O endereço continha nome próprio, apelido e um número que, naquele contexto, deveria ser o ano de nascimento. Nunca tinha recebido nenhum mail daquele endereço, pelo menos que me lembrasse.
Tinha chegado a casa pouco antes, vinda de um dia no campo. Tranquila. Longe de notícias. Mais do que a fotografar, a ser fotografada. Passei as fotografias para o computador. Numa delas vi uma imagem que não percebi, talvez um vulto. Ampliei. Sem definição, o vulto esbateu-se mais. Talvez apenas uma sombra de árvore. Esqueci.
Escolhi uma música, pus-me a ouvir. Fechei os olhos, deixei-me ir por uns momentos.
Depois, quando a música acabou e fui escolher outra, lembrei-me de ver os mails pois tinha a ideia que um amigo me tinha recomendado de uma forma quase convincente uma cantora cujo nome não fixei. É a que talvez estejam a ouvir agora.
Foi então que vi aquele mail.
Ao ver o endereço, quase uma certidão de nascimento, pensei: só falta pôr a fotografia. Mas não faltava. Quando abri, lá estava, de facto, a fotografia. Antes de ler o que ele tinha escrito, pus-me a observar a imagem daquele homem que assim se me mostrava de nome completo, idade e fotografia. Fiz as contas. Cinquenta e sete anos. O ângulo não deixava ver bem o rosto pois tinha um livro em frente, como se estivesse a lê-lo quase à altura do rosto
O texto, contudo, era misterioso. Li-o, ao princípio, com surpresa, depois com alguma inquietação.
Estimada Amiga,
Todos os dias me levanto quase a correr para ler o que escreveu durante a noite. As minhas manhãs são sempre felizes porque acordo com as suas palavras. A sua alegria contagia-me, o seu humor diverte-me, a sua energia renova-me. Sabe disso. Se as suas palavras me parecem mais soturnas, logo me preocupo, tenho vontade de a procurar de imediato para saber se está bem. Na segunda-feira ver-nos-emos e teremos que fingir desinteresse. Se soubesse o que me custa. Se soubesse...?, pergunto. Mas sabe, sabe certamente. Assim como sabe que eu mal sobrevivo às suas conversas animadas com outros, em especial com aquele que bem sabe que não tolero. Mas é assim a nossa história, bem sei que pouco ou nada podemos fazer de diferente, e também bem sei que não quer que eu insista. Aos poucos, espero aprender a viver com o que sinto, e manter esse sentimento bem fechado dentro de mim. Talvez nessa altura eu consiga olhá-la sem que se zangue comigo, dizendo-me que olhá-la assim a faz sentir nua. Estimada Amiga. Arranje maneira de pousar em mim o seu doce olhar. Peço-lhe. Arranje maneira de me sorrir. Morro quando vejo que derrama sorrisos sobre os outros e nunca sobre mim. Na segunda-feira passarei perto si, aspirarei o seu perfume, ouvirei as suas palavras e farei de conta que o nosso amor não existe. E sofrerei porque queria cair a seus pés. Receba o meu amor e os meus beijos que serão sempre seus.E assinava.
A seguir, num post scriptum, escrevia 'Tarde demais' e juntava o link para um vídeo. Este que aqui vos mostro.
Fiquei atónita. Quem era?
Fui ao google. Ainda mais atónita fiquei. Fiquei sem saber o que fazer.
Que sentido o daquelas palavras? Que loucura aquela...?
Como responder? Ou não responder? Mostrar-me indiferente a tão bela declaração de amor? Temer o significado de tudo aquilo?
Abri o mail de resposta vezes sem conta. Escrevia e apagava. Nada me parecia no tom adequado. Por fim, foi isto que seguiu:
Fui ao google. Ainda mais atónita fiquei. Fiquei sem saber o que fazer.
Que sentido o daquelas palavras? Que loucura aquela...?
