quinta-feira, abril 19, 2012

Um mundo feliz, cidades habitadas e coloridas, campos floridos, casais que se abraçam e que, apaixonados, voam pelos céus celebrando o amor incondicional e puro - não, não estou alienada: falo apenas do mundo festivo e puro de Marc Chagall


Música, por favor

A veia do Poeta - Rui Veloso e Kátia Guerreiro





Falemos, pois, agora, de cidades cheias de vida, de casas às cores, de praças com circos, com cavalos que correm nos circos com artistas vestidos com coloridos trajes; falemos de ruas que se enchem de crianças, de árvores, de pássaros; falemos de um mundo maravilhoso cheio de sons alegres, de crianças, de janelas floridas, de jardins e de lagos, de animais verdes e azuis, de céus diurnos com luas poéticas.


Falemos, portanto, de cidades habitadas por pessoas de verdade, pessoas com um coração transbordante de carinho, com um olhar que se liquefaz em amor, falemos de pessoas que se amam e que se deixam amar. Falemos, portanto, de seres apaixonados.

Entremos, portanto, num universo onírico de tão colorido e festivo que é.

E imaginemos.



A cidade poderá ser no sopé de uma montanha azul e verde. Nessa montanha cujos pontos mais altos parecem azuis de tão perto que estão do céu, pastam tranquilas cabras brancas e, no alto das grandes árvores há pássaros brancos e azuis que transportam nas suas asas pedaços de céu e de nuvens. Mas também pode ser Paris, com a Torre Eiffel, com o arco do Triunfo, com um grande galo colorido que transporta crianças com braçadas de flores. Tanto faz desde que haja pessoas que se afagam, que sorriam no meio de flores e outras cores.

Entremos numa das casas dessa cidade luminosa.

A casa será luminosa e as janelas abrem-se, festivas, aos sons vitais de uma rua cheia de canteiros e pássaros.

As cortinas claras, de renda, esvoaçam, dançando com a aragem macia da tarde.

Dentro de casa poderá ver-se uma mesa com uma jarra com flores frescas, quadros inocentes nas paredes, cadeiras às cores, tapetes de cores infantis, vasos com avencas e vasos com begónias nos parapeitos e, entrançadas nos alpendres, cachos de glicínias lilases.


E, a seguir a essa sala na qual as conversas e os risos se encadearão com olhares cúmplices e com mãos que se afagarão com ternura adolescente, haverá um quarto. Poderia ser um quarto azul, alfazema e dourado, quase um quarto de Arles, um quarto de Van Gogh, poderíamos estar a falar du Midi, de Saint Paul de Vence. Mas poderá ser apenas um quarto pintado de azul claro, com uma cama coberta por uma bela colcha de renda branca, com cortinas macias e transparentes que esvoaçam também enquanto os pássaros cantam na árvore que está no jardim. 



Nesse quarto está um casal romântico, apaixonado, um casal que em tardes ou noites de amor, sai voando, janela fora, cruzando os céus, aproximando-se da lua, sempre de mãos dadas ou abraçados no dorso de um grande pássaro, rodeados das flores que sairão dos canteiros e das jarras para os envolverem enquanto voam.


Cá em baixo, crianças montadas em galos azuis brincarão enquanto o sol encarnado se põe atrás dos montes  e os cavalos sairão do circo para correrem em volta, trotando e trauteando ao som de cornetas e tambores.

É um mundo feliz, este, um mundo colorido e inocente. É o mundo de Chagall.


Picasso dizia que, uma vez Matisse morto,  apenas restaria Chagall como verdadeiro conhecedor das cores. Cores luminosas ou lunares, mas cores afáveis, afectuosas, infantis.


Marc Chagall nasceu Moishe Shagal em 1887 na Bielorrússia, judeu. Era o mais velho de nove irmãos. Cedo percebeu que a pintura o deixava sem opção. E, então, pintou, pintou,  e das suas mãos nasciam a esperança, o optimismo, a vida, a poesia. Repartiu a sua vida entre a Bielorrússia, a Rússia, a França e os Estados Unidos mas, sobretudo a França. Quando se fala nele diz-se que é um pintor judeu franco-russo.

Pintou, fez cerâmica, tapeçaria, cenários e guarda-roupa para teatros, vitrais para igrejas, pintou tectos e o que, em cada obra pode ser observado, é sempre a mesma alegria ingénua, o mesmo lirismo onírico, a mesma emoção apaixonada – e as cores, muitas cores, cores luminosas, festivas, cores e desenhos quase infantis de tão puros que são.


