Música, por favor
Omara Portuondo com Maria Bethânia - Tal Vez
Há uma hora ou mais que dava voltas na cama, desperto. Tentava dormir mas não conseguia. (...) Fazia calor e havia mosquitos e eu suava. Levantei-me. Olhei pela janela. (...)
Caminho até à rua, viro à esquerda e desço meia dúzia de metros, em direcção à praia. A noite está escura, com muitas estrelas e brisa, mas o mar mal se mexe. A uns cem metros um casal acaricia-se. Ou dão uma trepa. As suas figuras recortam-se contra o brilho das poucas luzes. Caminho à beira-mar, com os pés dentro de água. Aqui ao menos não há mosquitos. Sinto a água morna. Gostava que estivesse fria.
(...)
Não queria regressar. Mas continuei a caminhar muito devagar, em direcção a casa.
Um carro avançava pela rua. Parou no fundo da rua, onde o asfalto termina e começa a areia. Desceu um tipo magro e muito branco. Parecia estrangeiro. E uma mulata alta e bonita, com um longo vestido vermelho, que lhe deixava ver os ombros e as costas perfeitas. Cruzaram-se comigo, mas não me olharam. Estavam muito concentrados um no outro. Beijavam-se com chupões. Acariciavam-se e pareciam um pouco bêbados. Ou um pouco pedrados com pó, talvez. A mulata era belíssima. Voltei-me para trás. Entraram na água sem tirar a roupa. O vestido vermelho flutuava e parecia uma flor estranha e gigantesca. 'Quem será este tipo', pensei. Se calhar nem sequer sabia dar uma trepa na água. Bom, a mulata ensinava-lhe, de certeza. Então apercebi-me de que amanhecia. Já se via bastante. Continuavam abraçados dentro de água, a beijarem-se. E o vestido vermelho brilhava a flutuar, e a mulata começou a cantar e a dançar. Eram felizes. Demasiado bonito. Fui-me embora. Eu não podia estar ali, a destruir aquele momento com a minha estúpida morbidez.
Cheguei a casa e sentei-me à entrada, numa cadeira de ferro muito incómoda. Não havia outra. Pus-me a olhar para a velha casa de madeira. Estava escorada do lado esquerdo, sem pintura, a maior parte apodrecida e remendada às três pancadas, rodeada de mato e de uma cerca espatifada. Sobre a porta conservava um vidro martelado, com o ano da construção: 1925. A modernidade asfixiava-a pouco a pouco: os chalets bem cuidados, o café vinte e quatro horas, telefones para credifone. Pareceu-me que lhe faltava pouco para naufragar, desmantelar-se definitivamente, e fazer-se em pedaços. Nela sobrevivia, sabe-se lá como, uma velha tão suja e arruinada como a casa.
Entrevista ao escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez
Conhecemo-nos numa camioneta. Um sentado ao lado do outro durante hora e meia. Os dois a transpirar sexo por todos os poros, como se nos farejássemos um ao outro. Anisia com dezanove anos e eu com quarenta e cinco. É uma mulata delgada, fibrosa, com tudo bem medido, linda, com olhos alegres, como uma fonte de chispas. Dissemos uma coisa qualquer. Havia uma boa corrente entre nós. Trocámos telefones e adeuzinho e eu cheguei. Segues? Sim, sigo. Bom, logo nos havemos de ver. Eu telefono.
Está aqui agora. Depois de muitas chamadas. Eu sem estar em casa. Finalmente, falámos e veio ao meu quarto no terraço. Chega a transpirar, sem fôlego. Essa escada, nove andares, é uma provação. Chamam-me outra vez ao telefone. A velha do oitavo andar grita por mim. Por cada telefonema, cobra-me um peso. Tenho de me controlar porque a este ritmo poderia comprar a companhia dos telefones. Desço.
(...)
Subi, e ali, estava Anisia, sentada no chão, a ver uma revista pornográfica que encontrara no meio dos papéis. Sentei-me a seu lado:
- Ouve lá, andaste a mexer nos meus papéis?
- Não mexi nos teus papéis. A revista estava saída e puxei-a. Ai querido, estou com água na boca. Olha para isto.
Folheava umas fotografias a cores, de página inteira (...)
