Pois é. Depois da longa maratona de há pouco tempo, de total reestruturação da biblioteca, de três novas estantes (incontornável IKEA), e do hercúleo esforço de catalogação (vide o post de conclusão), a desordem tende a instalar-se de novo. Em cima de algumas cadeiras e da mesa em que habitualmente escrevo, a coisa já está assim.
No entanto, enquanto o caos é gerível, sinto-me bem assim. Mesas de trabalho sem nada em cima não têm a ver comigo.
Adiante.
In heaven, sol e calor que só visto. Resolvi tirar uma fotografia aos três últimos coelhinhos que nasceram (que, como é sabido, eles, os livros, reproduzem-se como coelhos). Aqui estão sobre uma grande pedra que, aqui, pedras e flores e árvores, tudo convive na maior liberdade. Coloquei ao pé, um outro e já explico porquê.
O da esquerda está a ser uma agradável surpresa, 'Apenas miúdos', (Just Kids) da Patti Smith (ed. Quetzal) e, em devido tempo, quando o acabar, a ver se não me esqueço de falar dele. Patti Smith partilhou a arte e a vida, foi musa, amiga e testemunha de alguém cuja arte muito me impressiona e de que aqui já falei algumas vezes, Robert Mapplethorpe (poderão aceder a esses posts seleccionando o separador correspondente do lado direito), um fotógrafo tocado pela genialidade. Além disso, do que estou a ver, ela escreve muito bem.
Robert Mapplethorpe e Patti Smith |
Outro dos livros é daqueles livros-objectos de que tanto gosto e que devia ir para uma vitrina, é lindo, é pequenino, capa preta, letras prateadas, 'look at me' - Autoportraits du XX.e Siècle de Pascal Bonafoux, (Hors Série découvertes Gallimard). O maravilhoso é que por dentro, todo ele se desdobra, de todas as maneiras, um papel agradabilíssimo e, claro, auto retratos de pintores que tanto admiro, numa edição inteligente e criativa - um gosto! Abro-o, reabro-o, enchantée.
Acima, exemplifiquei, desdobrando uma folha deste maravilhoso livrinho, numa das variantes de dobragem. Aqui podemos ver um auto retrato de Francis Bacon, ('je déteste mon propre visage') e uma montagem de olhares, Van Gogh, Bacon, Picasso, Frida Kahlo, etc, página que tem por legenda 'Se mirer, c'est affronter l'être et sa fonction, L'oeil étonne le voir', Paul Valéry.
O terceiro livro relaciona-se com uma outro dos meus pontos de interesse, a arquitectura. É uma cuidada edição Caleidoscópio, 'Pensar com as mãos' do arquitecto espanhol Campo Baeza.
Leio no próprio livro que Alberto Campo Baeza não tem carro, televisão, relógio, telemóvel.
Leio que na sua biblioteca há mais livros de poesia do que de arquitectura - e fico enlevada pois amar a poesia é um dos pré-requisitos que imagino para uma correcta interpretação da obra arquitectónica.
Leio que no seu atelier não há mais que três pessoas e leio que confessa que é muito feliz.
E, ao ler tudo isto, já eu própria parto feliz para a leitura do livro.
Ao longo dos curtos capítulos vamos percorrendo a sua concepção dos conceitos inerentes à arquitectura: a importância maior da luz, a linearidade, a estrutura - mas vejam bem os maravilhosos títulos que ele vai dando aos capítulos: O sopro de uma brisa suave, Da medida das ideias, Quando o plano se converte em linha, Tempus Fugit, Desenhar no ar, A própria beleza, A luz que constrói o tempo e o espaço, Pregas de luz, etc, etc.
Depois fala de alguns arquitectos que considera especiais (e orgulhosa descobri que ele fala dos irmãos Aires Mateus, de Fernando Hipólito, de Eduardo Souto de Moura, de Paulo H. Durão de que não tinha ainda ouvido falar).
Mas fala sobretudo de alguém cuja obra muito admiro, Luis Barragán, arquitecto mexicano (1902 - 1988), prémio Pritzker. Apenas conheço os seus trabalhos de um livro e da internet mas, mesmo assim, o seu trabalho arrebata-me e já pintei muitas telas inspirada nos seus trabalhos. É uma construção cheia de poesia, sem nada a mais, a síntese perfeita da forma e da luz, uma cor fulgurante, geralmente com uma combinação cromática arrojada e feliz, uma forma inspirada de capturar a luz, transformando-a em linhas de sombra, recantos de sossego, recantos de felicidade em que a luz cai a pique ou desliza pelos muros.
Por isso, o outro livro que juntei ali em cima é justamente sobre Luis Barragan, Editorial RM, S.A. de C.V., México 2001, de José Mª Bendia Julbez, Juan Palomar, Guillermo Eguiarte, Fotografias de Sebastián Saldívar e Prólogo de Álvaro Siza, que folheio e folheio, sempre encantada.
Páginas do livro em que se vê, nesta casa acolhedora de Barragán uma pintura de um outro mexicano, o pintor Diego Rivera (que foi casado com Frida Kahlo) |
In heaven, onde tudo é possível, a mulher de joelhos saíu das páginas do livro, saíu das paredes daquela casa e está aqui e abraça a cesta de lírios, tal como D. Diego Rivera um dia a viu |
Sobre a caruma, livro de Barragan, aberto nas páginas cheias da vida transbordante de cor das suas construções Confesso-vos: se eu pudesse sair por aí fazendo o que me apetece, |
Sophia de Mello Breyner Andresen - Les beaux esprits se rencontrent
('Pudesse eu não ter laços nem limites, ó vida de mil faces transbordantes, pr'a responder aos teus convites suspensos na surpresa dos instantes' - relembra-me Sophia que aqui, in heaven, tem assento permanente; onde haja um recanto à sombra, aqui está ela, com um chapéu de abas largas, parecido com o meu (ou será o meu?), livro nas mãos, palavras soltas ao vento.)
... mas, ia eu dizendo, que se pudesse, saía também por aí, construindo muros coloridos com as cores vibrantes de Barragán, recantos com escadas que pareceriam que não iam dar a lado nenhum, linhas infinitas de luz, fios de água, longos corredores de luz que conduziriam a espaços de paz.
Realmente, a titulação dos capítulos dada por Baeza são realmente atraentes. Vou eu a procurar este livro para ler. Você que é amante dos livros com certeza gostara de dar uma olhada no blog. OSILENCIODOS LIVROS. Um abraço.
ResponderEliminarOlá Regina, Muito obrigada pela visita e pela sugestão. Vou procurar o silêncio dos livros, sim.
ResponderEliminarJM