


Não sei quando li Clarice Lispector pela primeira vez nem como foi que soube dela. Se calhar, descobri-a acidentalmente numa livraria. Mas já foi há muito tempo.

Foi um choque.

Era uma escrita visceral. Alguém escrevia como a gente pensa e sente mas não diz. Lia aquelas palavras  sem conseguir compreender como era possível uma escrita assim. Era tudo muito íntimo, muito drástico, muito cru e, ao mesmo tempo, muito vital. E muito espiritual.

Não sei o que diz dela quem sabe o que diz quando se fala de um escritor como Clarice. Não sei, pois, sei se estou a ser correcta no que digo. Posso estar a ser parcial, imprecisa, a ver apenas uma ínfima parte do que há para ver, posso estar a exprimir-me mal. Mas, sinceramente, não sei como melhor dizer o que acho da escrita desta escritora que situo acima do comum dos mortais. Dá ideia que levita, que a banalidade do mundo não a interessa, que ignora a superficialidade, que paira num outro mundo, tão ausente depois de morta do que era quando viva.

Para se gostar dela tem que se ter o coração e a mente disponíveis. Tem que se ter vivido. Tem que se ter conhecido qualquer coisa do mundo. Tem que se ter tempo para a acolher.

Gostava de a ter conhecido. Gostava de ter podido estar na sua presença, conversar com ela. Gostava tanto.

Por isso, gosto de ler e ouvir sobre ela. A palavra a quem a conheceu: alguns que encontrei. Espero que gostem. E, para quem ainda não leu nada dela, espero que fiquem com vontade de ler.











E, uma vez mais, este vídeo que acho delicioso



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Respectivamente:

  • Entrevista rara de Clarice Lispector | Museu da imagem e do som em 1976
  • Alunos de Letras da USP 1970 entrevistam Clarice Lispector
  • Clarice Lispector | Poesia e prosa com Maria Bethânia e Caetano Veloso 
  • O grande amor de Clarice Lispector | Lúcio Cardoso
  • Conselhos de Clarice Lispector para escritora Lygia Fagundes
  • Chico Buarque relata noite de jantar com Clarice Lispector
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Uma happy thanks-god-it's-friday

quinta-feira, abril 22, 2021

Cinza e blue

 


Detesto estes dias assim. Se for chuvada a sério, coisa boa de assistir, eu gosto. Agora dia arrastado, cinzento, escuro, pingão, com chuva mansa e entediada, escuro dentro de casa, frio na rua, isso não gosto.

A meio da tarde, fui sair, para o jardim, para apanhar ar, de chinelinhos de trazer por casa. Fui com cuidado mas tão ensopada estava a relva que molhei os pés. Abriguei-me, depois, junto à porta. Mas não vi rolas nem ouvi canto de pássaros. Só ausência, silêncio, quase vazio. De regresso a casa tive que acender a luz como se estivesse nos dias pequenos de chuva e frio. Aborrecem-me os retrocessos e este dia foi assim, de retrocesso.

E várias maçadas, várias. Valeu uma coisa: a comida grega que trouxemos: tiropita, skanocopita, gyros. 

À hora de almoço, metemo-nos no carro e fomos mudar a morada em dois bancos. Num deles a coisa foi tão inacreditavelmente demorada, a senhora que nos atendeu tão intoleravelmente funcionária, tudo tão burocrático, demorado e acéfalo, connosco, por várias vezes, em ponto de rebuçado, a contestar o que ela nos pedia, prestes a interromper e desandar dali, que saímos de lá tarde e más horas e a bufar que nem uns massacrados. No outro banco nem conseguimos entrar, só com marcação. Novos tempos. Sentimo-nos destratados, abaixo de cão. Pomos lá o dinheiro e nem entrar nos deixam. De lá, da porta, tentei ligar a ver se nos poderiam receber. Está bem, está. Ninguém atendeu o telefone. Liguei, liguei, liguei. Nada.

