domingo, agosto 18, 2019

Crónica de um dia in heaven recordando chormigas na cotas, janténas, descobrindo brinquedos all over, livros transgeracionais, fardas azuis, argolas a la Carmela, pernadas vergadas, figos escorrendo mel cor de rubi, parafusos a mais, havaianas a menos e etc.



A indolência é bicho mais corrosivo que o cansaço. Se à indolência se colar a espessa camada de preguiça que emana do calor na pele, então, fica a coisa ainda pior. E que calor hoje aqui tem estado. Só ao entardecer se levantou uma aragem mais forte.

Deveria ser bom sair pela noite, mergulhar numa piscina de água fresca, negra, apenas umas luzes marinhas num dos cantos para orientação ao emergir. Ou sair nua por entre as árvores, ouvir a respiração quieta dos animais, deitar-me na terra adormecida e fresca.

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Mas estou dentro de casa, com calor, deixando que a lassidão me tolha os movimentos. Tinha pensado que hoje, bem dormida, estaria aqui cheia de energia a responder a comentários transactos, a mails antigos. Mas não. Nem ainda arrumei metade do que deveria ter arrumado. Dormi, preguicei, li, comi figos, fotografei, vi televisão. Tudo na maior lentidão, no maior langor. 

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O dia foi tranquilo. À chegada, enchi-me de sorrisos. 
Quando estamos apenas os dois, antes de sair, arrumo a casa (apesar de, quando só os dois, pouco desarrumarmos). Gosto de, ao chegar, encontrar tudo no seu sítio. Mas se a casa está cheia e saímos todos ao mesmo tempo, é impossível pôr-me com arrumações. Saio conforme a casa está, em pleno desalinho, vibrante de confusão.
Abrindo a porta e andando pela casa foi quase como se ainda cá estivessem todos, tanta a alegre desarrumação com que me ia deparando.


Pelo caminho vinha a lembrar-me das conversas do bebé, comentando-as com o meu marido, rindo-nos os dois. Por exemplo, dizia ele, no outro dia, à tia: 'Tá chormiga na cotas'. Ela riu-se: 'Ó rapaz, dessa conversa agora é que não percebi mesmo nada'. Ele encolheu levemente os ombros. Mas a mãe, que é boa intérprete, questionou-o sobre se a sua leitura estava correcta 'Está formiga nas costas?'. E ele: 'Chim...'. Achámos graça à chormiga e rimo-nos, sem atribuir grande sentido à coisa. Mas a mãe, cautelosa, fez mais que isso: por via das dúvidas, espreitou-lhe mesmo para as costas. E pimbas, caçou-a: 'E não é que tinha mesmo uma formiga nas costas?!'. Fartámo-nos de rir.

Pouco depois fui encontrá-lo a brincar com um objecto desconhecido. Perguntei: 'O que é isso?'. Ele disse, como que admirado por eu não saber: 'Uma janténa...' e só faltou dizer 'dahhh....'. Olhei para aquilo e tentei perceber o que seria uma janténa. Não percebi: 'Uma janténa?'. Ele então explicou: 'Dá uz a xenda'. Ui. Na mesma. Então a mãe que estava por perto, descodificou: 'lanterna, dá luz na tenda'. Olhei melhor. Claro. Uma lanterna nova geração, totalmente diferente das lanternas que conheço. Pouco antes tinham estado a acampar e levaram, então, a dita lanterna. Mas eu, outra geração, se visse aquilo à venda, jamais desconfiaria de que se trataria. Hoje, quando vi a nossa lanterna pré-histórica em cima da bancada da cozinha, pensei que o bebé, se a visse, se calhar nem percebia que também é uma janténa.

Enfim.


O que sei é que, hoje, à chegada, descobri um parafuso em cima de uma mesa, ao lado de uma roda, e não faço ideia de onde ele veio. A roda é simples: algum carrinho desrodado. Agora o parafuso... A ver se não cai para aí nada que aquilo devia estar a prender alguma coisa.

E achei uma pequena havaiana que fotografei e enviei sms a saber a quem pertencia. Bingo. Era uma das que estavam desaparecidas de um dos meninos. Ainda não encontrei a outra mas tem que andar por aí. Há-de aparecer.


Também foram encontradas umas calças de pijama de homem e um ursinho de peluche que dá pelo nome de Tedy. 

