quarta-feira, março 23, 2011

Portugal anestesiado, alienado, num verdadeiro estado de estupor catatónico e Espanha, aqui ao lado, a fervilhar (e o nossos pequenos políticos a brincar aos cowboys)

Depois de uns dias fora, chego cá de noite e vejo as ruas quase desertas. Num pequeno intervalo de tempo passo de um sítio em que as ruas, a qualquer hora da dia e da noite (especialmente ao fim de semana) estão pejadas de gente que fala, ri, passeia, reclama, enche as lojas, os bares, os restaurantes, as praças, apanha sol em qualquer nesga de relva ou no próprio chão das praças, em que há gente a cantar e dançar em plena rua, em que se vêem muitas crianças, muitas, muitas a brincar, andar de patins, de bicicleta, para um sítio em que quase não se vê vivalma nas ruas.

Rua cheia de esplanadas, de restaurantes, de gente

Nesse local, não muito longe daqui, apesar da multidão que se passeia ou se detém nas ruas, não há sujidade. A qualquer hora se vêem funcionários da limpeza com surpreendente agilidade a varrer o chão, a despejar caixotes de lixo. Andam pelo meio dos transeuntes, desviando-se para não perturbar e, com rapidez, limpam e passam à frente.

No local de onde vim, e onde passei uns dias, as pessoas andam muito arranjadas, as ruas cheiram como nas perfumarias, as mulheres andam elegantes, as raparigas, de curtíssimas mini-saias ou reduzidos shorts, mostram as pernas e equilibram-se em cima de saltos altíssimos e ninguém se vira para olhar porque são muitas, muitas, são todas, e isso é o normal.

Jovens nas ruas da cidade, as mulheres sempre elegantes, dressed to kill
Muitos homens andam nas ruas como se saíssem de folhetos de moda. E os casais gay (masculinos ou femininos) andam abraçados, de mãos dadas ou aos beijos sem que alguém ache estranho.

Casal gay namora na relva num jardim cheio de gente
E eu acho que isto é cosmopolitismo. Tolerância, civismo.

Mas nem tudo é festa. Claro que também há pobres. Vejo muitos a fazerem de homem-estátua e, do movimento que observei, presumo que muitos são os que à noite fazem a cama entre caixas de cartão.
  
Um dos muitos homens-estátua que se vêem por toda a cidade

Pedintes (refiro-me aos que se limitam a pedir uma moeda) também alguns mas, dos que vi, não mais que uma dúzia. Mas há muitos que, em parques ou locais de grande afluência, fazem pequenas habilidades como bolas de sabão, brincadeiras com o cão ou coisas do género e recolhem moedas em pequenas latas. E há muitos que tocam instrumentos musicais (o que alegra as ruas). Ganham dinheiro assim e a gente presume que façam parte dos cerca de 20% de desempregados (que é um número assustador).

Violinista na entrada do Palácio Real: um dos muitos músicos de rua

Mas, se o são, estão ocupados e a gente o que vê pelas ruas, por todas as ruas, é diversão, boa disposição.

Claro que também se vê prostituição (não sei se contam como desempregadas) e é non stop, 24 horas por dia, as mulheres ali estão, no meio de uma das ruas mais frequentadas, na mesma rua onde está a esquadra de polícia, elas ali estão ao pé do Mcdonals, ao pé da loja de noivas, de alto a baixo da rua, na maior convivência com a população que não se admira com a situação. Botas até meio da perna, mini-saia e calções ínfimos, bolsa a tira-colo, abordando os homens que passam sozinhos, a polícia a circular ao lado, no big deal.

Prostituição nas calles mais movimentadas, neste caso a escassos metros da esquadra da Polícia 

Os museus? Cheios, absolutamente cheios, sempre os vi com grande afluência mas agora estava muito mais gente que antes, um bulício incrível, os jovens a irromperem em alegria pelas salas, uma coisa gostosa de se presenciar.