Tarde, com fome, com coisas para fazer, metemo-nos no carro para regressar a casa. Mas tínhamos passado por um grego. Lembrámo-nos de quando íamos almoçar ou jantar na esplanada junto à praia. Eu quis. Ele não, já era tarde, tínhamos que ir para casa. Mas, de súbito, deve ter-lhe dado o apetite que a lembrança às vezes acorda. Deu meia volta. Fomos encomendar e, em dez minutos, tínhamos a encomenda embalada.

Mas, no caminho, pensámos melhor: já eram quase três da tarde, seria mal empregado despachar o petisco a correr. Por isso, ficámo-nos por uma sopa, uma sandes e uma fruta. Foi ao jantar que, comidinha aquecida no microondas, nos deliciámos com os petiscos gregos. Ainda por cima, por simpatia, o dono do restaurante ofereceu uma sobremesa. Tudo bem bom.

Quando estava a encomendar e à espera fez-me impressão estar ao pé de pessoas que estavam sem máscara. Estavam a almoçar, a conversar. Eu estava de máscara mas já se sabe que a máscara protege sobretudo os outros, não os próprios. Mas, enfim, teremos que nos habituar a ter que conviver com a ideia de estarmos perto de pessoas que estão sem máscara. Razão para preocupação terão os empregados dos restaurantes que estão horas em espaços habitados por gente sem máscara. Nas esplanadas ainda vá que não vá, agora em espaços fechados é mais problemático. Mas, enfim, melhor nem pensar nisso.

Tirando estes pequeno nadas, só a chatice de ter que recolher, uma vez mais e o mais possível, as taças com as suculentas. Não consigo protegê-las completamente pelo que, com tanta chuva, a ver se não ficam em risco. São plantas que não querem água e passam a vida a apanhar chuva. O meu marido troça, diz que o meu next step vai ser arranjar chapelinhos para as gordinhas. Não ligo a provocações. 

E o que sei dizer é que -- talvez por não ter férias há tempo demais, talvez por trabalhar demais e frequentemente debaixo de pressão, talvez porque andar enfiada no trânsito ou em torres herméticas não é bom mas estar tempo demais em casa também não -- ando um bocado cansada, um bocado impaciente, um bocado com vontade de não sei bem de quê.

Frequentemente, quando pego nisto, geralmente depois de ver o House, penso que não tenho nada a dizer, que melhor faria ir dormir. Mas depois lá cedo ao vício de deixar os dedos dar uma esticada. Só que, sinceramente, não sei se vou conseguir aguentar este cadência diária por muito mais tempo. E sei que, se interromper, será para sempre porque não sou de fazer coisas por metade. 

Acho que isto, este cansaço misturado com um certo desalento, me passava com umas boas férias, só que nem tão cedo as poderei ter. Uma chatice. A ver se esta quinta o dia está mais animado porque os dias cinzentos deixam-me blue.

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Pinturas de Marguerite Gérard ao som de Salut d'Amour, E. Elgar por Anastasiya Petryshak

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Um dia feliz para si que está aí desse lado

quarta-feira, abril 21, 2021

Moedas sobre Medina: "a suspeita corrói a democracia".
Ah pois é, bebé, "quem com ferros mata, com ferros morre".

 

E pouco mais tenho a dizer. Talvez apenas relembre que "um dia é da caça, outro do caçador". Ou, como presumo que neste caso a ordem dos factores seja arbitrária, "um dia é do caçador, outro da caça".

Ou talvez ainda possa enunciar um velho sound bite:  "há mais marés que marinheiros".

E todos estes ditados populares o Dr. Medina deveria ter sempre bem presentes.  

Talvez possa ainda recordar que, por altura das autárquicas, as denúncias, as buscas e as suspeitam se amontoam. Talvez também possa lembrar que há um partido que tem no seu ADN a intriga e que é uma verdadeira incubadora de fake news, fake profiles e whatever. Cuidado com a lama que lançam, cuidado. 

Talvez possa ainda acrescentar que, coitados dos que, achando-se acima da carne seca, mais não fazem do que pôr-se a jeito. Talvez, a duras custas, aprendam que a turbamulta se está a marimbar para um dos mais básicos pilares da democracia, o de que "todos são inocentes até prova em contrário". 

Certo, Dr. Medina?

