Já aqui falei nisso muitas vezes: casei-me com vinte anos. Estudava (ia às aulas, fazia trabalhos, tinha exames) em metade do dia e, na outra metade, dava aulas.
Depois fui trabalhar para uma empresa. Usava diversos transportes públicos e, numa parte do percurso, uma carrinha da empresa. Saía de casa às sete e picos da manhã e chegava às sete e tal da tarde e, como coincidiu com o inverno, já era de noite. Entretanto engravidei. E ali andava eu. E até aproveitava um dos transportes para fazer rosetas de lã em crochet para fazer mantinhas para o berço.
Depois nasceu a minha filha. Mudei de local de trabalho mas continuei a usar diversos transportes, aliás ainda mais, pois, antes de ir trabalhar, ia deixar a bebé a casa da minha sogra. E ao fim do dia a mesma coisa. Com ela ao colo, com sacos, em eléctricos, em autocarros. O meu marido estava na altura na Marinha e não conseguia andar ele a levar a nossa filha. Além do mais, eu amamentei-a até tarde. Ou seja, dava-lhe de mamar antes de ir trabalhar e, à tarde, mal chegava a casa da minha sogra, dava-lhe outra vez de mamar.
E logo a seguir engravidei do meu filho e aí levava-o a ele, levava-a a ela ao colégio. Felizmente (felizmente, neste sentido), entretanto o meu marido já estava a trabalhar numa empresa e já conseguia participar nesta logística, aliviando-me um pouco.
Nessa altura comecei a ter muito mais trabalho, com muitas reuniões, indo de vez em quando para fora de Lisboa e, por vezes, para fora do País.
Ou seja, não conseguia ter tempo de qualidade em casa.
Nessa altura os nossos filhos ainda não namoravam nem tinham os seus próprios compromissos, salvo algumas festas de anos ou práticas desportivas. Por isso, tínhamos margem para, ao fim de semana, combinar almoçaradas, picnics e passeios com amigos. E tínhamos também que visitar a família. Nessa altura ainda estavam todos vivos. Por isso, nem ao fim de semana eu conseguia estar calmamente em casa.
E depois arranjámos a casa no campo e, por isso, os fins de semana passaram a ser lá mas era uma logística complicada, carregados de comida e toda a espécie de tralha. E havia obras, andávamos a plantar arvores, a família também ia muito lá.
Depois veio o tempo da velhice e das doenças dos pais de ambos, o que nos exigia visitas, trabalhos, fazer compras e ir lá levar, etc.
Até ao fim (salvo os tempos do confinamento e do teletrabalho) diariamente saía cedo de casa e chegava ao fim do dia. Horas e horas de trabalho, rematadas e iniciadas com horas de trânsito.
Quando estava a aproximar-se o tempo de nos reformarmos, o meu maior sonho era poder ficar em casa sossegada.
Contudo, mal me reformei, tive um problema num joelho que me obrigou a exames e tratamentos, depois veio a Covid e o sono que nos trouxe, depois vieram as crises da minha mãe, estando duas vezes internada, depois veio aquele período em que eu julgava que ela andava constantemente com crises de hipocondria e várias vezes fui com ela para o hospital passando lá a noite inteira à espera. O desfecho foi o que eu não esperava, ao descobrir que, afinal, estava mesmo doente e de forma terminal.
Portanto, só recentemente me vi com disponibilidade para ficar em casa sem encargos, sem afazeres, sem preocupações. De vez em quando sinto que o meu corpo e a minha mente ainda não aprenderam esta nova realidade pois parece que ainda receio que venha alguma má notícia, parece que ainda receio afastar-me muito pois 'pode acontecer alguma coisa'. Mas, finalmente, começo a usar os meus dias para fazer aquilo de que gosto.
Por exemplo, hoje, depois do pequeno almoço, pus-me 'à verão' e fui sentar-me ao sol. Levei um chapéu e um livro. Ouvia os passarinhos enquanto lia. Uma maravilha. Entretanto, o meu marido foi desbastar um bocado de uma sebe para podermos ter mais sol no sítio onde eu estava.
Depois fomos ao supermercado, ele foi comprar uns jeans e trouxemos o almoço de lá.
Aqui já em casa, almoçámos e fui outra vez sentar-me ao sol a ler. Depois vim para casa, estive a fazer coisas que devia. Mas tudo tranquilamente, na boa, sem pressas, sem stresses.
Ao fim da tarde, a temperatura amena, a luz muito dourada, os passarinhos a esvoaçarem junto a mim, o cão sentado ao meu lado, pensei que finalmente, ao fim de tanto e tanto tempo, posso usar descansadamente a minha casa.
E é tão bom, tão, tão bom. Sinto-me feliz, agradecida.
Olá querida Um Jeito Manso,
ResponderEliminarHá dias assim em que nos sentimos felizes e gratas por tudo o que conquistámos e mantemos. A nossa casa, a sua paz, o prazer de um banho reconfortante e até uma fatia de pão com manteiga e um chá quente nos sabe ao melhor dos manjares.
Nesses momentos lembro-me de quantos inocentes, sem nada, vivem guerras que parecem não ter fim, por vontade de criminosos que nem sei bem o que os move além da maldade.
Na minha idade, e já antes dela tambem, que digo não aos luxos, á fartura seja do que fôr.
Esqueçamos por momentos as injustiças desta sociedade cheia de prepotencias, egoismos e falsidades´
Saibamos aproveitar o que de bom ainda temos, pois bem merecemos.
Muita saude alegrias e mimos.
Um resto de boa semana