terça-feira, julho 31, 2012

Eu e o jovem assessor - uma brincadeirinha inocente de sedução. E Julianne Moore e a dupla Mert and Marcus ao som da sedutora Melody Gardot.


Because (if you please)

Melody Gardot


*



És petulante, ousado. E, apesar de nem o suspeitares, infantil. Mas está bem, faço-te a vontade. Gostas de te despir para a máquina, gostas de humedecer os lábios e olhar, com esses imberbes olhos azuis, não a mim que te fotografo mas a máquina que te capta.

Enquanto te preparas, por brincadeira, pergunto-te o queres ser quando fores grande. Não percebes a piada e respondes-me que grande já és e que já fazes o queres fazer. Podia continuar a brincar contigo que isso de seres assessor e logo no lugar que é, só pode ser piada. Mas, enfim, sempre tiveste uma certa graça a dizer piadas quase inconvenientes e há gente que gosta de recrutar assessores na blogosfera mesmo que não saibam grande coisa de coisa nenhuma.

Movo-me em volta do teu corpo, entrego-te umas luvas negras, peço-te uma pose sedutora e tu obedeces, bom menino, e peço-te um olhar ainda mais sedutor e tu fazes de conta que percebes do que falo e eu faço de conta que sedução é isso, um olhar transversal, uns lábios molhados e abertos, um corpo hidratado. Passo por ti, despenteio-te, peço uma cara de mau que assim, com essa carinha fofa, ficas muito menino. E tu, crédulo, ainda tão inocente, fazes um ar ameaçador para a máquina, uma mão no cabelo, outra no rosto. Finjo que foste convincente.

Depois pedes-me para ver. Passo as fotografias para o computador e mostro-te. Ficas contente. Com esse corpinho sem uma gordurinha a mais, com esse cabelo todo negro ainda, com esses olhos tão límpidos, pensas que és sexy. E eu não te desiludo. Tens tempo para decepções, ainda és tão novinho. E, de resto, com essa idade, poderias lá tu saber o que é sedução, poderias lá tu saber como agradar a uma mulher como eu?

Vejo-te sorrir, contente com a tua imagem, e pergunto-te se queres um gelado. As crianças adoram gelados, especialmente quando acham que se portaram bem.

Portanto, claro que dizes que sim e eu peço-te para ires ao frigorífico e para prepares uma taça para ti e outra para mim.

Digo-te que me vou refrescar e que tragas para a sala o gelado e uma garrafa de água fresca.

Quando regressas, pobre jovem, ficas estupefacto. Mas eu explico-te que gosto muito de animais e peço que pegues na máquina, quem sabe não descobres que gostas mais de fotografar do que de ser modelo?

Estás atrapalhado mas a insegurança da juventude leva-te a recear dizer que não ao que quer que seja. Pegas a medo na máquina, aponta-la a medo para mim, aproximas-te a medo de mim.

Chega-te mais, a leoazinha não morde. Olhas sem rir, não percebes a que leoa me refiro. Aproximas-te um pouco e eu rosno baixinho. Assustas-te, não sabes se fui eu se foi algum dos pequenos animais. Disfarçadamente afastas-te. 





Será que a uma mala tão grande, as tias também chamam carteira?

Não respondes. Continuo aqui é onde trago a bolsa com os batons, os documentos e os biberons dos gémeos. Queres que te mostre? Mas, assustado, com medo que afaste a carteira de mim e que a máquina descubra aquilo que receias ver, quase dás um grito Não!, deixa estar, não é preciso!

Olho-te então nos olhos e deixo que fixes a imagem de uma mulher que um dia, quando fores grande, verás com outros olhos.

A seguir peço-te que me tragas o gelado antes que derreta. Aproximas-te a medo, os gémeos assustam-te quase tanto quanto eu. Pego neles, levanto-me e coloco-os no parque com alguns brinquedos. Tu finges que estás muito ocupado a comer o teu gelado. Mas quando saio na sala quase roçando em ti, percebo que a tua respiração mal disfarça a agitação que começa a tomar conta do teu corpinho de assessor pouco escolado.

Regresso e, ao veres-me, abres muito os olhos. Espantado, bebé?, pergunto-te, inocente.




Não gostas de passarinhos? pergunto-te. Que sim, que gostas mas que estes são estranhos. Explico: São catatuas. São gémeas. E são umas malcriadonas.


Estás parado à minha frente, não falas, não fotografas, estás de colher na mão e nem reparas que já não há mais gelado. Rio-me: Então, pega na máquina, capta o momento, dá-me instruções, diz como queres que me ponha para parecer sedutora.


Mas tu não percebes. Não percebes que não preciso de instruções. Não percebes. Nem dizes nada.

E, então, uma das catatuas diz-te, como se estivesse a querer ensinar-te, mas fala num tom arrastado, quase indecente: Diz-lhe para desviar o cabelo... 

E a outra, com voz de tiazona, como se quisesse partilhar contigo toda a escola de uma experiente MILF, apontando com o bico para mim, remata: Diz-lhe que a carteira está a mais....

Podia ter-me desatado a rir com a malandrice daquelas duas mas não, conservo-me ingénua, púdica, boca em biquinho, sentindo, com gosto, a carícia que o cabelo faz nas minhas costas nuas, num dos seios. E finjo que me zango com elas: Caladas, suas malucas, acham que ia destapar-me sem o menino me pedir...?!


*

Já agora e porque as fotografias acima são, uma vez mais, da dupla Mert and Marcus (e escuso de vos apresentar a Julianne Moore, não escuso?), convido-vos a ver um filme delicioso relativo ao making of relativo à campanha da DSquared2 levada a cabo por eles. A roupa e o calçado desta marca parece-me ter piada mas sou cliente é da Eau de Toilette, Wood (She), a única fragância que me faz trair os perfumes Chanel. É daqueles filmes que não dá para incluir aqui mas que pode ser visto no Youtube, clicando AQUI.

*

E, para o caso de ainda vos apetecer permanecer na minha companhia por um pouco mais, gostaria muito de vos ter também lá no meu Ginjal e Lisboa. Ao som ainda de Jordi Savall, as minhas palavras hoje vêm da alma para contemplarem o deserto em volta das palavras de Luís Veiga Leitão.

*

Não vos maço mais, por hoje. Divirtam-se, está bem? E, de caminho, tenham uma bela terça feira!

segunda-feira, julho 30, 2012

Sobre o amor: a grande música, a voz dos poetas, a imagem dos fotógrafos, os corpos em movimento


Que amor não me engane, por favor

José Afonso





                                                                  Cuidado. O amor
                                                                  é um pequeno animal
                                                                  desprevenido, uma teia
                                                                  que se desfia
                                                                  pouco a pouco. Guardo
                                                                  silêncio
                                                                  para que possam ouvi-lo
                                                                  desfazer-se.