Para além de cool, virou pintor.
Para surpresa da mulher que diz que nunca antes o viu admirar qualquer forma de arte, agora pinta imigrantes.

 

Este fez muita porcaria, alguma da qual dificilmente explicável ou desculpável. A história dos presidentes não lhe guardará lugar de enaltecimento.

Ainda me lembro da discussão que tive com um colega por causa dele. O outro defendia-o, acreditava nele, não percebia como poderia eu duvidar, como era eu capaz de pôr em causa as boas intenções e a boa informação de um presidente da nação supostamente melhor informada do mundo. Eu achava que ele era um burro a quem os grandes interesses do petróleo e do armamento manietavam. Encalorada discussão a que tivemos. Estávamos numa belíssima moradia no Restelo e, em vez de aproveitar o dia, não fiz outra coisa senão discutir perande a enormidade do que estava a acontecer.

Contudo, o tempo tem vindo a revelar que o dito alvo da minha fúria, com a idade, está cada vez mais cool.

O seu bom humor era conhecido mas não tinha ideia que ele fosse tão cool. 

Acredito que as pessoas mudam. Acredito que algumas podem vir a arrepender-se de erros que cometeram. E genuinamente acho que, embora alguns arrependimentos, em termos práticos e objectivos, valham menos que uma casca de caracol furado, deveremos conceder o benefício da dúvida a quem, humildemente, mostre que mudou.

Eu sei que há os cínicos, os cépticos, os que não acreditam na regeneração -- que acham que se uma pessoa caiu parvamente numa esparrela e, com os seus actos, impensadamente provocou a perda de muitas vidas humanas, deve ser punida para todo o sempre. Percebo-os. Há um lado meu que também tende, por vezes, a ser implacável, a não absolver os insensatos, os cobardes, os irresponsáveis. Mas, no fundo, no fundo, acho que a vida é uma passagem, um tempo curto, ocasional, o instante que dura entre o nada inicial e o nada final. E, se, de permeio, a pessoa agora mostra ser outra, reduzida ao seu humilde  e inofensivo lugar de vulgar cidadão comum, se mostra que gostaria de poder reparar algumas lacunas da sua vida anterior, então quem sou eu para me armar em justiceira, para os renegar...?

As obras a que agora George W. Bush se dedica não se pode dizer que sejam extraordinárias. Mas penso que não é isso que está em causa. 

E a forma desprendida como a mulher encara tudo isto é também todo um programa. Gostei de ver, é o que posso dizer.

George W. Bush on painting a new vision of immigrants

The former president's latest passion is celebrating the contributions of America's immigrants on canvas (as seen in the new book "Out of Many, One: Portraits of America's Immigrants") with the hope, he tells "CBS Evening News" anchor Norah O'Donnell, that a more respectful attitude to those who come to our country will help lead to reform of the immigration system


terça-feira, abril 20, 2021

Uma gaiola pouco consensual e um gato com um olhar verde e intrigante

 


O Leitor Anónimo desata a rir com a minha inocência. Na volta é o mesmo sátiro que resolveu atentar contra o mesmo bucolismo e, onde eu imaginava passarinhos debicando as doces romãs, ele veio aqui despejar um balde de água fria na minha prosa, dizendo que era obra de ratazanas, qual passarinhos. Há pessoas que gostam de dar desgostos aos outros. Agora foi com a gaiola. 

Toda sonhadora e romântica, idealizo uma gaiola branca, elegante, aberta-- e imaculada. O supremo requinte: um lugar sofisticado para os pássaros poderem recolher-se, alimentar-se, tomarem uma bebida, colherem inspiração, darem uma flirtada. Tal como aquele belo sunset na bela cidade de onde se vê o rio e todo o casario e onde se está tão bem, assim a minha open gaiola, uma espécie de hotel de cinco estrelas sempre de porta aberta. Sejam pardais, rolas, melros, picapau, cuco, todos esses pássaros que por aqui esvoaçam e cantam, todos serão muito bem acolhidos. E tal como quando a gente vai a um lugar requintado não vai pôr-se a sujar o espaço, assim imagino eu os belos e cantadores pássaros: educados, civilizados. 

