Quando eu era pequena via muitas vezes o meu avô a escolher folhas ripadas, a estendê-las, a prepará-las para o trabalho. Creio que com canas fazia os moldes e depois ia entrançando em volta.
Leio que:
A empreita de palma consiste no entrançar de “tiras ripadas” da folha da palmeira-anã, em longas “fitas”, e é um dos elementos mais enraizados na cultura material algarvia. Era utilizada na realização de artefactos do quotidiano rural, no acondicionamento e transporte de bens e alimentos, em objetos para uso doméstico, nos trabalhos agrícolas, na pesca e em alguns objetos de uso pessoal.(...) O modo de produção dominante pouco foi alterado ao longo dos anos. No início do processo, as folhas de palma são secas ao ar e depois ripadas pelas nervuras, resultando em “tiras” que variam de largura, em função do tipo de trabalho que se pretende. A “empreita” consiste na produção de longas “fitas” feitas a partir das tiras de folha entrançadas, de diversas larguras. Cada fita é arrumada em rolo à medida que é produzida, atingindo vários metros de comprimento. Tradicionalmente, as fitas são cosidas com “baracinha” ou “tamissa”, ou com tiras de palma, para dar a forma do objeto pretendido, criando um tecido contínuo com uma trama diagonal (BRANCO; SIMÃO, 1997).
Não creio que o meu avô usasse ripas de palmeira-anã pois não tenho ideia de as haver por ali. Provavelmente usava algum sucedâneo. Mas quem sabe ele teria descoberto algumas dessas palmeiras.
As cestinhas onde eram colocados os ovos das galinhas da sua capoeira ou as cestas das nêsperas ou das ameixas ou de outra fruta que apanhava nas suas árvores eram feitas por ele. Identicamente fez algumas alcofas úteis para transportar compras.
Quando eu era miúda, pedi-lhe que fizesse algumas para nós e sei que ele as fez, lembro-me de as ver em nossa casa, isto é, na casa em que eu vivia com os meus pais. Mas agora, quando lá andei a escolher e retirar coisas, não encontrei nenhuma. E tenho pena.
Também tenho pena de nunca ter fotografado o meu avô a fazê-las e de não lhe ter pedido que me ensinasse.
Gostava muito de assistir àquela sua arte mas creio que era a única, para além dele. A minha avó até se irritava pois preferia usar as suas taças de louça ou vidro e não aquelas, campestres, que transportavam a memória do Algarve. E os meus pais também não faziam questão. Provavelmente achavam-nas demasiado rústicas para a nossa casa.
Neste momento, as cestas de empreita feitas pelo meu avô só existem na minha memória. Com sorte existirão também na lembrança da minha prima.
Hoje, ao abrir o youtube, apareceu-me o vídeo abaixo. Gostei muito de ver. Fazer peças com as próprias mãos é, para mim, sempre muito especial pois uma parte de quem as faz fica ali.
Já agora, por curiosidade:
Desvendando a arte do vime em Villaines-les-Rochers
| Passos da Hermès em todo o mundo
Entre as ruas tranquilas e as casas de pedra de Villaines-les-Rochers, uma antiga vila na França, existe a tradição de trabalho em vime. Mãos hábeis tecem meticulosamente os finos ramos do salgueiro petite grisette, transformando-os em obras de arte.
A arte do trabalho em vime é praticada desde o século VII em Villaines-les-Rochers e é perpetuada pelos cerca de cinquenta trabalhadores em vime e cesteiros da cooperativa local de vime criada em 1849.
A Hermès, parceira desta estrutura há mais de quarenta anos, reforçou o seu compromisso ao longo do tempo, num espírito de criatividade constantemente renovada. Dos objetos domésticos, a colaboração estendeu-se à incorporação de bolsas e acessórios de moda, fomentando uma cultura de inovação e criatividade.
Ao promover estas competências excepcionais, novas vocações são inspiradas e o ofício continua vivo.
É com enorme tristeza que a rapaziada da nossa idade perceba que toda essa habilidade de artesãos morreu ou em vias de extinção.
ResponderEliminarO Sapateiro que todos recordamos com saudade que nos tirava as medidas e nos fazia as botas ou sapatos.
O Barbeiro onde passávamos horas de espera para cortar o cabelo ouvindo historias dos mais velhos e acontecimentos da vida do burgo.
O Padeiro onde se vendia pão ao quilo e se não chegava ao peso, partia mais um bocado até perfazer o peso.
Na mercearia, ir comprar manteiga dos Açores que estava em latas grandes e com uma espátula de madeira ao espetar na manteiga espirrava água salgada para a nossa cara, e depois enrolada em papel manteigueiro grosso cinzento.
Ou ir buscar uma quarta --250g-- de café moído na hora nos moinhos grandes em inox que nos enchia o nariz com o seu perfume característico durante a moagem.
Ou ir comprar queijo dos Açores onde o SR Francisco com uma grande faca partia uma fatia do enorme queijo açoriano.
Ou a salsicharia onde no quintal se ouvia o grunhido dos porcos a morrer na banca, e depois ir comprar a carne para as migas ou lombo para o forno ou outra coisa qualquer, como a banha para fritar carne e até barrar na torrada feita ao lume de chão, que bom que era.
Ou o latoeiro que fazia e remendava os potes de azeite para o guardar durante o ano.
Ou a Senhora que numa máquina grande que eu adorava ver ela a passar o cursor de um lado para o outro para fazer blusas de lã previamente encomendadas.
Ou a drogaria onde se comprava de tudo um pouco, como nas lojas dos chineses de agora.
Ou o leiteiro que vinha com o seu carro de mão com os cântaros cheios da ordenha das vacas horas antes de nos bater á porta para vender o leite. E que bom era aquele leite com gordura á superfície quando na cozedura, era um leite espesso que nos enchia o estâmago. Que bom eram as sopas de leite com pão alentejano.
E o Alfaiate, que me fez o primeiro fato aos quinze anos, e na tarefa da medição do corpo me perguntou : para que lado veste? Eu atrapalhado, olhei para o meu pai, e ele percebendo lá me disse o que pretendia o Sr. Alfaiate, e lá respondi que era para todos os lados vendo um sorriso matreiro no rosto do Alfaiate. O que podia um jovem de quinze anos, dizer o lado de aconchego dos "ditos cujos" quando nessa idade não têm poiso certo?
E tantas, tantas outras recordações de infância que guardo com enorme carinho e saudade. Tudo coisas que os meus mais queridos nunca vão saborear dessa vivência, que eu e todos guardamos secretamente, e que nos faz tantas vezes em períodos de alguma nostalgia regressar ao passado. Enfim, como diz o outro, é a vida.