domingo, fevereiro 04, 2018

Sem título





Fui juntar um pedaço de madeira ao fogo que crepita na salamandra. A chuva cai espaçadamente lá fora. A sala está acolhedora mas, se o fogo abranda, sente-se logo como que uma aragem fresca.

Não presto atenção ao que passa na televisão. Nada que me interesse. Estive a ler. Depois entretive-me a mudar o aspecto do blog. Gosto de mudar. Em mais um dos vários assessments a que me sujeitei, sem surpresa, dei por mim a responder que o que me atrai é a mudança. Perguntam a mesma coisa de muitas maneiras diferentes mas não há volta a dar: 
Prefere o que conhece ou o que desconhece? O que desconheço. 
Prefere ambientes estáveis ou cenários de mudança? De mudança. 
Prefere trabalhar segundo regras conhecidas ou em situações em que as regras estão por definir? Por definir. 
[Muitas perguntas. Sempre respostas assim: construir, mudar, conhecer, ousar.
No fim, perguntaram-me: o que gostava de fazer? Disse: qualquer coisa de inesperado.
Como?, perguntaram-me. Respondi: qualquer coisa que me deixasse surpreendida, em que nunca tivesse pensado, que não soubesse se saberia fazer.
Construir caminhos. Desafira-me a mim própria.

Gosto muito de construir caminhos. Aqui in heaven todos os caminhos foram idealizados por mim.  Onde apenas havia mato rasteiro e pedras, eu dizia: por aqui, depois curva por aqui, depois segue, segue, segue, ali curva levemente, aqui bifurca e vai um para ali e outro para ali. Antes de eles existirem, eu imaginava-os. Agora parece que sempre ali estiveram e os meus passos seguem por eles como se eles não tivessem nascido na minha cabeça mas de dentro da terra.

Ou do velho fazer novo. Restaurar. De uma casa velha e sem graça fazer uma casa nova e luminosa. Quase todos os móveis que aqui estão têm uma idade indeterminada. Foram restaurados. Mas um não, o mais bonito de todos foi feito pelo meu pai. Imaginei-o, desenhei-o e ele deu-lhe corpo. Sobreviver-lhe-á. Sobreviver-me-á. 

O fruto dos meus sonho é menos efémero que eu. Mesmo estas palavras. Sobreviver-me-ão. As minhas fotografias também. Quase tudo me sobreviverá. Talvez alguém, um dia, vendo uma fotografia minha, diga: esta foi a minha trisavó; foi ela que imaginou estes caminhos, que plantou estas árvores, que aqui mandou fazer estes bancos. E escrevia muito, ela. Palavras soltas.

Somos efémeras e vulneráveis criaturas. E nem sempre nos lembramos disso. Se nos lembrássemos aspiraríamos com prazer o ar que respiramos, sorriríamos à passagem do vento, colheríamos com alegria todas as gotas de chuva, abençoaríamos os raios de sol. E viveríamos cada instante com o prazer de quem não sabe quantos mais terá. Sem pecado e com inocência. Os frutos, os amores, os sonhos, os reflexos de luz, os laços, os infinitos nadas.

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E queiram descer, para seguirem pelos meus caminhos aqui, in heaven

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