Chagall teve na sua vida um grande amor, Bella Rosenfeld, que conheceu em 1910 e com quem viveu até à morte dela em 1944. Bella aparece em inúmeras pinturas, é a mulher com quem voa pelos céus rodeados de flores, a mulher com quem noiva.


Mas um ano após a morte de Bella, Chagall volta a viver um romace, agora com Virginia Haggard com quem vive 7 anos, até ela o trocar por um fotógrafo, tornando-se, também ela fotógrafa. O queixo proeminente de Virginia revela-a uma mulher determinada, com vontade forte e vincada.


A seguir um novo romance, agora para sempre, Valentina (Vava) Brodsky e as fotografias mostram-nos sempre como grandes e cúmplices companheiros, é a alegria suave que vem com a idade vivida em serenidade e cumplicidade.

Marc Chagall é, claro, um dos pintores que vive in heaven.



Era o verbo e a manhã
e o princípio que nascia
e a apetecida manhã
na boca que me dizia
a proibida palavra.
E aquela fonte escondida
infinita poesia
ou vida de minha vida
que dentro de mim cantava.
E então por ela eu morria
por ela ressuscitava.

«««»»»

Chagall - breve apontamento biográfico


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O poema é 'Louvor e simplificação de San Juan de la Cruz' de Manuel Alegre in Livro do Português Errante.

E, já sabem, por falar em poesia: hoje lá no Ginjal e Lisboa, as minhas palavras voam em volta de uma bela poesia de Ruy Belo e as vozes de Placido Domingo e Kathleen Battle descem dos céus para interpretar Rossini.

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E, já sabem também, desejo-vos uma bela quinta feira! Procurem a beleza e a felicidade, meus Amigos.

21 comentários:

  1. chagall pinta de facto a alegria, a brincadeira, as diversões, com essas cores vivas e variadas.
    belissimo nome de livro esse do português errante: tu, ele, ela, nós, vós, elas, eles, eu.
    "no principio era o verbo"
    verbo: palavra, categoria gramatical que usamos ao falar para designar processos ou acções em desenvolvimento.

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  2. Caro Patrício,

    Nós, portugueses errantes, perdidos, sem perceber que destino é o nosso, que vocação deveremos abraçar.

    Que distante, agora, é para nós um mundo assim, com pessoas de cabeça para o ar, com animais às cores, com uma festa para os sentidos em casa pequena parcela do espaço, luas e flores, pássaros e crianças.

    Era bom que um dia nós, portugueses errantes, tivéssemos vontade de habitar um espaço inocente e feliz assim (esquecendo a crise que ajudamos a acentuar com as políticas que seguimos, a austeridade como lema de vida, e pouco mais - o que é tão curto e que torna as pessoas tão sem brilho, não é?)

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  3. Amiga:
    A pintura lúdica, colorida, inocente e fantasista, encanta-me, como me encantou a descrição que fez.
    Como eu gostaria de viver, numa cidade assim!
    Mais uma vez, aliou arte, boa escrita, a biografia de Chagall.
    Talvez a vida calma e feliz que teve, o tenha influenciado no seu trabalho.
    A musica veio muito a propósito. Alegre, fica bem em todo o lado.
    Beijinho
    Mary

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  4. Um artista fascinante, com uma longa e interessantíssima vivência. O 2º L, no seu apelido, terá sido da sua autoria. Atravessou várias correntes da pintura do seu tempo, sem nunca, em concreto, se fixar em alguma. Nas suas paletas combinou as cores maravilhosas que nos deixou como herança do que pintou. E como diz, as suas origens judaicas transparecem em muitas das suas obras.
    Aqui há uma meia dúzia de anos, recordo-me, encontrei um livro sobre ele,creio que na Fnac, e li-o de uma só vez. Uma personalidade fascinante, Chagall (ou Sahar do pai), um pintor do amor. E da cor.
    Haveria tanta coisa a dizer sobre ele!
    Que Post interessantíssimo, UJM! Gostei tanto de o ler!
    P.Rufino

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  5. Belíssima invocação de Chagall. Ficam mais amenos e ternos os dias.