O meu marido é o contrário, não liga patavina aos meus devaneios e atalha cerce: Quando aquilo estiver tudo cagado, vais tu limpar? 

Não respondo, não gosto da pergunta. 

Ao fim da tarde, toda de mansinho, voltei à carga: Não queres vir ver onde é que a gaiola fica bem...? 

E ele: Não.

Não me deixo abalar por tão pouco. Fui para o jardim avaliar qual a melhor localização. Ou no canto, lá em cima, no ponto mais alto, ou cá em baixo, mais perto do terraço, junto à chuva de hastes do jasmim amarelo. 

Depois voltei para junto dele: Não queres vir à garagem ver o tamanho da gaiola e como é que a tiramos de lá...?

E ele: Não.

No problem. Fui eu. Tentei tomar-lhe o peso. Nem arredou pé: pesada, pesada. Olhei-a por baixo e vi que, afinal, tem rodas. Portanto, menos mal. Mas, tão pesada, como puxá-la? Pensei que, se calhar, tem que se amarrar uma corda e puxar.

Voltei para o pé dele: Já percebi, tem rodas. Temos que puxá-la pela rampa da garagem. 

Ele: Temos...?

E eu, fazendo de conta que não percebi a nuance: Amanhã tratamos disso.

E ele: Sim, sim. Como quem diz: Vai esperando.

Portanto, está garantido. Não vai ser fácil, vai dar luta. Mas cá estamos.

À hora de almoço quis ir comprar alpista. Disse-me simplesmente: Não vou. 

Respondi-lhe: É que acho um bocado disparatado alimentá-los a basmati.

Fez de conta que não ouviu. Não fui sozinha, não sei dar com aquilo, ainda não conheço bem os trajectos. Mas é outro assunto que tenho que resolver. Também ainda não vi onde são os bebedouros, se estão dentro da gaiola ou se terei que arranjar umas tacinhas. Nem sei se basta ter uma casa bonita com comidinha e bebidinhas para eles se sentirem atraídos ou se é suposto ter alguns motivos de atracção, vasinhos pendurados, por exemplo. A minha filha falou em espanta-espíritos. Sou navegadora de primeira água nisto de gaiolas, não sei. 

O meu marido diz: Ocupas todo o espaço, não vais descansar enquanto não encheres o jardim de toda a espécie de coisas. 

Disse-lhe: Não sei a que te referes.

Disse: Vê com as suculentas. O terraço já está cheio delas.

E eu: E então?

E ele: Então, nada. É isso.

Resumindo: a ver se esta terça-feira tiramos a gaiola da garagem e a ver se um dia destes arranjo maneira de comprar alpista.

Entretanto, uma novidade. De manhã, um misterioso gatinho preto de belos olhos verdes passeava-se pelo terraço. Não faço ideia de onde veio. Estava a trabalhar e ele a espreitar para dentro de casa. À tarde, demos com ele sobre o telhadinho do barbecue. Aproximei-me. Não fugiu. Fotografei-o. Parece-me um gatinho novinho, ainda com uma espécie de penugem misturada com o pelo. O pêlo é preto mas, ao sol do fim da tarde, parecia com laivos de ruivo. O olhar é penetrante, quase irreal, quase abstracto. 

Não tem medo nem me estranhou. 

Mas não sou entendida. Não sei. 

Fui ter com o meu marido e disse: Vou dar-lhe leite.

Ele: Mais outra...

Quando estava a preparar o lanchinho, o meu marido chamou lá de dentro: O que é que estás a fazer?

Eu: A preparar o leite. Porquê?

Ele: Porque é que estás a mexer no microondas?

Eu: Para aquecer o leite. Não ia dar leite frio.

Ele, lá de dentro: Está tudo perdido.

Fui pôr a embalagem de plástico com leite morninho no telhadinho. Inho, inho. O gatinho afastou-se um pouco. Ficou a espreitar. Mal me afastei um pouco, foi beber.

Depois lambeu-se, enquanto os olhos brilhavam de tão verdes. Tão, tão verdes.

Agora estou a pensar: será que vai perturbar os pássaros que forem curtir o spa na gaiola? Terei que ver isso. Será que deveria arranjar uma casinha também para ele?

