Vinha no carro quando ouvi as conclusões do plenário do Sindicato do Pardal. Depois de uma série de considerandos, considerando que, considerando que, em que matavam e esfolavam a Antram e mais os malvados dos patrões e quando a conversa só podia ter como conclusão a continuação da greve, eis que num impensável flic-flac, a conclusão foi, justamente o fim da greve.
Ficámos a olhar um para o outro. Só me lembrei da expressão que o mesmo Pardal usou, dias antes, para classificar o que se estava a passar: uma palhaçada (*).
Claro que não foi preciso chegar ao 7º dia para se perceber que os motoristas:
- já estavam cansados por verem a greve estéril em que se tinham metido,
- já não havia dúvida que a baderna que pretendiam armar (vide o mail de Fernando Frazão, referido pelo Expresso, Fernando Frazão que já antes tinha escrito a Marcelo], causando o caos no País, tinha sido neutralizada pela actuação atempada e inteligente do Governo,
- já deveriam estar apreensivos vendo os outros sindicatos a chegar a acordo e eles longe disso,
- já deviam estar baralhados com os argumentos do Pardal já que a Antram se tem mostrado disponível para negociar desde que não com o cutelo da greve sobre as cabeças e com os sucessivos apelos do Governo a que se sentassem para negociar, se necessário com a sua mediação,
- já deveriam estar a temer terem sido instrumentalizados por uma criatura cujos actos parecem ter contornos algo duvidosos e cuja assessoria começa a parecer-lhes muito cara
e, segundo se foi sabendo, as vozes a pedir o fim da greve aumentavam de dia para dia.
Aliás, há alguns dias, já alguns se manifestavam publicamente, chegando ao extremo de querer que o Governo decretasse a requisição civil total -- o que revela bem o desnorte de grande parte deles.
Portanto, a decisão não poderia ser outra que não esta -- e ainda bem. O ridículo de tudo é a forma como o recuo foi concretizado, o total absurdo das razões invocadas, aquela ridícula sucessão de considerandos.
Portanto, conclui-se que para o Pardal as palavras não valem uma casca de caracol: diz uma coisa como se quisessse dizer o contrário para chegar onde lhe convém mesmo que isso nada tenha a ver com o que acabou de dizer. Penso que pode também concluir-se que têm razão os que dizem que o Pardal é perigoso, manipulador, populista e o instrumento fácil para quem procure um agente de desestabilização (em especial em período eleitoral ou pré-eleitoral).
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Fantástica ilustração de Rui Rio a correr atrás do prejuízo no Expresso (Não sei quem é o autor do 'boneco' mas é, certamente, alguém talentoso) |
Claro que nisto podem também tirar-se outras conclusões. Por exemplo, o PSD voltou a dar mais um tiro no pé: entraram em cena quando o espectáculo estava a acabar, apareceram com falas trocadas, puseram-se a jeito para receber pateadas e olhares de estupefacção. É um partido que se resume hoje a um irrelevante bando de totós, gente que, na primeira oportunidade, mostra ser de má índole (veja-se este triste episódio das férias), com um mau feitio que custa a aturar. Em suma, estão reduzidos a um grupelho de gente inoportuna e desagradável. As hostes laranjas estão ao rubro e compreende-se. Só não o esfolam vivo porque isso era se ele fosse coelho.
Imagem que vem da infinita arca do We Have Kaos in the Garden |
Agora já se mostram mais reservados e já se limitam a banalidades para tentarem salvar a face. Mas a forma tonta e empolgada como apoiaram o Pardal, vendo nele um arauto da democracia, é muito preocupante.
O que vale é que estamos na silly season e provavelmente ninguém lhes prestou muita atenção. Senão, as consequências poderiam ser devastadoras para um partido que tanto tem feito para ser visto como um partido responsável, bom para estar no Governo. Se alguém lhes prestou atenção, terá visto que ainda estão bem longe disso -- confiáveis, com discernimento e sentido de Estado é coisa de que ainda não são.
E outra coisa que se pode concluir: a presença tutelar do Louçã não ajuda nada. Com aquele sorriso melífluo a temperar a pose catedrática, sempre com assento mediático, continua a pôr e dispôr junto da opinião pública, condicionando a intervenção do BE. A Catarina Martins deveria pensar nisto se quer que os seus meninos cresçam.