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  6. Adorei este post. Gostei muito das pinturas escolhidas. Gosto da pintura de Chagall.
    Tudo lindo. (mas o último video não consegui ver, diz que não está disponível. Não sei se é defeito do meu computador).
    Um abraço

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  7. Olá, Mary,

    Há temas sobre os quais sabe muito bem escrever. Chagall, as suas cores, as suas flores, luas, céus, casais apaixonados, animais, tudo nos puxa para o lado bom da vida.

    Apeteceu-me juntar 'A veia do poeta' porque acho que o mundo de Chagall é um mundo muito poético. E a poesia de Manuel Alegre tem também aquela toada que associamos aos ambientes carregados de poesia.

    Acabei de escrever a contragosto, estava mesmo a saber-me bem.

    Ainda bem que gostou, Mary.

    Obrigada e um beijinho!

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  8. Olá P. Rufino,

    Tem razão, ele não se fixou num género nem num suporte. Foi fazendo o que lhe apetecia fazer. Cerâmica, figurinos, cenários, vitrais, pinturas em telas, em tectos - e eu acho isto uma coisa extraordinária. é a grande liberdade de fazer o que se quer, sem peias, sem preconceitos. Cabras azuis, galos maiores do que crianças, apaixonados a voarem, flores ao pé da lua - tudo o que lhe vinha à cabeça, sem preocupação pelas proporções, por nada.

    Eu acho que a inocência e a felicidade são assim.

    E que vida variada e fascinante ele teve. Deve ter sido por esta ausência de stress que viveu tantos anos.

    Fico contente que tenha gostado P. Rufino.

    E tenha uma boa noite com flores e luas no seu céu.

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  9. Olá Leitora de A Matéria dos Livros,

    Fiz-lhe a vontade. Percebi que, a de Chirico, preferia Chagall. Depois uma outra leitora concordou consigo e, pronto, não tive outro remédio...

    Como é pintor que 'faz muito o meu género', adoro as cores, a liberdade absoluta, o anti-convencionalismo, li a sua observação e fiquei logo 'em pulgas' para escrever sobre ele.

    Ver pinturas de Chagall é um bom caminho no sentido da alegria inocente e boa.

    Obrigada pelas suas palavras, Leitora.

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  10. Olá Isabel,

    Quando me ponho a pintar é em Chagall que penso muitas vezes - mas isto não é Chagall quem quer e eu, por mais que goste dos motivos suaves dele e da suavidade e harmonia das cores azuis e rosas e verdes, quando me ponho a pintar só me saem encarnados, laranjas, amarelos tórridos, nada a fazer.

    Mas gosto muito da pintura dele e do que ela representa: os afectos, a liberdade, a harmonia, a mente aberta e feliz.

    Quanto ao filme, pelo sim pelo não, retirei-o e voltei-o a pôr e eu vejo.

    Ultimamente, quando escolho músicas, tenho muita dificuldade pois começam a estar frequentemente indisponíveis para colocação nos blogues, mas este parece-me que não tem esse problema.

    Vamos ver. Não o queria tirar porque acho que complementa o que eu escrevi.

    Obrigada, Isabel.

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  11. Cara UJM:
    Sensibilidade, volatilidade, paixão pela cor, pelas fábulas inocentes misturadas coma as personagens oriundas do imaginário russo e judaico… é Chagall que muito aprecio, e tão agradável e amavelmente nos chega pela sua mão.
    Obrigada!
    E tenha uma boa noite e dias felizes
    Abraço da
    Leanor

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  12. Olá Leanor, formosa e segura,

    Ora aí estão algumas palavras que acrescentam esclarecimento ao que escrevi: volatilidade, sensibilidade, fábulas inocentes. Perfeitas palavras para pinturas tão inocentemente perfeitas.

    Obrigada pelo seu testemunho. quem gosta de Chagall exprime-se assim, com leveza.

    Um abraço, Leanor.

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  13. Hoje já consegui ver o video. Obrigada.
    Ontem dizia que estava indisponível.

    A UJM pinta? Já alguma vez colocou aqui alguma pintura sua? (Para eu ir espreitar.)

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  14. Olá Isabel,

    Agora com isto dos blogues mal tenho tempo para mais qualquer coisa (dado que trabalho durante o dia).

    Mas fazia muitos Tapetes de Arraiolos (indo aí ao lado, na etiqueta, Arraiolos ou tapete de Arraiolos, já não me lembro) há vários exemplares que fiz. É das minhas 'coisinhas' aquela de que mais gosto.