                                                         Senão todos algum
                                                         de nós reproduz diversos os mesmos lugares.
                                                         E aquela que entra no verso para o
                                                                                                                  percorrer
                                                         atrás da tua sombra serei eu.






                                                        Esta noite sonhei oferecer-te o anel de Saturno
                                                        e quase ia morrendo com o receio de que ele não
                                                                                                          te coubesse no dedo.






                                                                Adormeço sempre com o teu mamilo
                                                                entre os dedos da minha mão
                                                                E o meu sono é tranquilo
                                                                como o das rosas





                                             Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

                                             Mal de te amar neste lugar de imperfeição
                                             onde tudo nos quebra e emudece
                                             onde tudo nos mente e nos separa





                                              Que nenhuma estrela queime o teu perfil
                                              que nenhum deus se lebre do teu nome
                                              que nem o vento passe onde tu passes.

                                              Para ti eu criarei um dia puro
                                              livre como o vento e repetido
                                              como o florir das ondas ordenadas.


*

A grande dança sobre a grande música
Jirí Kilián coreografa a música de Mozart: Petite Morte (leia-se: orgasmo)

Nederlands Dans Theatre


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Os poemas são respectivamente de Casimiro de Brito (sem título), Fiama Hasse Pais Brandão (com o título: Poetas de Amor), Jorge de Sousa Braga (com o título, respectivamente: Poema de Amor e Sono de Primavera) e Sophia de Mello Breyner Andresen (ambos sem título).

As fotografias são todas da talentosa dupla de fotógrafos Mert and Marcus, ambos nascidos em 1971. O primeiro chama-se Mert Alas e nasceu na Turquia e o segundo chama-se Marcus Piggott e nasceu no País de Gales. São dos mais conceituados fotógrafos de moda da actualidade, com presenças nas grandes revistas de moda e trabalhando para as grandes marcas. Reconhecem a influência de Guy Bourdin, fotógrafo cujos trabalhos já foram mostrados aqui, por várias vezes. A mulher retratada nas duas últimas fotografias é Kate Moss, musa inspiradora de todos os artistas de quem se fala neste género de fotografia.

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E esperando que os meus Caros Leitores amem e sejam amados ou estejam em vias disso, desejo uma bela semana a começar já por esta segunda feira.
 Peace and love.

domingo, julho 29, 2012

A lua que, aqui in heaven, aparece branca e suave quando o céu ainda está azul diurno; as minhas pedras que guardam este templo e os meus livros em férias


Para vos acompanhar na leitura do texto, música, por favor

Dead Combo e Camané - Ouvi o texto muito ao longe

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Um sábado tranquilíssimo. Sono solto, calor, descanso, leituras, telefonemas, fotografias, culinária (dia de choquinhos cozidos com tinta para o almoço), pequenos passos em volta já que o repouso teve que voltar. É isto o lazer. O verão no campo. 



Hoje de tarde, a lua num céu límpido e, à direita, a minha grande e protectora azinheira


E há a lua que se desenha num céu límpido ainda a noite vem longe. A lua em quarto crescente, boa para nascerem crianças. Quando os meus filhos estavam para nascer eu olhava a lua e, de noite, quando estava lua cheia, levantava a roupa para que o luar os iluminasse, gostava de sentir o luar na minha barriga enorme. Nasceram também no verão, estava muito calor e eu estava muito feliz, adorei estar grávida, adorava senti-los dentro de mim. Durante muito tempo senti saudades desses movimentos largos de quando eles já eram grande e se ajeitavam dentro de mim. Ainda sinto, mas são umas saudades de uma realidade já longínqua. 

Para além desta lua branca, esboçada num céu muito azul, há também as cigarras, os pássaros vagarosos, as lagartixas que se escondem, e há as sombras sobre os muros, e o cheiro de um dia quente, e um cão que ladra lá bem ao longe. 

E há as minhas pedras que eu olho como se fossem habitantes deste local, habitantes com tantos direitos como eu, seres de outros tempos.



As minhas amadas pedras que saíram do interior da terra. Estão trabalhadas pelo tempo.
Olho-as como animais ou seres do início dos tempos, guardiãs deste lugar sagrado


Hoje, de tarde, resolvi juntar os livros que reservei para estas férias, os que ainda tenho para ler ou para completar ou consultar, colocá-los sobre uma pedra para vos mostrar. (E depois vou transcrever, ao acaso, uma pequena passagem de cada um, para vos transmitir um 'cheirinho').



As minhas leituras em férias, aqui sobre uma das grandes pedras assentes no chão cheio de folhas


Reparei que me esqueci de juntar o 'A menina é filha de quem?' da Rita Ferro mas talvez seja porque já o li ou, se não é por isso, que venha o Freud e explique.

Passo então a dizer quais são:


> 'Memória breve de Ferreira de Castro' de Papiniano Carlos, editora Húmus


E assim Zéquinha foi forçado a rumar para o interior da Amazónia.

Aqui no Seringal Paraíso, na margem do rio Madeira, consumiu a adolescência em duros trabalhos, miséria, imensa fome, abjecta escravidão. E ainda um medo medonho das flechas envenenadas, mortais, dos índios Parintintins.

Aqui passou, suportou, três anos que jamais esqueceria.

E regressou a Belém do Pará, onde foi empregado de armazém, colador de cartazes, moço de bordo num barco de cabotagem.

*

> 'A praia' de Cesare Pavese, editora Ulisseia, tradução do italiano por Ana Tomás


Mirei-o pelo canto do olho, com má vontade e curiosidade. Berti é daqueles que vão à escola porque os mandam e, quando falamos observam a nossa boca com olhos intumescidos e entediados. Naquele momento, nu e bronzeado, abraçava os joelhos e sorria, inquieto. Veio-me à cabeça a possibilidade de serem, porventura, estes os rapazes mais perspicazes.

*

> 'O retorno' de Dulce Maria Cardoso, editora Tinta da China


O avião é um bocadinho antes da meia-noite mas temos de ir mais cedo. O tio Zé vai levar-nos ao aeroporto. O pai vai lá ter depois. Depois de matar a Pirata e de deitar fogo à casa e aos camiões. Não acredito que o pai mate a Pirata. Também não acredito que o pai deite fogo à casa e aos camiões. Acho que ele diz isso para não pensarmos que eles se ficam a rir. Eles são os pretos.

