segunda-feira, junho 11, 2018

Se bem que, olhando com mais atenção, até parece que o Picasso foi buscar Les Demoiselles d'Avignon à La visión de San Juan


Ainda há bocado estive ali em baixo a dizer que não via puto de sensualidade ou, sequer, ponta de graça na pintura de El Greco. Tinha acabado de ler O nervo ótico no qual a María Gainza me tinha surpreendido ao referir a sensualidade escandalosa dos corpos de El Greco. Ora eu, naquela obra, só via gente mal encarada, enferma, com a pele translúcida de quem já estava mais para lá do que para cá.

Mas eu, nestas coisas, nunca acho que sou mais esperta ou perspicaz do que os outros e, portanto, humildemente, fui ver a obra do homem com outros olhos. É que se dá esta coisa curiosa: a gente parece que só presta atenção àquilo para que já está, antes, minimamente desperto. Tento sempre ter uma visão aberta, despreconceituosa, para que o meu olhar leve até ao cérebro todos os sinais que conseguir captar mas frequentemente constato que a maior parte fica pelo caminho.

Assim foi também, agora, com a atenção activada pela opinião da Maía Gainza. Olhei melhor para A visão de S. João.

O dito San Juan lá está como eu sempre os achei a todos os que são paridos pelo El Greco: cabecinha de alfinete, de cara à banda, de nariz espetado virado para o céu, branquelas, uma pele a condizer com o azul-cueca do vestidinho.

Mas depois, olhando em redor, ali estava aquilo em que não teria reparado não fora a dica da Gainza. Como se estivessem no Meco, ali estavam os outros, um despropósito de maltinha toda em pelota.


Está certo que lá estão todos, uma vez mais, de cara minguada e à banda, cabeça virada para o além. Mas é verdade: corpos nus, sensuais.

Extraio-os do conjunto para que melhor se evidenciem.

As mulheres cobrem os seios e deixam a zona púbica à vista (embora, do que se vê, a gente tenha que admitir que das duas uma: ou eram assexuadas ou, já naquela altura, faziam depilação brasileira); os homens estão todos de mãos ao ar, descaradamente em nu frontal, não tentam tapar nada (embora, verdade se diga, não sendo especialmente abonados, também não teriam muito que esconder).


Mas, ao ver os corpos, as posições, a proximidade entre eles, ocorreu-me que o sacana do Picasso, que copiava tudo o que via, às tantas não apenas foi buscar aquelas caras às máscaras africanas como a composição e os corpos ao pessoal que se juntou a presenciar as maluqueiras do S. João.


Fui ver o que diz o São Google e constatei que há por aí mais quem faça essa fofoca e mostre, como prova, o desenho a carvão dos nus de 1905 que terão servido de esboço às Meninas que veriam a luz do dia em 1907, cerca de três séculos depois da Visões de S.João do El Greco que foram inventadas em 1608. 


Mas pronto, isto para dizer que, devota de Rothko e outros que tais, continuo a não engraçar com as pinturas do El Greco mas, vá, para a próxima vou olhar com mais atenção para o que está à volta, sob, sobre, atrás ou à espreita das figurinhas principais. Pode ser que, bem disfarçadinhos (ou nem tanto), estejam os motivos mais interessantes da obra.

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Branco sobre vermelho - Mark Rothko

Amén

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