Só aventuras.

[Só espero que o Leitor que gosta de vir para aqui com um baldinho de água fria na mão para um just in case não venha agora dar-me mais alguma notícia desconcertante. Não é um gato? É uma pantera? Conte-me tudo]

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Um dia feliz para si que está aí desse lado. 

segunda-feira, abril 19, 2021

In heaven a varrer e a carregar móveis.
Na praia a ver beldades em sessões fotográficas e a ver o mar.
Em casa, feliz da vida, a começar a desconfinar.

 


No sábado estivemos in heaven. Há quanto tempo... O campo está verde, lindo, lindo, o rosmaninho todo florido, há insectos e passarinhos, há perfumes no ar, há silêncio, há paz. É o meu chão, o meu ar, o meu céu.

As duas roçadoras, a mais antiga e a mais recente, estão avariadas. Não há como cortar o mato. O meu marido foi pôr as duas numa pequena oficina na vila mais próxima. Disseram que durante a semana ligam a informar se conseguem arranjá-las. A ver se sim. Sem se ter podido mudar de concelho e agora com as máquinas incapazes, está complicado cumprir o prazo para limpar o terreno.

Andei por lá, fotografei tudo, os verdes, as pequenas flores, as árvores, as pedras, as saudades que tinha. 

Já sei que, quando o meu marido se apanhar com uma roçadora nas mãos, vou tremer: por ele vai tudo à frente. Não é especialmente sensível a florzinhas ou a distinguir vulgares ervas daninhas de plantas aromáticas. Depois já não vê muito bem. Ele acha que só não vê bem ao perto mas eu tenho algumas dúvidas. Pior quando põe aqueles óculos de plástico de protecção. A tentação dele é despachar, ir tudo a eito. E eu fico em pânico. O que eu gostava mesmo é que ele andasse com o podão a cortar, à mão, tojo e silvas, poupando tudo o resto. Diz que sou maluca, diz que, se é isso que quero, vá eu para o meio do tojo e das silvas cortar pezinho a pezinho. É um tema que nos divide desde os primórdios.

Quanto à casa, a ver se conseguimos que coincidam no espaço e no tempo nós e as pessoas que gostaríamos que lá fossem ver os arranjos que queremos fazer para fazerem um orçamento e para nos dizerem quando poderiam começar. Olho para a casa e parece que já a vejo como eu gostaria que ficasse. Na zona mais antiga da casa, a zona central, os tectos e o chão são de madeira e os varandins das mezzanines também. Tenho vontade de -- com excepção do chão, que gosto de ver em soalho -- pintar tudo de branco. As janelas dessa zona são de madeira e vidro simples. A ver se as mudamos para vidro duplo e se calhar tudo em branco. Os aros dos vidros são bonitos em madeira mas requerem muita manutenção e, em termos de isolamento térmico, são fracos. E toda a casa precisa de ser pintada. E acho que é desta que vou ter coragem para fazer aquilo que tenho vontade de fazer desde que aquela passou a ser a nossa casa de campo. Já o contei: a casa, pelo que é, é uma casa rústica e as paredes são rugosas. Não sei se é tinta de areia, se tem outro nome. Ora eu prefiro paredes lisas. Deve ter que ser tudo lixado ou estucado, não sei. Deve ser demorado e uma sujeira pegada pela casa, só poeira. Mas alguma vez vai ter que ser. Não posso ver as teias de aranha entranhadas naquelas rugosidades. De cada vez que lá chego tenho que fazer um esforço para me abstrair, senão passava o pouco tempo de que disponho, a catar ínfimos fios por entre o arenoso da parede. Se vou com uma vassoura, mesmo que envolta num pano, ou consigo a leveza de gestos que as arranque, ou o que acontece é que as teias ainda mais se entranham. Só de pinça se conseguiria. Portanto, tem que haver outra solução.

Enfim. Andei a varrer cá fora: folhas, folhas, folhas. Se há coisa de que gosto é de varrer. Tenho uma vassoura daquelas grandes, pesadas, de 'pelo' de arame. A pá também é de metal, de pé alto. E ando com um balde grandão com rodas. Encho-o e vou vazá-lo nos canteiros mais longe. 