*

> 'Caderno de memórias coloniais' de Isabela Figueiredo, editora Angelus Novus


Manuel deixou o seu coração em África. Também conheço quem lá tenha deixado dois automóveis ligeiros, um veículo todo-o-terreno, uma carrinha de carga, mais uma camioneta, duas vivendas, três machambas, bem como a conta no Banco Nacional Ultramarino, já convertida em meticais.

Quem é que não foi deixando os seus múltiplos corações algures? Eu há muitos anos que o substituí pela aorta.

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> 'A submissa' de Fiódor Dostoievski, editora Arbor Litterae, tradução do russo António Pescada


Sim, aquele rosto meigo tornava-se cada vez mais insolente. Acreditem, eu tornava-me repugnante para ela, isso estudei-o bem. Mas que ela tinha arrebatamentos que a faziam sair de si, disso não havia dúvida. Como era possível, por exemplo, saída de tanta lama e tanta miséria, depois de ter andado a lavar o chão, começar de súbito a troçar da nossa pobreza? Compreendam: não havia pobreza, havia economia, mas naquilo que era preciso até havia luxo, nas roupas por exemplo, na limpeza. Eu sempre pensei, mesmo antes, que a limpeza do homem seduzia a mulher.

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> 'Crucifixion' da Phaidon



Craigie Aitchison, oil on canvas, 1997-8, private colection


The small dog which appears in this and many others crucifixions by Craigie Aitchison puts one in mind of Psalm 22, the opening words of which are quoted by Christ on the cross. The Psalm continues: ' Dogs have surrounded me; a band of evil men has encircled me, they have pierced my hands and my feet... they divide my garments among them and cast lots of my clothing'

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> 'A Europa desencantada - para uma mitologia europeia' de Eduardo Lourenço, editora Gradiva


Construir a Europa por irresistível pressão das forças económicas e uma lógica que é hoje planetária, como sonâmbulos, não é projecto que entusiasme ninguém. Uma utopia europeia assumida só é digna de ser vivida como Europa sobre a Europa, da ficção de si mesma que, consciente ou inconscientemente, tem condicionado o seu destino, contra a sua realidade. Em suma, do triunfo da sua sublime não-identidade sobre os fantasmas da sua alucinada identidade.

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> 'Tempo da Música, Música do Tempo' de Eduardo Lourenço, editora Gradiva



Beethoven, 3ª Sinfonia, dir. Karajan


Karajan dirigindo a 3ª de Beethoven. Como se a orquestra executasse para ele, médium, foco absorvente das vagas da orquestra, e só seu invisível senhor.

Conduz de olhos fechados, como de cor, vivendo no sentido de Baudelaire a música que nasce simultaneamente dos seus dedos e dos músicos. Espectáculo prodigiosamente romântico como se Beethoven ressuscitasse. Sinfonia Heróica? Je veux bien. É de uma melancolia pavorosamente terna, viagem no labirinto da solitude de um ardente coração, o 2º movimento.

*

> 'Nova reunião, 23 livros de poesia' de Carlos Drummond de Andrade, edições BestBolso


                     O poeta
                     declina de toda responsabilidade
                     na marcha do mundo capitalista
                     e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
                     promete ajudar
                     a destruí-lo
                     como uma pedreira, uma floresta
                     um verme

*

> 'O tempo das suaves raparigas e outros poemas de amor' de Ruy Belo, editora Assírio & Alvim


                      És e renasces como a pura linha do amanhecer
                      e como o sol primeiro és incandescente
                      rosado de repente e logo a pouco
                      e pouco cada vez mais rubro e mais intenso
                      até à amarela gema de ovo que é o sol ao pôr-se
                      Quanto eu não dava deus por sempre te ouvir rir
                      riso tão fresco como tilintar de loiça
                      Não confies em mim mulher mas desconfio haver de amar-te
                      até ao fim do mundo

*

> 'Amor livre e outras histórias' de Ali Smith, editora Quetzal, tradução de Helder Moura Pereira


Quando estivemos juntas da primeira vez passávamos a vida a ter sexo. A única coisa de que me lembro em relação a esse tempo é que tínhamos sexo, lembro-me como uma névoa de onde ocasionalmente os pormenores emergem com tal precisão que se transformam em farpas, uma névoa de nós duas na cama ou de mim a encostar-me a ti contra o irradiador ou a correr os cortinados da sala da frente ao meio-dia e a voltar para o sofá, tu recostada nele a abrires a camisa, eu a desapertar os botões dos teus jeans da Chelsea Girl. 


**


Agora, que estou a acabar de escrever, são quase 3 da manhã e o vento entra pela chaminé da salamandra, fazendo com que a sua porta de ferro bata conforme lá fora ele sopra. Estou ainda a ouvir Beethoven e o som do vento nas árvores e o da porta da salamandra, misturam-se com os acordes da música. Gosto, fica um som agradável, são os sons da minha casa nesta noite ventosa de verão.

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Isto saíu longo (espero que não tenha muitas gralhas porque, dado o adiantado da hora, já não me apetece reler uma coisa tão comprida) e só por despudor vos posso ainda convidar a fazer uma visita ao meu Ginjal e Lisboa. Há algum tempo que o não actualizava. Hoje as minhas palavras movem-se saudosas em torno de um poema de carlos Drummond de Andrade e ao som de Jordi Savall. Se ainda estiverem para me aturar mais um pouco, gostaria de vos ter também por lá.

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E, com isto, daqui a nada é uma bela manhã de domingo.
Espero que seja um bom dia para vocês!

sábado, julho 28, 2012

Passeio agradável: o Parque de Escultura Contemporânea Almourol em Vila Nova da Barquinha. Missão quase impossível: descobrir a farmácia de serviço numa noite em Torres Novas


Música, por favor, para vos ir acompanhando na leitura do texto

Mairi  Campbell - Home (Is not what I left behind)



Por estes dias, não podendo ainda andar muito, os meus passeios em férias são passeios em que se vai de carro até ao local a visitar, se vê o que há a ver e, sem mais delongas, de novo, carro - e já fico toda contente. Assim foi na quinta feira de tarde. Tínhamos visto na RTP2 a indicação das esculturas no Parque de Vila Nova da Barquinha e lá fomos. 