A expressão dela de menina diabólica punha-me doido. Estendi a mão. Desabotei a blusa. Não tinha soutien, mas escorriam-lhe gotas de suor pelo peito. As mamas eram lindíssimas. Pequenas, escuras, duras, com uns bicos redondes, de púbere. Beijei-as, chupei-as. Ela deixou, agradada.
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Não é bolero mas são os sons e o ambiente de Cuba
Na minha cabeça soavam passagens daquele bolero da minha infância, e cantei-as baixinho, quase ao ouvido:
Si negaras mi presencia
en tu vivir,
bastaria con abrazarte
y conversar
tanta vida yo te di
que por fuerza llevas ya
sabor a mi
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O primeiro excerto pertence a 'Come back from the night' do livro 'Carne de Cão'. O segundo pertence a 'Muito ruído à volta' e o terceiro a ´'Sabor a mí', ambos de livro 'Trilogia suja de Havana'. O autor é Pedro Juan Gutiérrez, cubano nascido em 1950.
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E tenham, meus Caros leitores, um dia feliz (apesar de caliente). Uma boa segunda feira!
Olá Jeitinho Manso,
ResponderEliminarObrigada por este "regresso" a Cuba.
Creio que, de olhos vendados e se por qualquer arte, me depositassem em Cuba, reconhecê-la-ía de imediato. Nunca lá estive a não ser por relatos de amigos, artesanato, livros, filmes, musica, mas quase lhe adivinho os odores. É dos poucos países para além de alguns europeus que me suscita curiosidade, a sua historia, o seu povo.
Um dia hei-de lá ir.
(E hoje era o dia).
Um beijinho e vá aventurando-se devagar
Isto hoje por aqui está mesmo caliente; o novo visual. os textos, a voz da Maria Bethânia (que gosto muito de ouvir)... Gostei muito do post.
ResponderEliminarAchei interessante a entrevista. Nunca li nada do escritor. Tanta coisa boa que me falta ainda ler!
Um beijinho e a continuação das melhoras.
Olá Pôr do Sol,
ResponderEliminarNunca fui a Cuba mas, a partir do que tenho ouvido a quem lá fui ou a partir do que tenho lido, penso que deve ser como se houvesse duas Cubas, a do turismo e a genuína, feita de uma aculturação e de uma habituação às circunstâncias económicas e políticas e de um temperamento solto, alegre, vivo.
A alegria dos cubanos, a sensualidade e o instinto de sobrevivência parecem-me extraordinários.
Ontem, à noite, o calor que estava fez-me trazer à memória a literatura cubana, nomeadamente a de Pedro Juan, a música de Omara. Apeteceu-me trazer para aqui o calor e o ambiente que imagino que sejam os de Cuba.
Quando lá for, depois conte-me se é assim, está bem?
E cá vou, nas minhas aventuras (devagarinho, devagarinho)...
Muito obrigada pelas suas palavras e um beijinho, Sol Nascente!
Olá Isabel,
ResponderEliminarTenho saudades de estar perto das minhas videiras, que já devem estar com uns bagos de uva bem grandinhos. Isso, o calor, a vontade de estar à fresca, face a este caloraço, deu neste novo visual.
E calor e estas noites quentes fazem lembrar as quentes noites cubanas que imagino a partir especialmente dos livros de Pedro Juan. Os primeiros livros dele publicados em Portugal reflectem muito bem este ambiente. Há passagens que são um pouco hardcore mas é a forma como ele fala e escreve, já que muito do que ele escreve é autobiográfico.
Achei graça ao que disse, que ainda lhe falta tanto para ler... Também eu penso sempre isso, sabendo que nunca ninguém no mundo vai conseguir ler tudo o que de bom há para ler. Se há sonhos inantigíveis, este é seguramente um deles.
Um beijinho Isabel, menina da varanda cor-de-rosa!
"Menina da varanda cor-de-rosa." - que giro!
ResponderEliminarVou tentar arranjar algum livro dele, mas tenho que me conter, porque não posso comprar tudo o que tenho vontade. Quem me dera!
Eu acho que a verdadeira essência de um país não se conhece nos circuitos turísticos, claro, mas no contacto com as pessoas e locais que não fazem parte desses circuitos.
Um beijinho
Isabel,
ResponderEliminarAcho as cores da sua casa de infância mesmo bonitas. Acho que uma parte da sua maneira de ser deve ter a ver com a sua infância passada numa casa tão delicadamente colorida.
Um beijinho.