Também andámos a apanhar nêsperas. As nespereiras estão carregadinhas. Os frutinhos amarelinhos não estão ainda a saber a mel mas já se comem muito bem. 

E outra coisa: nesta casa, esta onde estou agora, como já o referi, os móveis do apartamento encaixaram como um puzzle perfeito. Misteriosamente, tudo parece ter sido feito à medida desta casa. Porém sempre houve uma zona da casa em que a coisa não convenceu: é a entrada principal. Há uma espécie de curto corredor que vai dar a um pequeno hall de onde partem mais dois corredores. Embora largo, por ser curto, nunca se percebeu bem o que haveria de ali ficar. Pusemos um móvel de meia altura, com três prateleiras e uma gaveta em baixo. Mas parecia um pouco insignificante ali. Uma aguarela por cima, uns bibelots simples. Comecei por lhe arranjar um banco de veludo claro e pés dourados para pôr ao lado, para compor o espaço e porque um banquinho na entrada dá sempre jeito.

Mas, in heaven, na sala de jantar, tínhamos um móvel bonito em nogueira, com pés altos, três gavetas e duas portas. Ali onde estava não achava que estivesse muito bem e ocorreu-me que onde estaria mesmo bem seria aqui na entrada. 

Portanto, lá o conseguimos levar, em cima de um tapete, até ao carro. Pesado, pesado, pesado. Madeira maciça, pesadérrima. Mas o pior foi conseguir enfiá-lo no carro. Rebatemos os bancos e lá conseguimos.

À vinda fomos a casa da minha mãe. Aproveitei para tratar do irs dela e para tirar dúvidas no tablet. Fartou-se de insistir para eu não comer tantos frutos secos, para não comer tanta fruta, diz que tenho que perder algum peso. Também acho. Ela não tem um grama a mais e acha que eu deveria seguir-lhe o exemplo. Diz: tens sempre fome, desde pequena que és assim, sempre com vontade de comer. Confirmo. Digo-lhe que é da menopausa, que alarguei, que engordei. Ela diz que com ela foi a mesma coisa, também alargou, os casacos deixaram de lhe servir. Mas diz que depois normalizou. Espero que comigo seja a mesma coisa. Nem me peso para não ter desgostos. Imagino que devo estar para aí com uns sessenta e cinco quilos, senão mais. Uma desgraça. Abaixo dos sessenta já não devo ir. Tantos anos nos cinquenta e cinco, toda delgadinha, e agora este disparate. Mas como é que arranjo disposição para uma dieta das valentes? Gaita.

Quando chegámos aqui a casa, já era de noite. Manobra inversa com o móvel. Pior mesmo foi conseguirmos subir os degraus até à porta. Um pesadelo. Mas conseguimos. Um dia destes é provável que me apareçam dores nas costas ou nas pernas. Depois foi preciso trazer o móvel que lá estava aqui para esta sala onde estou. A cómoda pequena com tampo de mármore da Arrábida, que estava com a televisão em cima, foi para o lado do sofá grande. A televisão agora está em cima do móvel que estava na entrada. Ficou tudo a fazer sentido.

Na entrada, o quadro que estava em cima do móvel teve que ser subido e eu já temia o pior, que ele se recusasse a ir buscar o berbequim. Afinal, tudo se resolveu, encurtando o arame. Portanto, embora tarde e más horas, tudo ficou pronto.

Contudo, não estou especialmente convencida. Agora parece-me um bocado grande demais. Mas não digo nada para não despertar a fúria dos deuses.

Este domingo à tarde, fomos ter com a minha filha e com os meninos à praia. Na primeira, tivemos que dar meia volta: carros, carros, carros. Não havia onde estacionar. Muita gente. Fomos a outra. 

Uma belíssima tarde de praia. Os meninos tomaram um belo banho. Muito bom. A praia quase cheia. Zero covid. E digo-o sem sombra de censura. Ao ar livre e desde que com algum distanciamento não creio que haja problema. Sempre desejei Abril. Penso que com os mais velhos vacinados, com vida ao ar livre e com algum cuidado, poderemos voltar a estar uns com os outros.

