Estou muito cansada. Não foi a manhã nas compras com a minha menina linda, quase da minha altura, ligeira e apressada. Ela gosta de fazer compras e, por isso, o presente não será tanto o que compra mas o prazer de andar às compras. Decidida, objectiva, pragmática, ela já traz a lista das lojas onde quer ir. Chega, olha em volta, circula, vai direita àquilo que lhe agrada, pega no que lhe interessa e vai aos provadores. Isto se for roupa, claro. Como as medidas que levou são as dela, veste, fica-lhe bem e, sem hesitação, decide: 'Por mim, está feito'.
Nos adereços ou nas agendinhas a mesma coisa. Depois ajudou na escolha de presente para os manos.
Depois fomos almoçar e é também ela, sem pestanejar, que resolve o que vai comer.
Um prazer andar às compras com ela. Sempre bem disposta, sempre conversadora, sempre com ideias.
O irmão mais novo andar às compras é coisa que não pratica. Para o do meio, se tem que ir, é uma tortura, fica furioso, impaciente. Os primos são igualmente despachados e resolutos. Nem vale a pena eu tentar sugerir alguma coisa pois a resposta é invariavelmente: 'Com todo o respeito, Tá, mas eu teria vergonha de usar isso'.
Como a mãe do menino do meio tinha sugerido para esse filho uma camisola de malha, no outro dia aproveitei as compras com os primos para me ajudarem a escolher uma camisola à maneira. Ficaram estupefactos. Não acreditavam. Não podia ser, já ninguém usa camisolas de malha, diziam-me os dois. Por mais que eu lhes pedisse que se deixassem de preconceitos e me ajudassem a escolher, recusaram-se: 'Com todo o respeito, mas não vamos sujeitá-lo a isso. Uma camisola de malha? Vão gozar com ele.... Com todo o respeito mas já ninguém se veste assim...'. Liguei ao meu filho, passei-lhe o sobrinho mais velho, ele que ajudasse a esclarecer. Disse que esse era pelouro da mulher. Passou o telefone. Ouvi o mais velho a falar com a tia. Não estava nada confiante. Quando desligou, vencido mas não convencido, disse: 'Diz que é para ele vestir quando for almoçar a casa dos avós... Só mesmo se for para isso...'.
Lá arranjámos uma solução de compromisso. E só espero que não façam daqueles comentários junto do primo que vai receber a dita camisola....
Este ano as compras foram feitas sem grande (ou pequena) inspiração. Nem decorações natalícias ainda fizemos. Temos duas árvores estilizadas que se ligam e ficam com luzinhas e são as únicas que aqui temos.
Temos que arranjar mais qualquer coisa mas a verdade é que não nos tem sobrado tempo.
A tarde inteira foi como as anteriores. Para agravar, um trânsito dos diabos. Depois, como é natural, muitos telefonemas, amigos de longa data a telefonar, a dar notícias. E depois quem sabe do que se passa a desejar bom natal e a querer saber da situação. E as mensagens. Várias, amigas, palavras de conforto e estima. Gosto, fico sensibilizada, aquece-me o coração. Mas estou a falar com uma pessoa e, ao mesmo tempo, várias outras chamadas a quererem entrar. Às tantas fico em stress. o meu marido enerva-se, diz que não sabe como consigo estar tantas horas ao telefone e trocar dezenas e dezenas de mensagens. Mas é natural: juntam-se os votos de boas festas aos votos de boas melhoras.
Lá, no hospital, a minha mãe pediu para eu fazer chamadas em nome dela, a algumas amigas. Não me é fácil. Estava ao pé dela. Por isso, como é lógico, não entro em pormenores, relativizo, aligeiro. Mas há um esforço permanente para não usar nenhuma palavra a mais nem a menos, não mentir mas também não falar verdade, não desvalorizar mas não valorizar.
Um dia, mais tarde, não sei quando, hei-de conseguir falar destes tempos tão complicados, tão difíceis. Nos primeiros dias ia-me completamente abaixo, não tinha mão em mim, não era sequer capaz de falar com os médicos, estava arrasada, incapaz de processar. A minha filha é que teve que se chegar à frente. Mas agora está constipadíssima tal como o meu filho. Ambos apanhadíssimos. Portanto, hoje fui sozinha. Não fazia sentido ir o meu marido. Não costuma ir. Se o visse, a minha mãe era capaz de estranhar e preocupar-se ainda mais. Portanto, enchi-me de coragem e fui sozinha.
Dito assim pode parecer uma fragilidade ou cobardia excessivas da minha parte. Pode parecer e, se calhar, é. Quando eu for capaz de falar de forma explícita talvez compreendam a especificidade, o insólito e inesperado da complexa situação e o brutal impacto que está a ter em mim.
Mas começo a reagir. E, como sou extrovertida, falo sobre os assuntos e, por isso, a quem me pergunta como estão as coisas, a algumas das pessoas que sei que têm capacidade para compreender, conto e ouço o que me dizem -- tal como leio com muita atenção e carinho os comentários que aqui me deixam ou os mails que me enviam --- e, portanto, parece que o peso que me caiu em cima começa a pesar-me menos. Sinto-me mais conformada e resistente, talvez mais corajosa e, até, talvez comece a ganhar a capacidade de encarar as coisas com algum pragmatismo.
Mas a longa tarde lá e os longos telefonemas e as múltiplas mensagens deixaram-me muito exausta.
Fomos caminhar à noite, quando chegámos. Um gelo ártico. Mas soube-me bem. Tal como me soube bem o banho quente a seguir. Temos comprado comida pois nem há horários nem disposição para culinárias. Valha-nos isso pois, a seguir aos banhos, o jantar está só à espera de ser aquecido.
E agora está a começar a dar-me o sono.
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Um dia feliz
Saúde. Coragem. Força. Paz.
Olá, UJM
ResponderEliminarPela desenvoltura dos seus meninos vejo há que
anos aqui venho e sempre com um prazer renovado.
Gostei de saber deles, da menina tão decidida,
lembra-me a minha filha que sabia sempre o que
vestir e comer...
O episódio da camisola dá-nos a ideia exacta
de como o tempo passou. Todos crescidos e com as
próprias ideias.
Aproveito para lhe desejar um Excelente Natal, na
medida do possível, mas fazendo por isso.
Tenho acompanhado a sua aflição pelo que nos diz aqui,
e espero que as coisas se aliviem e reencontre a
boa disposição que lhe conhecemos.
BOAS FESTAS!
Beijinhos
Olinda