Escusado será dizer que, quem não saiba onde é o dito parque, poderia ter alguma dificuldade em dar com aquilo pois, à semelhança do que acontece um pouco por todo o lado, placas indicativas é luxo a que ninguém se dá. Felizmente a terra é pequena e, andando em frente, lá vimos um parque. Admitindo que seria ali, parámos. Indicação de que ali era o parque com as esculturas, nada. Mas adiante. Fomos ver se era, admitindo que numa terra pequena não deveria haver mais do que um parque daquela dimensão, e era mesmo.

O parque é muito bonito, à beira Tejo, muito arranjado, mesmo muito aprazível.



O Parque e o Tejo, aqui brando, cheio de suaves curvas


Para os distraídos, as esculturas podem passar despercebidas enquanto esculturas. Sinal talvez de que se integram perfeitamente no espaço, na harmoniosa paisagem. 


Cristina Ataíde, Rotter


Parece um local ideal para crianças ou para se estar deitado ao sol ou à sombra, a ler. No entanto, estava quase deserto. Sob umas árvores estavam as crianças de um infantário e talvez tenha visto umas duas mães com crianças e, numa esplanada sobre o rio, mais uma meia dúzia de pessoas. Mais ninguém. Um sítio maravilhoso, com uma vista reconfortante, e ninguém desfruta. Não sei se é má divulgação (e, pelo que vi, é com certeza - mas não deve ser só isso), se é desinteresse geral das pessoas, não sei. O que sei é que eu acharia normal ver um parque assim cheio de gente nova, cheio de gente velha, cheio de namorados, cheio de gente a ler um livro, com um ou outro solitário, gente a fazer caminhadas ou a correr ao longo do rio. Mas não. Um Parque lindo e sem ninguém. Que pena me dá ver isto.



Alberto Carneiro, Sobre a Floresta


O parque tem vários pontos de queda e de fios de água e um dos lagos (ou tanque baixo) está cheio de vegetação e folhas e dá ideia que a água precisa de ser renovada mas espero bem que não o façam pois apresenta gradações de textura e de cor que nos amaciam a refrescam o olhar. Apeteceu-me mergulhar nua e vestir-me com aqueles tecidos mais macios que lábios molhados.



Veludo, caxemira, espuma, madeira, seda, verdes, castanhos - a doçura da natureza


E depois, mais à frente, há a descontração jovial da Joana Vasconcelos.




Joana Vasconcelos, Trianons  (casa de tiras brancas vista de dentro da casa de tiras às cores)





Joana Vasconcelos, Trianons (casa às cores vista de dentro da casa branca)





Joana Vasconcelos, Trianons (dentro da casa branca)


Estas duas obras da Joana Vasconcelos - que, como sempre, honram a tradição portuguesa (estas são feitas com reposteiros de ripas, daquelas de plástico que se põem nas portas) - são óptimos locais para as crianças brincarem, descobrirem; e fazem com que os adultos as explorem como crianças (eu, pelo menos, gostei imenso de andar por ali e devo confessar que atravessar a compacta barreira de tiras brancas me fez até alguma impressão, parece que estava a ser engolida por uma concha que se fechava em minha volta). 

Aliás, esta é uma característica de quase todas as obras expostas: são peças de parque, dá vontade andar à volta delas, espreitar, ver a natureza através delas. Estou desejando de lá voltar com as minhas crianças pois tenho a certeza de que vai ser uma festa. E todo o terreno é relvado, fresco, limpo, óptimo para correrem, para se deitarem.

E eu, que agora ando de chinelinhos (que tive que comprar por não poder, no presente, usar saltos) e que causo surpresa até a mim mesma (a minha filha ainda hoje olhava a rir, dizendo que nem pareço eu... e que nunca esperou ver-me assim), até fotografei o inusitado dos meus pés com este tipo de calçado. Aqui fica para memória futura.



Caso alguém não acredite, no futuro, que foi assim,
étnica e casual, que me passeei no Parque, aqui fica a prova

E ainda parámos junto a um fantástico instrumento musical, umas tiras de pedra que emitem um belo som quando tocadas com aqueles martelos de madeira.



Durante um bom bocado, ali estivemos produzindo a nossa música - e os sons atravessavam o Parque

Dali ainda seguimos até ao Castelo de Almourol, onde comemos uns belos caracóis numa simpática esplanada, mesmo em frente do castelinho que quase parece de brincar, de tão bonito e mimoso que é.



Chega-se lá de barquinho. Nós não fomos, apenas o vimos do lado de cá do rio.
Dá ideia que daria para atravessar a pé de tão baixo que ia o rio mas as regras são para se cumprir.

Um passeio muito agradável que recomendo. A entrada no parque é gratuita. E os caracóis são saborosos.

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Mas o pior veio depois. Qualquer coisa não estava bem comigo desde há uns dois dias. Vi na internet que a coisa poderia ser uma complicação pós operatória e pelo sim, pelo não, o cirurgião foi contactado. Estando longe e sem poder ver-me, recomendou que fosse, de imediato, ao hospital para ser observada. Lá fomos. Optámos pelo Hospital de Torres Novas que já conhecíamos e que é pequeno, organizado, eficiente.

Por acaso, na quinta feira a demora foi maior do que na vez anterior e maior do que o expectável face ao reduzido número de doentes mas, enfim, apesar de tudo, uma demora tolerável.

Foi efectuado o diagnóstico de forma visual, foi feita a prescrição e recomendado que ainda nessa noite, depois de adquirir os medicamentos, lá voltasse para levar a primeira injecção. Pacífico.

Pacífico, disse eu? Pois... parecia...

Na recepção do hospital inquirimos pelas farmácias de serviço. Que era a farmácia Central. Rua? Ah... isso ninguém sabia. Que era indo por ali, depois virando, depois indo em frente, depois na rotunda não sei quê, depois uns semáforos e depois... e a antiga estação dos Claras e depois... Ou seja, chinês para quem não conhece nenhum nome de rua ou nenhuma 'instituição da terra'. O carro tem GPS mas, sem lhe indicarmos o nome da rua, chapéu.

No entanto, sendo a Farmácia Central, procurar-se-ia o centro da cidade. Entretanto, passámos pelos Bombeiros e o meu marido foi-lhes perguntar se sabiam dizer onde era a Farmácia. Nome de rua isso não sabiam mas que virando ali, depois, nos segundos semáforos, virando à esquerda e depois indo em frente e depois não sei quê e não sei que mais. Tentando entre os dois reconstituir o trajecto, lá chegámos ao centro. 

