Praticamente não tenho visto televisão nem lido notícias mas, por uma palavra aqui e outra ali, apercebo-me que, uma vez mais, deve ter havido trica em torno da sempiterna questão das comemorações do 25 de Abril. Podia ia averiguar mas é tema que não me interessa. Se são os capitães que não querem os partidos, se são os partidos que não querem os capitães, se é outra coisa qualquer, a mim dá-me igual.
Não sou de andar em marchas ou em manifs, não sou de andar a repetir slogans que, à frente, alguém apregoa ao megafone, não gosto de me sentir parte de um rebanho. Mas isso sou eu. Nada contra quem gosta de andar em rebanho. Tenho um bocado medo de rebanhos, tento manter uma distância higiénica deles, mas nada contra os que gostam.
Para mim festejar a data em que a liberdade irrompeu é outra coisa. É ir para a rua festejar tal como naqueloutro longínquo 25 as pessoas fizeram. Respirar o ar da liberdade, fazer o que nos dá na bolha, rir, cantar, dançar, caminhar, bater palmas, correr, saltar, ficar em casa, não fazer nada. Desde que não incomodemos ninguém, o 25 é bom para a gente experimentar a nossa própria liberdade. Se não somos livres dentro de nós, não saberemos lutar pela liberdade.
Portugal, em parte, ainda não é um país livre. Ainda subsiste o espírito apertadinho de antanho, ainda há muito aquilo de recear a opinião dos outros, ainda há muito aquela coisa pequenina de se ser politicamente correcto, ainda há muito o ter medo de exibir felicidade, ainda há aquele mito tacanho de que quem ri é tonto e que bom é andar de cenho cerrado a reivindicar amanhãs que cantam ou a carpir mágoas e tempos idos.
Para mim a liberdade não é isso. A liberdade não pode ser impor aos outros a nossa vontade ou pensamento nem manter a mente presa ao antes do 25, querer à viva força que festejar o 25 seja lamber feridas passadas.
Para mim o 25 de Abril é o respeito intrínseco pelos outros, é a defesa da dignidade e do inquestionável direito a ela, é a obediência incontornável aos pilares da democracia -- entre os quais o da justiça -- sem mácula ou desvios, é encarar a inclusão de todas as diferenças com naturalidade (desde que benignas, genuínas, generosas, democratas), é amar a natureza, é investir fortemente na ciência, na arte e no conhecimento em geral, é fazer da cultura um processo de aprendizagem permanente, é compreender as nossas limitações e a imensidão do universo, é querer a felicidade, a nossa e a dos outros.
Grandes progressos foram alcançados desde 1974. Mas, para os mantermos e para darmos novos e decisivos passos em frente, temos ainda um longo caminho pela frente, penso eu. A indiferença que muita gente sente pela política e os elevados níveis de abstenção revelam o atraso cultural em que vivemos, e isso, no que se refere a democracia e liberdade, é sinónimo da infância da arte em que ainda vivemos. A mesquinhez com que tanta gente ainda reivindica o 25 para si próprio é outro sinal de que o cinzentismo e o bafio ainda envolvem gente demais. Por outro lado, o narcisismo e a dependência excessiva das redes sociais são passos atrás num caminho que ainda está no início.
Mas o caminho faz-se caminhando e, portanto, bora lá. Não há estradas perfeitas nem nenhum el dorado nos espera lá ao fundo. Não há fim para este caminho. O objectivo não é chegar: o objectivo é continuar a ir, é não desistir, é não voltar atrás, é não nos desviarmos do rumo. E é ir com ânimo, alegria, orgulho, descobrindo a cada instante novas maneiras de descobrir a motivação para não desistirmos e para arranjarmos forças para ajudar a puxar pelos mais fracos.
Desejo-vos um feliz, um festivo, 25 de Abril --
-- mesmo que a festa seja apenas dentro do vosso coração.
"Caminante no hai camino, se hace camino al andar"
ResponderEliminarDesculpe o meu portinhol...
Rebanho? Nunca imaginei que pudesse aqui surgir tal ápodo...
ResponderEliminarIdentifico-me com a sua ideia de Liberdade que vamos construindo. Dizê-lo melhor era impossível.
Um dia festivo!
Viva o 25 de Abril!
ResponderEliminarUm belo Dia da Liberdade.