E também reuni, para fotografar e aqui ficar pró-memória parte dos ganhos das rifas que o grupo que cá estava a passar férias tinha ganho quando, à noite, foi à festa numa aldeia nas redondezas. Aliás, na véspera, aquando do telefonema diário, um dos meninos pediu para eu passar o telefone ao avô, que tinha uma boa notícia para lhe dar: tinham uma farda azul para ele. E depois várias vozes, no calor do entusiasmo, disseram ao mesmo tempo, a euforia na voz: 'E umas argolas para ti e um saleiro e um pano de cozinha e dois pratos e dois elásticos para o cabelo'. Quando desligaram eu e o meu marido ficámos a olhar um para o outro, admirados. Mas onde é que eles tinham andado para ganharem aquilo tudo? Pensei que devia ser coisa a fingir, de plástico para ser mais barato.


Afinal, mal chegámos, foram logo mostrar-nos aquilo tudo. E não queriam nada, tudo para nós. Só os elásticos para o cabelo que isso dava sempre jeito, o resto não, não precisavam. 

Mas é tudo engraçado, qual plástico, qual carapuça. Cerâmicas, coisas com piada. O saleiro já está em uso, tem um galo e tudo. E os pratos são bonitos. E o pano é bom, de um tecido encorpado.

Agora a farda é que é curiosa. O pano parece bom, espesso, talvez uma sarja forte. O meu marido disse: O casaco é bom para quando faço as fogueiras. Mas as calças não lhe servem nem de perto nem de longe, dá ideia que estão desirmanadas do casaco. Pode ser que se consigam abrir, pôr uns atilhos. Não sei. É assunto a estudar.


As argolas é que não sei em que circunstância as usar já que mais parecem pulseiras e que, tendo-as experimentado, ouvi dizer que ficava a parecer a Carmela Soprano (apesar de não me lembrar de a ver com algo tão exuberante). Mas, pronto, quem sabe um dia não me dá para ousar.


Ficámos todos espantados com tanto ganho. Os miúdos, então, esfuziantes. Mas, de facto, não dá para entender. Acho que gastaram quatro euros em rifas e saíu-lhes isto tudo.

Entretanto, na salinha da televisão cá estavam os livros com que devem ter estado entretidos, livros  que, tal como os brinquedos, são de várias gerações.


E, à mistura com uma pantera que não é cor de rosa mas quase, as folhas do jogo das palavras que gera sempre discussão e tentativas de batota por parte dos mais competitivos. Desta vez o maior pomo de discórdia foi que um dos meninos, na letra d, para animal, escolheu dinossauro e um outro, o mais crescido e que não gosta de perder nem a feijões, não queria aceitar como certo pois teimou que dinossauro não era animal mas 'família de animais', que, por exemplo, Tyrannosaurus rex é que seria um animal. Larga e inflamada discussão em torno do tema.


Tirando isso, este sábado, por cá, apenas a registar que mais uma big pernada de uma das maiores figueiras vergou. Já o ano passado, na mesma figueira, outra pernada tinha vergado. É o peso que é muito e talvez ela que, pela idade, já não aguente. Está agora muito mutilada.


Enquanto o meu marido andou a cerrar a pernada gigante e, para a conseguir desenlaçar das restantes, também a cerrar outras, eu andei a apanhar os figos bons dessas pernadas cortadas.

E claro que me fartei de comer. Mas desde que, em boa hora, fui aqui informada que os figos são frutos sagrados, como-os sem me sentir em estado de pecado, na verdade quase em estado de êxtase. 


E, portanto, foi um dia muito bom, sereno, quente, indolente.

A ver se este domingo me atiro ao trabalho que dentro de casa há muito que arrumar. Já fiz uma roupa de máquina que secou ao sol que foi uma maravilha mas, tirando isso e o almoço, pouco mais fiz já que até o jantar foi um pouco do muito que tinha ficado no frigorífico. Tenho também que varrer à volta da casa. Há caruma por todo o lado. No outro dia, andámos todos a varrer e, depois disso, voltei eu a varrer mas já está uma cama ruiva de dar gosto -- só que nem sempre o que dá gosto é o que deve ser e, neste caso, não pode ser.

E, por ora, é isto. 

[E é tardíssimo, uma vergonha. Não consigo entrar nos eixos e aprender a deitar-me cedo.]

Desejo-vos um belo dia de domingo

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