    E pintava muito também. Tenho ideia de que já pus aqui umas quantas. Até pus uma parte de um retrato da minha filha mas não descobri. Andei à procura mas, como não identifiquei com uma etiqueta especial, corri posts e posts e deu-me a preguiça. Até ao ponto em que ia tinha encontrado apenas um e envio-lhe o link:

    http://umjeitomanso.blogspot.pt/2011/08/premio-de-best-blog-para-um-jeito-manso.html

    Não é a pintura inteira mas é um bocadinho. Dá para ver as cores e cores que tenho na cabeça e que, quando pinto, vêm torrencialmente.

    Mas olhe, Isabel, eu não sou pintora nem tenho pretensão de sê-lo. Simplesmente faço tudo o que me dá na 'gana', não tenho vergonha e, por isso, pinte bem ou mal, pinto e dá-me um enorme prazer.

    Por isso, não vá com expectativas elevadas....

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  15. Já tentei ver o link que deixou, mas o google diz que não encontra nenhum documento com esse nome, pode ser por ter o seu blogue aberto. Guardei o link e depois vou tentar outra vez. Obrigada por ter procurado. Por acaso tenho muita curiosidade, porque eu também gosto muito de actividades manuais. Também gostava de desenhar e quero voltar a tentar. Gosto de fazer renda e malha. Fiz muitos relicários ou registos. Gosto de trabalhos manuais. Bordar por acaso não tenho paciência. Já vou ver os seus trabalhos de arraiolos.
    Sabe que eu também desde que tenho o blogue (há quase um ano) noto que me tem roubado muito tempo...porque é o tempo de colocarmos algo e o tempo de ver todos os blogues que gostamos. Eu visito vários todos os dias.
    Obrigada outra vez e úm bom sábado.

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  16. Já estive a ver os seus tapetes. Lindos, todos. Dos mais tradicionais aos de desenho moderno, todos muito bonitos.
    É muito talentosa, fiquei ainda com mais vontade de conhecer as suas pinturas.

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  17. Isabel, olá!

    Experimente assim, sem o http antes:

    umjeitomanso.blogspot.pt/2011/08/premio-de-best-blog-para-um-jeito-manso.html

    Eu também fiz imenso tricot e crochet, também gosto muito de trabalhos manuais. Bordava também mas era desenhos livros, quase como pequenas pinturas abstractas.

    Fazia relicário sou registos como? Em que material? Ou comprava e pintava? Fiquei curiosa. Não pode fotografar e pôr no seu blogue?

    Um beijinho, Isabel.

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  18. Já vi a sua pintura e achei lindíssima. Diz no post que tem muitos quadros pintados por si. Foi pena deixar de pintar, se todos são tão bonitos assim. Devem ser, porque os arraiolos também são perfeitos.

    Os relicários, posso colocar uma ou duas fotos, mas os que tenho em casa foram modelos copiados quando aprendi. São uma espécie de oratórios, com um santinho (costumo procurá-los nas feiras de velharias).São feitos com base de cartão ou cartão e vidro e forrados com pedaço de tecido de cortinados ou veludo, levam fitas-galões dourados ou outra cor e depois conforme a criatividade podem levar qualquer material.
    Depois vou então colocar uns no blogue para ver.

    Um beijinho e bom domingo

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  19. Olá
    já coloquei umas fotos no blogue com os relicários. Mas como lhe disse, os modelos não são meus. Eu fiz tudo, mas copiando o modelo. Só o último é que é criação minha. Fi-los quando aprendi e a amiga que me ensinou. ensinou com estes modelos. Depois disso fiz muitos, mas para oferecer. Alguns até a partir de um santinho que a pessoa queria preservar. Já há anos que não faço nada.
    Depois se puder, espreite.O post tem o título de "Artesanato".

    Gostei muito do seu post de hoje.
    Bom domingo

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  20. Isabel,

    Já lá vi e fiquei encantada. Como gosto imenso de artesanato e de fazer coisas deste género já pedi que explicasse. Adorei mas adorei mesmo!

    O do crucifixo que diz que foi mesmo criação sua, é lindo. São flores secas em baixo?

    E está tudo tão perfeito. Tem mesmo jeito, Isabel.

    Obrigada ... e que venham as lições...!

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