As ruas estavam cheias de jovens. Perguntámos a um grupinho de sabiam da Farmácia Central. Que não, 'não somos de cá, não conhecemos isto'. Seguimos, mais umas voltas e nada. Perguntámos a outros miúdos: 'não somos de cá... mas parece que ali em baixo há uma farmácia'. Lá fomos e lá estava uma farmácia. Fechada. Diz o meu marido: 'Vou ver, deve ter a lista das farmácias de serviço com a rua da farmácia'.

Passados uns segundos ouço-o a praguejar. Tinha a indicação do nome das farmácias mas, de novo, sem a indicação da rua!

Até que, finalmente, demos com um autóctone que nos disse que, subindo ali, estávamos no Largo 5 de Outubro e que dali, olhando para baixo, veríamos a dita farmácia. Lindo! Lá estava ela.

A seguir outra odisseia: regressar ao hospital. Sabemos dar com ele, quando vamos a partir da estrada que costumamos usar. No entanto, admiti: 'Deve ser fácil, deve haver tabuletas a indicar 'hospital''. Mas qual quê? Nada. Nem ninguém na rua. Fomos andando e nada, meia a noite e tal, as ruas desertas e nem uma indicação para o hospital.

Até que lá encontrámos umas pessoas que nos disseram para procurar a A23, depois o Fórum, e depois seguir não sei por onde; o que sei é que lá demos com o hospital, já devia ser 1 da manhã.

E, desta vez, entrei logo, aliás já estavam à minha espera e o enfermeiro, o mais simpático possível, até me ensinou a aplicar eu própria a injecção para não ter que me deslocar a nenhum posto de enfermagem nos próximos dias. Hoje não fui eu que a apliquei mas o meu marido que começou por dizer que 'só em último caso' mas que depois lá me injectou (um bocado à bruta, como se estivesse a dar uma injecção num cavalo mas, enfim, menos mal; amanhã será melhor).

Entretanto um médico nosso parente, pessoa altamente competente e muito experiente, estranhou que, no hospital, face ao risco envolvido, não tivessem feito nenhum exame para confirmar que era só aquilo que visualmente parecia e achou por bem que eu fizesse mesmo um exame e o mais rapidamente possível. Por isso, esta sexta feira o meu dia foi, de novo, passado a fazer exames médicos, desta vez em Lisboa. Felizmente, ao que parece, a coisa era só mesmo a que o médico tinha diagnosticado e que, sendo aborrecido, não é dramático. 

Mas, enquanto em Lisboa nos deslocamos com facilidade entre distâncias grandes (... se calhar fazêmo-lo porque conhecemos tudo, pois não garanto que esteja bem sinalizado já que, quando conhecemos os percursos, nem reparamos), numa terra pequena como Torres Novas é uma odisseia para dar com a farmácia de serviço e com o hospital. Mas, enfim, não é mal que afecte apenas Torres Novas: o mal é geral em Portugal. 

E, por hoje, é isto. A ver se este fim de semana posso ficar sossegada a ler o Expresso, a ler um livro, a dormir à sombra, sem mais preocupações ou maçadas.

**

E a vocês, meus Caros Leitores, desejo-vos muita saúde, muita alegria e que este sábado seja um dia muito agradável. Divirtam-se!

quinta-feira, julho 26, 2012

E para as 'baratas tontas' do Governo de Passos Coelho não vai nada, nada, nada...?! Nops. Nada. Népias. Zero. Bola. Passamos, portanto, à frente: Catarina Esteves e os carros que se lavam sozinhos; e era bom que mudassem os pneus sozinhos e que também estacionassem sozinhos. Resumindo: algumas peripécias minhas ao volante (minhas e de outras ainda piores que eu - e, se faz favor, nada de associações espúrias com baratas tontas...)


Há pouco, de raspão, ouvi mais uma pérola do Passos Coelho: que não sei o quê, que já supunha que não ia ser fácil mas que isso era uma abstração e que agora já é difícil de verdade e re-béu-béu, pardais ao ninho, mais não sei o quê, e que bom, bom é não nos comportarmos como baratas tontas... - e aí pensei que aquela conversa não podia ser a sério, tinha que ser mais uma das suas inconfundíveis rábulas.

Vocês que aí estão desse lado, por favor, digam-me que aquilo era mesmo um número de stand up ou, então, que eu sonhei. Porque não pode ser verdade que um primeiro ministro se saia todos os dias com uma coisa assim. O homem não sabe a quantas anda, o homem não sabe falar, o homem não tem tento na língua, é inconveniente, não percebe o que é respeitar o lugar que ocupa. 

[Pensava que as dificuldades era uma abstração? Só agora que lhe gritam na rua é que percebeu? Será preciso gritarem-lhe muito mais para ele perceber o filme todo? E... baratas tontas? Quem? Quem duvida da eficácia do remédio é uma barata tonta? A Manuela Ferreira Leite? O Pacheco Pereira? O Paulo Portas? São essas as baratas a quem a sumidade de Massamá se refere? Ó senhores! Mas será que ninguém me poupa...]

..

Não falo mais disto, incomoda-me. Todos os dias, quando para aqui me dirijo, venho a pensar que não vou falar mais desta gente. Mas, depois, ali do lado da televisão chegam-me estas vozes (que é certo: não chegam ao céu) e tenho dificuldade em deixar passar sem uma observação.

Antes a Luciana Abreu e o Djaló que estão separados e pernoitam juntos do que as escandaleiras dos discursos daquele que dizem estar refém do Dr. Relvas, o marido da Dona Laura. 

*

Música, então, por favor

(Não me ocorreu nenhuma adequada ao que vou escrever pelo que, simplesmente, escolhi uma de que gosto - aqui em versão ligeira, como convém)

Bolero de Ravel - Aqui na versão El Bolero de Raquel por Mario Moreno, o Cantinflas



Adiante. Passo então às boas notícias. Catarina Esteves, uma investigadora portuguesa, parece ter descoberto um tipo de revestimento que fará com que os carros se lavem a si próprios.  Bastará que chova, que a limpeza terá lugar. 

Escuso de vos dizer que isto é o tipo de notícia que prova que o mundo ainda não está perdido. E, se o digo com alguma ironia, não pensem que a ironia se dirige à Catarina. Não: dirige-se é a mim mesma. Até hoje nunca me deu jeito levar o carro a uma estação de lavagem de carros. Nada. Anda sempre sujo. Quando vai à revisão, por caridade lavam-me o carro. Outras vezes, se calha haver alguém por perto com uma mangueira, tomam a iniciativa de lhe dar umas mangueiradas. Aqui há tempos um motorista perguntou se o podia lavar. Claro que disse logo que sim e agradeci imenso. Quando cheguei ao parque nem o conseguia encontrar, tão diferente ele estava.