Caro jeito manso,que tão bem tem estado sempre,mas ultimamente mais destacado:
ResponderEliminarSó uma palavrinha para os que escrevem (dizem,pensam) que o direito à greve foi posto em causa,com as ultimas medidas do governo):
Ninguém discute o direito a férias e admitamos que nós todos,todos,decidíamos tirar 30 dias de férias em Agosto! Estaríamos dentro do nosso direito de gozar férias. Nesse caso teriamos a debacle geral ou o senhor bom senso teria que intervir? Pondo em causa o direito a férias? So uma má fé cínica ou uma imbecilidade córnea diria tal desaforo.
Diga-me o que pensa,alguém nos deve merecer confiança e a senhora foi e será confiável.
Um abraço
Olá Abraham,
ResponderEliminarOs seus comentários -- que têm frequentemente o perfume bom da ironia -- agradam-me sempre.
Pertinente a sua questão. Será que se todo o país resolvesse ir de férias em Agosto -- médicos, polícias, enfermeiros, bombeiros, lojistas, recolhedores de lixo, condutores de autocarro, comboio, taxi, motoristas de mercadorias de toda a espécie, farmacêuticos, todos, todos de férias em Agosto -- os que hoje defendem que os motoristas deveriam ter paralisado o país também achariam que impedir isso seria um atentado a um dos valores de Abril...? Boa pergunta, Chevy.
Não quererá, estimado comentador, elevar a sua fasquia e ir comentar para as televisões, lançando a confusão entre os avençados com tão pertinentes questões...?
Gostava de o ver lá! Não quer enviar uma candidatura? Já se imaginou? Os outros, muito apertadinhos, e o meu Caro a lançar hipóteses que os deixariam de cabeça à roda.
Aplaudo por antecipação.
Abraço!
Este comentário é um bom exemplo de que nada é linear, só que pensar cansa è mais fácil seguir os que gritam mais na triste comunicação social.
ResponderEliminarAbraham Chevrolet e UJM,
ResponderEliminarBoa questão! Mas tal situação hipotética só será plausível se todo o país - médicos, polícias, enfermeiros, bombeiros, lojistas, recolhedores de lixo, condutores de autocarro, comboio, taxi, motoristas de mercadorias de toda a espécie, farmacêuticos, todos, todos - realizasse uma greve, simulatânea, por tempo indeterminado, até que os nossos eleitos aprovassem uma alteração fundamental ao código do trabalho que estabelecia o direito dos trabalhadores a definirem o seu período de férias. É que direito, inalianável (teoricamente), a férias: sim, temos; mas não a definir o período em que as gozamos!
Abraço,
Olá Paulo,
ResponderEliminarTem razão: o período de férias tem que ser aprovado. Mas se, por hipótese, todos quiserem ter férias em Agosto, porque sim, porque querem, porque não vêem porque não, porque é um direito, porque querem estar com a família, e, se não agora, talvez em 2021 ou 2022...? Nunca se sabe, Paulo... A realidade anda a mostrar-se mais estapafúrdia do que a ficçao, não acha?
Abraço, Paulo!
Olá UJM,
ResponderEliminarBem, eu não acho assim tão estapafúrdio: quase toda gente quer ter férias em Agosto. Simplesmente não lhe são concedidas. E... vá... apesar de a malta poder parecer estapafúrdia nas razões para o recurso à greve... "veja-se lá" que ainda não se lembraram de fazer uma sobre este tema... bem mais importante!
Mas... e porque não? Implicaria, necessariamente, uma organização social completamente diferente. Não teria de ser necessariamente pior! Ou teria? Seria, pelo menos, uma experiência interessante durante um mês. Não?
Embarcando nos exercícios de ficção... imaginemos que... vá... 70% dos cidadãos... queriam que todos fossem de férias em Agosto.... que faziam disso a sua prioridade reinvindicativa... seria aceitável chamar as forças de segurança e os militares para a) substituir os trabalhadores em greve e b) levar a cabo uma requisição civil que obrigue grande parte desses 70% de cidadãos hipoteticamente em greve a exercer as suas funções habituais?
PS: No entretanto, numa greve da Ryanair que está a decorrer por estes dias, foram decretados, pelo governo, serviços mínimos que se assemelham bastante à operação habitual da companhia. Isto num quadro em que existem alternativas ao serviço prestado pela empresa - inclusive alternativas de empresas públicas.
Abraço!