Sou admiradora profunda, se é que faz sentido dizer assim, do realizador Cine Povero. Conheço a sua obra há pouco tempo mas, desde que a conheço, a ela regresso de quando em vez. A forma como entretece as justas imagens, a oportunidade e beleza das palavras, a sensibilidade da música, a subtileza do movimento, e, não menos importante, um certo silêncio que envolve os seus filmes, atrai-me.
Fico, pois, contente quando sei que nasceu mais um. É o caso: há um vídeo novo!
Dada a música que percorre o filme ser vedada a transmissão através de alguns meios entre os quais os blogues, não o posso ter aqui. Mas, no final vou colocar o link para que o possam ver no Youtube.
É construído sobre o poema Morte ao meio-dia de Ruy Belo dito por por Mário Viegas, um poema cujas palavras parece que foram escritas antes do tempo, parece que agora é que são verdadeiramente actuais ('O português paga calado cada prestação', por exemplo).
Dada a música que percorre o filme ser vedada a transmissão através de alguns meios entre os quais os blogues, não o posso ter aqui. Mas, no final vou colocar o link para que o possam ver no Youtube.
Este filme é um momento de beleza e, ao mesmo tempo, um apelo. Valemos alguma coisa se, à nossa volta, aos outros também for dado valor.
Permito-me transcrever o texto que o apresenta (e as fotografias pertencem também ao filme):
Permito-me transcrever o texto que o apresenta (e as fotografias pertencem também ao filme):
Dito por Mário Viegas in «Humores», Disco 2, lado A (1980). Mário Viegas recita aqui a versão definitiva do poema, publicada no Vol. I da «Obra Poética de Ruy Belo» (1972), onde foi interpolada a estrofe iniciada por "O português paga calado cada prestação".
Música: Max Richter, "What had they done?" in «Waltz with Bashir. OST» (2008).
Em diversas línguas europeias a palavra "meio-dia" permite também designar o Sul geográfico. Tal foi o ponto de partida deste vídeo.
A frase de abertura é retirada de «A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer», da autoria do escritor sueco Stig Dagerman (1923-1954).
Eis a frase no seu contexto: "E enquanto me for possível empurrar as palavras contra a força do mundo, esse poder será tremendo, pois quem constrói prisões expressa-se sempre pior do que quem se bate pela liberdade" (p. 23 da edição portuguesa de 1989).
O graffiti final é uma variação da frase do poeta austríaco Erich Fried (1921-1988), refugiado em Inglaterra após a anexação do seu país pelos nazis: "Aquele que deseja que o mundo permaneça tal como está, não quer de facto que ele permaneça".
Na versão original não figura o enfático "at all" do graffiti: "Wer will, daß die Welt so bleibt, wie sie ist, der will nicht, dass sie bleibt."
Na versão original não figura o enfático "at all" do graffiti: "Wer will, daß die Welt so bleibt, wie sie ist, der will nicht, dass sie bleibt."
POEMA:
No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul
Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente tem saúde e assistência cala-se mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol
O português paga calado cada prestação
Para banhos de sol nem casa se precisa
E cai-nos sobre os ombros quer a arma quer a sisa
e o colégio do ódio é a patriótica organização
Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer
///\\\
O filme pode ser visto aqui e peço-vos que não deixem de o ver.
É uma maravilha (como aliás são sempre os filmes do CINE POVERO)
Notáveis: O poste, o video e o poema.
ResponderEliminarJrd,
ResponderEliminarO Cine Povero traz-nos sempre filmes que são uma maravilha: a forma como tudo se conjuga e o que ele escolhe... Identifico-me sempre muito.