Sou toda pela igualdade em tudo mas, que querem?, há coisas que não puxam por mim, acho que não são coisas de mulher. Mas nem é uma questão de preconceito: é mesmo uma incapacidade física.

É isso e mudar um pneu. Não dá.

Uma vez reparei que me tinha esquecido do telemóvel em casa. Fiquei numa inquietação, sentindo que corria sérios riscos de ficar incontactável. Além disso não sei de cor os números de telemóvel de ninguém, está tudo memorizado no próprio telemóvel, mesmo que quisesse eu contactar alguém, também não saberia como. Então resolvi meter-me no carro e ir buscá-lo, num instante, a casa. Quando ia a caminho, reparei que quase não tinha gasóleo. Já era tarde, tinha combinado almoçar com o meu marido (e se me atrasasse, como poderia avisá-lo sem telemóvel...?), e agora aquilo, não ter gasóleo suficiente para ir e vir. Isto pode parecer-vos uma invenção minha para ilustrar a lei de Murphy mas, acreditem: é a mais pura das verdades.

Stressada, enfiei para a estação de serviço mas, com as pressas, bati naquele murinho redondo que há no chão à volta das bombas (deve ser para evitar que a gente bata nas próprias bombas). Lá fiz marcha atrás, fula da vida, e lá abasteci. 

A seguir fiz-me à estrada. Às tantas, entrei na Segunda Circular (para quem não saiba é a estrada com mais movimento no País, a estrada onde a A1 desemboca para entrar em Lisboa) e, passado um bocado comecei a sentir o carro a tremer, a descair. No entanto, continuei - não tinha tempo para frescuras. Mas o carro cada vez estava mais estranho e comecei a ouvir um som não identificado.  Por via das dúvidas, apesar da pressa, resolvi ir mais devagar, pensando que não tardava apanhava com um carro em cima. Passado um bocado começam os carros a ultrapassar-me, a apitar-me e a apontar para uma roda.

Continuei, já a ficar preocupada. Às tantas um carro pôs-se ao meu lado a gritar. Abri a janela para ouvir e ele numa aflição: 'Tem que parar, já não tem pneu!'. Nessa altura veio do carro um cheiro a borracha queimada, e um silvo. Pensei: 'Estou feita'.

Fazer o quê, sem telemóvel? E como parar o carro em plena 2ª Circular, com carros em várias faixas, todos a abrir? Avisar o meu marido como, estando eu incomunicável...? Chamar um reboque? Mas como, sem telemóvel?

Pensei que tinha que prosseguir. O carro já quase não andava, já guinchava e eu a uns 10 à hora com as luzes a piscar. Resolvi levá-lo até ao pé do Colombo porque lá devia haver cabines e podia tentar ligar para alguém. Nessa altura estava em construção o Hospital da Luz que é junto ao Colombo. Quando passei ao lado do estaleiro das obras não consegui que o carro andasse mais, para além de que já não podia ouvir todos os carros à minha volta a apitarem e a apontarem para o inexistente pneu.

Deixei o carro e fui ter com uns operários que ali estavam. Já estavam na hora de almoço. Pedi-lhes o telemóvel emprestado. Ficaram atrapalhados, não percebiam que uma mulher entrasse pelo estaleiro das obras para lhes implorar o empréstimo de telemóvel. Sobretudo eram africanos, mal falavam português, não percebiam mesmo o que queria eu. Com mímica, lá os consegui levar até ao carro, lá perceberam a minha aflição. Julgaram, então, que o que eu queria era que mudassem o pneu e eu, que nem tinha pensado nisso, achei que era óptima ideia. Mas eles não se entendiam bem com aquilo e eu não fazia ideia de como ajudá-los. Entretanto passaram outras pessoas e uns cavalheiros ofereceram-se também para ajudar. Deixei que entrassem no carro, vasculhassem o porta bagagem, experimentassem. No meio disto, vendo que aquilo não ia dar certo, voltei a pedir o telemóvel e um lá percebeu e emprestou-me. Ao fim de umas dez tentativas lá consegui acertar no número do telemóvel do meu marido e lá lhe pedi para me vir salvar. Passado um bocado apareceu, espantadíssimo por me ver ali à entrada do estaleiro das obras, com o carro rodeado por homens prestáveis, sem pneu, com a jante completamente feita num oito. Resumindo: lá resolveu a situação. Aquilo precisava de uma chave especial e ele, iluminadíssimo, sabia disso tudo. 

Ou seja: carros só mesmo para os conduzir. E mesmo assim, no que se refere a arrumá-los, de preferência que seja de frente ou, se for de marcha atrás, que seja a direito. Agora arrumar de marcha atrás num lugar paralelo ao passeio, detesto. Se estiverem carros atrás de mim e eu a não atinar e a fila a formar-se e eu a ficar stressada (porque este é o género de coisas que me stressa), então é que é mesmo para esquecer: o carro ou fica perpendicular ao passeio, ou quase roça no da frente ou fica a milhas do passeio. Uma vergonha. Aí, desisto e vou dar mais meia hora de voltas até encontrar um lugar de feição.

Mas, enfim, acho que não sou só eu. Acho que deve ter qualquer coisa a ver com as hormonas femininas ou coisa do género. O mais humilhante é quando depois de mil manobras desisto e peço ajuda - e, à primeira, o cavalheiro arruma o carro como se fosse uma peninha, na maior das facilidades. Um vexame mesmo.

*

Já chorei a rir com estas aqui abaixo, outras como eu - enfim, até ver, um bocadinho piores que eu...


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E por hoje é apenas isto que, com este calor, não podemos queimar os neurónios com mais, certo?

Divirtam-se, Caros Leitores. E que esta quinta feira seja um belo dia! Be happy!

quarta-feira, julho 25, 2012

Um pequeno passeio à beira Tejo, dois colares feitos por mim, um poema de Carlos Queiroz, mais um bocadinho da minha casa - e tudo ao som de uma interpretação muito pouco convencional (Rudolf Budginas interpreta a 5ª de Beethoven)


Música, por favor

Beethoven, 5ª Sinfonia - Interpretação fantástica e muito pouco convencional a cargo de Rudolf Budginas



Hoje estou a começar a escrever ainda mais tarde do que é costume. Depois de dois dias assaz preenchidos, só chegámos cá já passava um bom bocado das 9 da noite. O que vale é que tinha jantar no frigorífico. Mas, a seguir, fui deitar-me no sofá, estava cansada. Era minha intenção ver o telejornal da RTP2 para saber a quantas vai o mundo. Acho que me fiquei pelo Alberto João a provocar os bombeiros enquanto via o panorama terrível da paisagem ardida. Adormeci logo de seguida.