Perto de nós, uma mulher bonita, alta, magra, elegante. A minha filha chamou-me a atenção: era uma conhecida actriz de telenovelas. Não a fazia tão alta. Brindou-nos com uma inspirada sessão de fotografias. Fez poses de toda a espécie e feitio, sorriu e espevitou a perna, esticou o braço, pôs-se contra o mar, contra a luz, a cabeça para a frente, a cabeça para trás. Não contente com isso, fez selfies atrás de selfies. Passado um bocado a minha filha confirmou: as fotografias já estavam nas suas páginas das redes sociais. Penso que, neste caso, também se pode usar aquilo do 'novo normal'. O culto do 'eu. Diz a minha filha que não é só isso, é que também ganham dinheiro com aquilo. Basta que sejam pessoas conhecidas e que façam publicidade ao que vestem, calçam, que produtos usam, onde compram.

A poucos metros, duas outras, com carnaduras mais generosas, estavam na mesma: uma, deitada ou sentada na areia, fazia poses, esticava a perna, esticava o braço, fazia trejeitos e habilidades; a outra, de pé, fazia a reportagem, orientava a animada diva. 

Toda a gente se sente uma vedette, uma star, alguém com direito a toda a fama do mundo. Não é preciso ser-se conhecido, bonito, elegante, culto, inteligente, sabedor de alguma coisa: não senhor, todo o cão e gato, desde que haja uma máquina fotográfica por perto, se sente no direito de se exibir ao mundo. 

E, se calhar, é hábito que veio para ficar e, se calhar, quem, como eu, gosta de fotografar o mar, as flores, os outros e os seus hábitos, só revela não estar alinhada com os astros. Mas é isso aí: sou vintage. Acho que são os outros têm graça, não eu. 

Fartei-me de fotografar, claro está. E adoraria mostrá-las inteiras, a actriz, os que a fotografavam, as outras duas. Mas não, só uns relances. 

Inteiras, mas é porque estavam de costas, só as duas beldades que embelezaram as cores e a bravura do mar com a sua graciosidade.

Depois da praia viemos todos cá para casa, mais concretamente para o jardim. Arranjei-lhes um lanchinho. Enquanto eles estiveram a comer, eu estive por perto e com máscara. Tranquilo. O meu marido, nestas ocasiões, anda sempre a vigiar-me. Acha que não sou cuidadosa. Mas gosto tanto de estar com eles que volta e meia até me esqueço dos cuidados a ter. 

Varreram o jardim, apanharam folhas, andaram de balouço, riram, brincaram às lutas, espantaram a rola que se acolhe dentro da buganvília.

Contei-lhes que estou com a ideia de colocar no jardim a gaiola grande que está na garagem. Mas para a ter aberta, com água e sementes para os pássaros irem servir-se. Uma coisa tipo bar aberto. Eles acharam boa ideia. O meu marido caladinho. Perguntei-lhe o que achava. Disse: desde que depois sejas tu a limpá-la.

Não sei porque se há-de sujar: os pássaros entrarão, comerão e beberão e voltarão a sair. Não vão lá ficar a fazer as necessidades. É o que me parece.

E é isto. Estou ferrada de sono. Estou assim desde que vim da praia. O meu marido também estava assim. Disse: é do ar do mar. Duvido. 

Ainda por cima, isto de escolher as fotografias, reduzir-lhes a resolução, colocá-las aqui, demora. Já meio a dormir e ainda nisto. O que me preocupa mais nem é o sono, é o receio de que isto vá cheio de gralhas e já não ter pachorra para dar uma vista de olhos. Gaita. Nem consigo agradecer os comentários nem dar uma vista de olhos a ver se isto não vai desvirgulado, despassarado.

[A chuvada do outro dia deixou o vidro em bom estado, deixou, deixou.... Só agora, ao ver a fotografia, reparei nisso. Ainda hesitei em colocá-la aqui. Mas até acho que o fundo, assim, tal como está, ainda valoriza mais as minhas perfumadas rosas mutantes. Não são tão bonitas?]

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Desejo-vos uma boa semana. 

Saúde. Alegria. Força.