Guernica de Picasso, no rainha Sofia: sala a deitar por fora - a maioria são jovens

Turistas? Por todo o lado. Grande parte dos milhares de pessoas que circula pelas ruas, pelos jardins, pelos museus, que enche bares e restaurantes, é seguramente de fora, e vêem-se muitos ingleses, japoneses claro (estão everywhere, aparentemente indiferentes ao que se passa no Japão), mas também muitos italianos.

Há vitalidade no ar, há um clima de vivacidade contagiante, entre sábado e domingo assisti a duas grandes manifestações (mas de curta duração, em cerca de 1 ou 2 horas a manifestação ocorre, alegre, ruidosa e logo de desmancha e cada um vai às suas; no principal largo, um pouco antes montaram um palco, instalação sonora e baias de protecção e mal a manifestação saíu desse largo tudo aquilo foi quase instantaneamente desmontado).

Manifestação contra os despedimentos na Prisa:  '2.514 despedidos. Só faltas tu, Cebrián'

Chego cá e parece que aterrei noutro planeta. Silêncio. Ruas quase vazias.

Isto reflecte bem a grande diferença entre a extraordinária vitalidade de Espanha e o fatalismo auto-punitivo de Portugal.

Madrid fervilha de emoção, move-se com alegria e vivacidade enquanto Lisboa, a bela, se recosta nas colinas, romântica, melancólica.

Assim são também as respectivas economias.


[E nem quero falar na macacada que se está a armar aqui. Sócrates portou-se mal, imperdoavelmente mal, ao levar o PEC 4 a Bruxelas sem passar cartão aos orgãos de soberania nacionais. É certo que o poder de decisão nesta altura está mais em Bruxelas do que em Lisboa. Mas há mínimos. Levar aquilo a Bruxelas e nem falar com o PR? Marimbar-se para a AR? Nem aprovado pelo Governo aquilo estava. O pressing, as reuniões permanentes, cansaço, urgência, tudo isso mais a raivinha pelo discurso de cavaco, e meia bola e força: PEC para Bruxelas. Mas isto não é assim. Cartão vermelho, Mr. José Sócrates.

Mas eleições agora?! Estão a brincar?! Meninos birrentos e mal-educados. Impreparados para os lugares que ocupam. Maça-me, esta gente.

Tal como o Titanic a afundar-se enquanto o pessoal continuava a dançar no convés, assim este desgraçado país. À beira do colapso financeiro, andam estes tontos - PPC mais o seu saco de gatos, Sócrates à beira de um ataque de nervos, agarrado à beira do telhado, Portas a dominar a histeria com trejeitos e sorrisinhos, o PC e o Louçã alheados da realidade, Cavaco Silva a brincar às múmias, 'eu não comento, eu não digo, eu não faço' - a fazer de conta que sabem o que é Política. Não sabem. (Mas fomos nós todos que os pusémos onde estão - não nos desresponsabilizemos)

Alguém com tino no próprio PS deveria dizer ao Sócrates, 'meu amigo, apreciamos a sua dedicação, o seu esforço mas olhe, portou-se mal, agora vai ficar de castigo. Para o banco, sossegado' e pegava talvez no António Costa e negociava com o PSD (há-de lá também haver alguém com tino), nuns quantos independentes que tenham noção do que é o sentido de Estado e um ou outro das franjas e entendiam-se para governar aqui a piolheira.

E, bem entendido, se não é para gerir situações assim que existe um Presidente da República, então para que é? Será possível que Cavaco Silva vá deixar o País afundar-se só para dar cabo do Sócrates?

Deprimente.]


Nota: Com o que escrevi acima não quero dizer que acho os espanhóis o máximo. Em termos tecnológicos e de gestão - e do que conheço pessoalmente e dos vários testemunhos de que tenho conhecimento - estão abaixo de nós a nível de qualidade de gestão e tecnológico. Escrevi-o já aqui há tempos: trabalhar com eles é do pior que há. São desorganizados, trapalhões, diz-que-diz e 'te ruego pérdon'' -ou seja, uma novela mexicana que nós estranhamos. Mas compensam isso com a escala e com a fantástica confiança que os atira para a frente.

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