Mas, enfim, lá acordei algum tempo depois e já respondi aos comentários. Mas, com este regime maluco, já falta um quarto para as 2 da manhã e só agora estou a começar a escrever isto. Neste momento ouço lá fora um gato a gritar, não sei se chama por alguma gata, se anda nalguma perseguição a algum roedor. E ouço os grilos. Gosto. De tarde, à hora do calor, são as cigarras, é uma orquestra. Os sons do campo, que bom.

Enfim. De qualquer forma, depois dos afazeres, ainda consegui hoje ir tirar fotografias junto ao rio.

Ah, o rio, preciso mesmo do rio. Este hoje não foi bem aquele rio mais meu, aquele em que ando mesmo quase em cima dele. Deste hoje, separa-me um muro e há mais gente mas, paciência, é melhor este muito povoado e mais distante, do que a saudade dele.

E, de resto, Lisboa, para quem gosta dela, é sempre linda.

Tinha começado por ir ao Miradouro das Necessidades, perto do hospital de onde vinha, mas é um miradouro que não tem uma vista por aí além, pelo que aí me limitei a uma única fotografia.

Por isso, dali descemos até ao Cais Sodré.



Autocarro panorâmico em pleno Cais Sodré. Um dia ainda vou passear nele.
Entre o prédio azul ao fundo e os prédios brancos à esquerda, corre a Rua do Alecrim, uma
das ruas mais bonitas de Lisboa, que vai dar ao largo Camões, na zona do Chiado


Como de costume, os bancos e canteiros coloridos junto à esplanada dos puffs às cores estavam cheios de gente, gente a ler, gente ao sol, gente a namorar. É um local com imensa vida. Hoje havia muitos pescadores. Não vi foi nenhum indiano. Se calhar é só ao fim de semana que costumam vir passear à beira do rio. Vêm grandes famílias, todos com as suas belas roupas. Gosto imenso de os ver, os homens com elegantes e dignos turbantes, as mulheres com as vestes coloridas ondulando com a aragem que vem do rio.



Ternura em fundo azul


E há sempre muitos estrangeiros, famílias com crianças, casais que se fotografam mutuamente com o rio por trás, gente a dormir ao sol.



O prazer de dormir ao sol, rente ao rio


Não me saciei da saudade que tenho de andar à beira do rio mas, enfim, sempre foi melhor que nada. A ver se agora vou à praia um dia destes, tenho que ver quando é que está maré vazia. Ainda tenho algumas condicionantes mas, com algum cuidado, a ver se dá.

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Já agora. Antes de ontem à noite resolvi fazer um colar para usar com a saia e a blusa que tinha resolvido vestir ontem. Depois, ontem de manhã, achei que estava formal demais para a toilette e fiz um outro, que foi o que acabei por usar, que é o da esquerda. Coloquei os dois sobre a blusa, junto à saia, para vos mostrar mas isto de fotografar bijuteria deve ter algum truque porque a fotografia não saíu nada fiel ao que são os colares. O da esquerda tem peças em turquesa e em rosa, intercadadas com bolinhas em dois tons de verde, umas em verde água e outras num verde um pouco mais vivo e umas pequeninas em amarelo - incluindo, portanto, todas cores da saia. O da direita tem dourados e encarnados e verdes. Algumas peças são transparentes e ficam bonitas pela luz contra a transparência colorida. Ao pousar os colares na blusa, perde-se o efeito e perde-se a cor. Tenho que ver qual a melhor forma de fotografar estas peças, se calhar tenho que os suspender para poderem receber a luz através deles. Seja como for, para já mostro-vos a fotografia que tenho. Gosto imenso de fazer colares e pulseiras e faço para mim e, por vezes, para oferecer.



Quase podia ser eu aqui... mas não, falta o miolo.
Aqui está apenas a vestimenta e os dois colares

E, como ando em maré de visitas guiadas à minha casa, aqui vos deixo mais um pormenor de um recantozinho. Embutido na parede, um painel de azulejos e, por baixo, uma figura artesanal de madeira, talvez uma Nossa Senhora e, junto a ela, um dos meus galos, uma vela em forma de ovelha, uma flor e, de lado, uns tubinhos suspensos que produzem música (o martelinho de madeira já desapareceu mas, estou certa, um dia destes encontro-o por aí).



Sobre o móvel da sala onde está a televisão e o leitor de dvd

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Livrai-me, Senhor,
de tudo o que for
vazio de amor.

Que nunca me espere
quem bem me não quer
(homem ou mulher).

Livrai-me também
de quem me detém
e graça não tem.

E mais de quem não
possui nem um grão
de imaginação.


['Libera me' de Carlos Queiroz.... (o Poeta, não o ex-seleccionador)]

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E é isto, Caros Leitores.
Tenham, por favor, uma bela quarta feira. Gozem-na bem, gozem a vida - não se esqueçam, está bem?


segunda-feira, julho 23, 2012

Peter Doyle demite-se, envergonhado, do FMI. Mas a maioria não sente vergonha nenhuma. Enquanto isso, pululam as Akoyas, as Perellas e outras que tais. E ainda: os muito-ricos, os Governos, a Comunicação Social - e nós, os votantes. E, de novo, vos mostro o espaço que habito aqui in heaven.


Música, por favor

Brahams- Akiko Suwanai interpreta a Sonata Nº3 para violino

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Leio que em Espanha, no primeiro trimestre, os tribunais espanhóis ordenaram uma média de 510 despejos por dia.

Leio que o FMI não tem vontade de libertar mais nenhuma verba para a Grécia, podendo o país entrar em bancarrota já em Setembro, e que a Alemanha já admite como provável que a Grécia saia da Zona Euro.

Leio que em 2010 os super-ricos tinham a bom recato, em paraísos fiscais, 17 biliões de euros (número por defeito já que não contabiliza propriedades ou outros bens) o que, pasme-se!, equivale ao conjunto do produto interno bruto dos EUA e do Japão.

Leio que Peter Doyle, um economista do FMI, depois de lá trabalhar durante 20 anos, se demite envergonhado pelo falhanço das políticas daquela instituição nomeadamente na incapacidade de prever a crise e nas condições que impõe aos países resgatados, levando-os à recessão.