Como responder? Ou não responder? Mostrar-me indiferente a tão bela declaração de amor? Temer o significado de tudo aquilo?
Abri o mail de resposta vezes sem conta. Escrevia e apagava. Nada me parecia no tom adequado. Por fim, foi isto que seguiu:
Meu Caro Senhor,
Li com atenção o que escreveu mas lamento informá-lo que, para além de agradáveis de ler, as suas palavras são, para mim, desprovidas de sentido. Por isso, queira considerar a hipótese de não voltar a escrever-me.
Cumprimentos, UJM
Espero que não me responda. Tenho medo de situações estranhas. Medo e, ao mesmo tempo, uma inconfessável atracção. Contudo, uma atracção mais literária, digamos assim, do que real.
E agora, antes de aqui vos relatar o sucedido, também hesitei, aquele mail parece referir-se a sentimentos tão íntimos... Mas achei isto tão extraordinário que acho que seria uma pena se o asssunto ficasse só comigo. E, de resto, não revelando o nome do meu admirador secreto que, pelos vistos, me conhece na vida real, também não estou a cometer nenhuma inconfidência de maior.
.....
Além disso, quem vos diz, meus Caros Leitores, de que isto que escrevi é verdade?
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[Caso queiram saber como é a primavera in heaven, as glicínias escandalosamente floridas, queiram, por favor descer até ao post que se segue]
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Ahahahahah. Grande parvalhona. Ridículo.
ResponderEliminarMas não sabendo quem envia o email como saber que ele não se enganou na destinatária?
ResponderEliminar(não sabendo de todo e ele não se tendo enganado é um bocadinho assustador)
Olá redonda,
ResponderEliminarBingo. Acertou. Foi isso mesmo: engano. Aliás, acabei de escrever um post de continuação onde esclareço o que se passou.
Uma bom resto de domingo, redonda!
Olá Anónima de sempre,
ResponderEliminarUma vez mais, 'ao lado'... Tem que ver isso. Precipita-se sempre nas conclusões e, como não gosta de mim, acaba sempre por tomar a nuvem por Juno, não é?
Convido-a a ler o post que escrevi a seguir a este para ver quem é aqui a "grande parvalhona". Ponha os olhos na Leitora redonda que soube perceber o que se tinha passado.
Mas, pronto, como sou boazinha deixe que lhe diga: acontece. Por isso, não fique a sentir-se "ridícula".
Mas deixe, antes, que lhe pergunte: porque é que insiste em vir aqui ler o que eu escrevo? Não encontra no vasto mundo virtual matéria que lhe agrade mais do que estas fracas linhas que para aqui vou alinhavando? Enerva-se à toa, já viu?
Contudo, saiba que do meu lado, nada contra a sua presença. Por mim, venha sempre.
Uma boa noite para si, Cara Anónima!
Uma historia para ser boa, não tem que ser verdadeira, mas, sendo, lá que agita a curiosidade, agita. Continue gosto da sua escrita.
ResponderEliminarÉ um amor. Que não lhe convém. Mas como até nem a tem como objecto e foi engano, acho apenas que merece respeito. Todo o amor que é amor é respeitável. Pode crer.
ResponderEliminarOlá Pôr do Sol,
ResponderEliminarA realidade ultrapassa frequentemente a ficção. Por vezes uma pessoa tem que moderar no relato da realidade para não passar por ficção.
Um abraço para si e para os seus, em especial para uma certa princesinha.
E dias felizes Sol Nascente!
Olá bea,
ResponderEliminarConcordo completamente consigo. Acredite: achei aquele mail tocante, de um amor muito digno. Totalmente merecedor de respeito. Penso que quem tem a sorte de viver um amor assim guarda um precioso tesouro dentro de si. E passe o tempo que passar e seja qual for o desfecho, a memória desse amor fará com que tenha valido a pena.
E não sei se é por eu ser uma romântica mas a verdade é que gosto de ver os outros apaixonados.
Dias felizes par si, bea.