Não gosto de falar de desgraças quando elas estão a decorrer, não gosto de dizer mal quando a situação ainda é nebulosa demais para se saber de quem se deve, justamente, dizer mal. Não gosto de falar de mortos, nunca. Muito menos quando ainda pode haver corpos por resgatar. E custa-me falar de corpos quando pouco tempo antes eram gente inteira e não apenas corpos...
Não gosto de apontar o dedo a uma causa específica quando, à vista desarmada, se vê que as causas do que aconteceu são mais muitas, os perigos previsíveis mais do que muitos, a cegueira que deixou que não se visse o que estava à vista difícil de explicar.
Ver o ar mortificado do Presidente da Câmara de Borba impressiona-me, dá-me muita pena e, garanto-vos, mesmo muita pena. Haja ou não responsabilidade da sua parte, é um triste peso que jamais deixará de carregar. Neste momento, de forma precipitada, concluir que houve pareceres não atendidos, descentralizações provavelmente mal assimiladas, querer buscar culpados -- isso a mim nada me diz. Nada aconteceu deliberadamente. E a pequena culpa de muitos cruza-se com mil circunstâncias e, na verdade, transforma-se numa culpa difusa, inútil.
As causas são forçosamente mais profundas. Se calhar é o sistema eleitoral que temos que apela à desresponsabilização, ou os mandatos demasiado curtos, nunca ninguém tem tempo para levar a cabo medidas estruturais. E este mal geral, comum a todos nós: nunca ninguém tem tempo para pensar a sério em assuntos de fundo.
Hoje gritamos porque uma estrada caíu num temível precipício, ontem porque as florestas pegaram fogo, antes porque uma ponte ruíu.
Grita-se muito, faz-se pouco. Quem mais barulho faz é quem menos se assume como responsável do que quer que seja. Provavelmente, desses que muito se indignam nas redes sociais, poucos são os que votam, e, se votarem, poucos votarão depois de bem reflectirem. Criam-se grupos de WhatsApp, criam-se ajuntamentos no Facebook. Mas informarem-se a sério, lerem, pensarem com a sua própria cabeça está quieto.
[ilustração de Elia Colombo] |
Pelo contrário.
Este post hoje tem um único propósito: louvar, mas louvar de mãos postas, agradecida, os mergulhadores da pedreira abandonada de Borba.
Esses bravos homens mergulham naquele poço profundo, barrento, totalmente opaco, esbarram, às cegas, contra vultos, volumes, coisas que não sabem se são bocados da estrada que lá se despenhou, se são pedras, se são carros, se são os corpos desaparecidos. Arriscando a sua própria vida, provavelmente vencendo o medo, ali andam, nadando, sabe-se lá como, naquele caldo de lama, tentando conseguir o que parece impossível.
Quem se lembra de dar a conhecer estes corajosos homens? Quem se lembra de lhes agradecer?
Pois eu, aqui deste meu canto, agradeço-lhes e desejo que nada de mal lhes aconteça. E um dia que este pesadelo tenho passado e que voltem à sua vida normal, gostava que sentissem como todos nós os admiramos e como reconhecemos a sua valentia e abnegação. Seria bom que o Professor Marcelo os louvasse pois ainda bem que por cada rebanho de carneiros inúteis há uma ou duas bravas pessoas que se distinguem por fazerem qualquer coisa de útil.
E ainda com mais um "pequeno" medo de que o resto da estrada (passadeira) lhe caia em cima enquanto por lá andam.
ResponderEliminarBelo texto!
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