Leio que, por cá, a factura do IMI vai aumentar 60%. Leio que 30% dos imóveis vendidos pela Remax pertencem à banca. Leio que, ainda por cá, o FMI insiste na redução da TSU (apesar de estar mais do que demonstrado que isso provocará um rombo fatal na Segurança Social) e, para o compensar, sugere-se novo aumento no IVA, ou seja, mais pobreza a eito [a este propósito, sugiro a leitura do artigo de Manuel António Pina, "O preço de sermos 'bons'"] .

Leio que Passos Coelho diz que mantém o Relvas em funções porque não o escolheu para ele ser Ministro da Educação (e eu pasmo com isto; segundo o critério de Passos Coelho, apenas para se ser ministro da educação é que tem que ter estudado de acordo com as habilitações que diz que tem?! Só visto!).




Estes são apontamentos isolados ilustrativos do abominável mundo que, passivamente, temos vindo a deixar que se construa.

Um mundo em que gente (*) sem formação, sem conhecimentos, prolifera por este país e por este mundo fora, desfazendo sem pudor ou rebates de consciência o que, antes, outros, com tanto esforço, haviam conquistado, deixando que o mundo fique isto: um pântano em que o saber, a aprendizagem e princípios como o respeito pela pessoa, a ética, a verdade, a igualdade, a liberdade se tornam conceitos sem significado.

De cada vez que fechamos os olhos e nos calamos, há alguma larva que aproveita para se desenvolver, há direitos que se destroem, há mais um passo de regresso à barbárie.

Escolas sem rei sem roque, professores desconsiderados e desmotivados, alunos a monte nas salas, sem perspectivas de futuro, famílias sem dinheiro e sem esperança, hospitais sem medicamentos e com médicos e enfermeiros pagos como empregadas domésticas ou menos que isso, jovens a abandonar o país, uns a seguir a outros, bombeiros sem dinheiro para apagar fogos, velhos sem dinheiro para pagar o transporte para ir ao médico - é este o país que queremos?

E não me venham com moralismos ou argumentações armadas em engraçadas (e refiro, como exemplo, o que um rapaz insuportável costuma escrever, o Henrique Raposo, que à custa de escrever coisas pretensamente mordazes ganhou direito a coluna no Expresso), como se os portugueses no seu conjunto fossem culpados pela desgraça a que o País chegou, devendo, portanto, ser todos punidos pela medida grossa, ou, outra teoria, como se a culpa fosse do Sócrates que, em dois ou três anos deu cabo do país, havendo agora que espiar os desmandos desse período. 

Ora nem a culpa (o que eu odeio esta palavra) é dos portugueses no seu conjunto, nem do Sócrates em particular.

O que se passa é que, desde há anos, a incultura vem grassando, a mediocridade vem grassando, a falta de uma liderança esclarecida e humanista vem grassando - e com a conivência de uma comunicação social virada para o lucro, que (salvo excepções) não atende a critérios de exigência e qualidade, que contrata e mantém gente desclassificada. Contam sobretudo os sound bites e o cavalgar airoso de cada onda que se forma. Ouço ou leio jornalistas, tal como leio bloggers, tal como ouço comentadores feitos à pressão, que opinam sem fazer a mínima ideia do que estão a dizer, como se a política fosse um mero exercício de comunicação e de imagem, como se disciplinas basilares como a demografia, a economia ou a cultura fossem negligenciáveis na equação governativa. Degladiam-se entre eles e opinam sobre vacuidades, ajudando a formar a opinião pública, com base em ideias feitas, em parvoíces, em graçolas. E nós, a massa informe de votantes, assiste passivamente a isto, sem um pio. 

E, perante esta mansidão inerte, o capital desbragado, os muito-ricos, as empresas que gerem assets, as Perellas desta vida, as Akoyas, os Canals, os consultores em optimização fiscal, os assessores e gestores de fortunas, os Fundos Internacionais, etc, etc, etc, encontram terreno livre para se expandirem sem regulamentação nem oposição. É deles e só deles, neste momento, a condução dos destinos de parte do mundo, porque em grande parte dos países não há quem se lhes oponha. Pelo contrário, em grande parte do mundo, o que há à frente dos órgãos de poder são fantoches, marionetas, que só fazem o que lhes é mandado fazer e que, ignorantemente, cegamente, acriticamente, obedecem. 

Uma tristeza.

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As duas pinturas que ilustram o texto são de Francis Bacon (1909, 1992), pintor britânico que tantas vezes transpôs para a tela o corpo em decomposição, corpos que perdiam a consistência,  um mundo de vísceras e sangue, um mundo em desfalecimento onde o fim dos tempos parecia ter pousado.

(*) Agradeço ao Leitor que gentilmente me enviou por mail o link para o divertido filme sobre o extraordinário Cartão Relvas.

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Bom. Já chega de vos cansar com assuntos que incomodam - mas, sabem?, começo a pensar nisto e fico revoltada. 

Para amenizar, seria bom se vos pudesse convidar a virem até aqui para beberem uma bebida fresca, saborear um gelado de chá verde, sei lá, qualquer coisa de agradável. Não podendo, volto a mostrar-vos um pouco aqui do meu bocado de céu na terra.



Este ano parece que há menos marmelos do que é costume mas alguns já estão vistosos,
ainda com a penugem da juventude mas já com boas cores



Há tempos o meu filho ofereceu-me este ninho feito de cortiça. Pendurámo-lo nesta azinheira
de que tanto gosto mas, não sei porquê, ainda não atraíu nenhum passarinho
Vou lá pôr umas sementinhas.




Este foi um dos primeiros quadros que pintei, ainda sobre papel.
Usei a ideia da Vénus mas coloquei-a numa casa à Manuel Amado, com um livro aberto por perto



Este casal de bonecos foi-nos oferecido pelos meus pais pouco depois de estarmos cá,
como brincadeira pelas trabalheiras em que sempre andamos quando cá estamos
A figura redonda é uma vela e pretende ser uma galinha
Estão em cima da escrivaninha que é, como se costuma dizer nas revistas de decoração,
 herança de família (mas é mesmo: pertencia a uma tia do meu marido).

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Era para ter transcrito uma passagem do livro da Rita Ferro na qual ela descreve as idas de Fernando Pessoa a casa da avó, Fernanda de Castro. Contudo, dado que isto já vai sobejamente longo, não o farei. Fica para outro dia pois tem graça.

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E é isto. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já nesta segunda feira. Descansem ou divirtam-se ou, se possível, as duas coisas!

(Para mim é dia de festa, mais um aniversário na família. Por estas alturas, é semana sim, semana sim. Entre caranguejos e leões há para cima de uma data deles. Tudo boa gente, portanto.)