sexta-feira, julho 15, 2016

Nice


Conheço o local. Estive lá não há muito tempo. Ficámos num dos hotéis do lugar, atravessávamos a rua e estávamos na praia.

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Não estou em casa. O jantar atrasou-se, uns atrasaram-se no voo, esperámos uns pelos outros, depois o jantar estava animado, histórias, graças, aventuras das longas negociações num outro país, cada um com sua coisa para contar, boa comida, boa bebida, o tempo foi andando. Era quase meia-noite quando saímos do restaurante, um forte cheiro a maresia, o mar ali do outro lado da rua. Não o suave aroma do Mediterrâneo mas o intenso perfume dos mares do norte.

Antes de ter saído para jantar já tinha falado com o meu marido mas, ali, ao sair, apeteceu-me ver o telemóvel não fosse ele ter ligado. E vi duas mensagens dele. Estávamos já no passeio quando li: atentado em Nice, mais de 70 mortos. Juntámo-nos em volta do meu telemóvel, lendo em silêncio a mensagem. Depois de um jantar tão animado e quando uns estavam a desafiar os outros para ir curtir a night, uma notícia destas.


Parece que uma pessoa fica sem palavras, parece que sentimos que não vale a pena ter medo porque o horror pode estar ao virar de cada esquina mas parece que sentimos que há demónios à solta e que esses demónios já não seguem qualquer lógica, é o mal pelo mal. Parece que uma perplexidade dormente se abate sobre nós.

Eu e mais quatro ou cinco viemos para o hotel, dois ou três foram mesmo para os copos, celebrar o facto de estarem vivos.

Agora estou a ver a televisão e uma pessoa que estava lá, penso que um emigrante, conta que camião avançou sobre a multidão e que as pessoas voavam como moscas, mortas.

Uma coisa terrível. E agora conta que alguém abriu a porta do camião para tentar tirar de lá o motorista e que o motorista não devia estar armado porque não disparou, empurrou o outro. E que depois ouviram-se os tiros e o mataram.

Vejo as imagens na televisão. Aquele passeio por onde passeei também no verão, talvez justamente por estas alturas, agora de noite, cheio de gente a correr, e agora corpos espalhados e agora corpos cobertos por lençóis brancos. 

A França, país de que tanto gosto, tão martirizada tem sido. E agora chegou o sangue ao sul, como se aqueles campos de alfazema do sul por onde é tão bom passear, aquele mar tão bom das quentes noites de verão se tivesse manchado de medo e sangue.

Ouço agora dizer que o camião avançou quase 2 kms numa zona que supostamente estava interdita ao trânsito (como foi isso possível?), e que as pessoas saltavam e caíam à frente como se fossem bolas no bowling.

Parece que ainda nenhum movimento reivindicou  a autoria e até se pode admitir que isto seja algum maluco, que isto, quanto mais se publicita estas barbaridades, mais outros malucos se inspiram. 

Agora já passa das duas da manhã e vejo, na televisão, o filme dos acontecimentos. Tenebroso. La Promenade des Anglais pejada de mortos. A esta hora 78 mortos, 100 feridos. Tenebroso.

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E nada mais quero dizer. Isto deixa-me desconsolada. Nem assustada nem atormentada. Desconsolada. O género humano na sua face monstruosa, auto-destrutiva.

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Tenho que me levantar muito cedo, o meu dia recomeça não pela madrugada mas quase e vai ser uma reunião contínua até ao fim da tarde. Depois são ainda umas horas até regressar a casa. 

Uma vez mais não consigo responder nem a comentários nem a mails. Desculpem-me.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira.

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1 comentário:

  1. É um tempo de roleta russa. Como e o que pensa quem se decide a este horror?|

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