segunda-feira, outubro 09, 2023

Viajar. Ler. Estar.

 


Tenho uma amiga a passear em Itália, outro anda pela Grécia, outra está na Turquia. Outras duas, separadamente, vieram há pouco dos Açores e uma pessoa da minha família próxima chegou hoje de uns dias de férias em Paris. Outro anda em Trás-os-Montes e outra, que vive fora e cá veio de férias, sei que anda por aí, por 'este nosso belo país', mas neste momento não sei por onde. 

E eu, que tanto gostava de passear e que tanto passeei, parece que me fui desabituando disso ao longo dos anos em que, por o meu pai estar mal e sempre naquele limbo em que qualquer coisa de pior poderia acontecer a cada momento, ganhei receio a afastar-me não fosse dar-se o caso de não estar por perto em caso de emergência.

Além disso, agora não há o permanente estado de quase alarme em que vivia na altura do progressivo declínio do meu pai, mas há a minha mãe que, com os seus noventa anos e a sua tendência para a ansiedade quando algum sintoma se anuncia (mesmo que ao de leve), faz com que também não me sinta confiante em afastar-me.

Como entretanto mudei de casa e adoro aqui estar, nesta minha tranquila casa que tem um jardim tão romântico e sereno, já para não falar naquele lugar tão especial a que aqui chamo heaven, e porque, por ter deixado de trabalhar, tenho agora tempo para os desfrutar, parece que deixei de sentir o apelo por me pôr a caminho.

Com tudo o que já visitei, com todas as viagens cá e lá fora que já fiz, com as fotografias que toda a gente envia de todo o lado, com os sites, com os documentários, os vídeos e tudo o mais que por aí há, parece que tenho a sensação de que já não me surpreenderei muito com o que tenho por ver, se lá estiver, ou seja, in loco

Sobretudo, sabe-me muito bem estar. Permanecer. Desfrutar. Não ter que fazer malas, estar a ir e vir. E o meu marido está na mesma. Adora o sossego. Adora poder ler ou ver televisão ou passear com o cão ou o que lhe apetecer, sem a preocupação de ter que se despachar para ir fazer outra coisa qualquer.

Talvez daqui por algum tempo, me dê uma daquelas travadinhas que me leva a querer mudar de vida e não descanse enquanto não me puser a caminho. Mas, por enquanto, sinto uma grande felicidade em estar sossegada, poder acordar tarde, caminhar por aqui perto ou ir até à praia, jardinar, regar, lavar, varrer, cozinhar, etc., ler, escrever até às tantas, ter a família reunida ao fim de semana (ou nos dias feriados), comunicar-me com amigos, por vezes estar com eles. 

Sobre livros, a minha filha queixa-se que parece que não encontra agora livros que a encantem. Frequentemente deixa-os a meio, sem paciência para esforços que sabe de antemão que não vão compensar. Eu, desde há algum tempo, também estou assim. Mesmo muitos daqueles livros altamente propagandeados ou ditos clássicos agora me parecem básicos, sem substância ou arte. Disse-me ela que, do que tinha lido ultimamente, só um lhe tinha parecido digno de realce, 'As primas' de Aurora Venturini. Por isso, comecei hoje a lê-lo. E é verdade, ela tem razão: só não foi de penalti porque se meteram outras coisas. Mas amanhã com certeza que vai. Depois digo porquê.

Ela estava a ler e acabou-o cá, hoje à tarde, 'O quarto do bebé'. Eu já o espreitei e também me pareceu demasiado plain mas ela diz que se lê bem, que não é nenhuma obra literária, que, por ser de quem é, também estava à espera de outra coisa, que é um diário e que se percebe que é autobiográfico e que, por isso, à parte os bocados em que Anabela Mota Ribeiro descreve sonhos e outras partes mais nhec-nhec, se deixa ler sem sacrifício.

Não sei se é como nas viagens. A gente já leu tanto de tudo que, às tantas, já tudo parece simplório ou dispensável.

Por acaso o meu filho no outro dia disse que estava a ler um livro e que era talvez dos melhores livros que já tinha lido. Sabendo-o também exigente, fiquei curiosa. Mas era um nome algo estranho, não fixei. Não posso esquecer-me de lhe perguntar. Só que receio que seja um daqueles livros gigantes que ele lê com facilidade mas que a mim já me custam. Parece que agora também já tendo a sentir um certo sentimento de rejeição em relação a livros muito grandes, com mais de trezentas ou quatrocentas páginas.

Enfim, cenas.

Tirando isso, é pena que o mundo não se amanse, que as pessoas não ganhem tino. O próprio planeta devia arranjar maneira de espalhar pelos ares uns pozinhos de perlimpimpim que deixassem as pessoas todas numa de peace and love.

______________________________________________________________

A fotografia é da autoria de Matt Coughlin e Eva Cassidy interpreta Autumn Leaves

____________________________________________________

Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Amor. Paz.

6 comentários:

  1. Esperemos que os livros que a senhora vai publicar não sejam "básicos, sem substância ou arte".

    ResponderEliminar
  2. Car@ Anónim@

    Primeiro tenho que vencer o primeiro e enorme obstáculo: publicar.

    Depois, se um dia o conseguir, quem os ler ajuizará.

    Mas obrigada pelo voto de confiança: é bom saber que há quem acredita que vou conseguir chegar lá.

    ResponderEliminar


  3. " é pena que o mundo não se amanse, que as pessoas não ganhem tino. O próprio planeta devia arranjar maneira de espalhar pelos ares uns pozinhos de perlimpimpim que deixassem as pessoas todas numa de peace and love.

    Concordo consigo !

    A.Vieira

    ResponderEliminar
  4. Já não viajamos. Chego a Praga e tenho a sensação de já lá ter estado. A geografia está nas imagens que consumimos até à exaustão. Estar não estando é o turismo do futuro. Será que ser não sendo é o que nos espera com a IA?

    ResponderEliminar
  5. Olá A. Vieira,

    Quando concorda comigo tenho por hábito ir à janela e atirar um foguete.

    Por isso, aí onde está, quando ouvir um foguete já sabe que sou eu a festejar... :)

    Abraço!

    ResponderEliminar
  6. Olá Anónim@

    Creio que, na altura, o contei. A senhora que vem cá a casa, uma tarde por semana, ajudar nas limpezas, aqui há tempos foi com o marido e os filhos a Paris e à Eurodisney.

    Pois, veio de lá decepcionada. Da Eurodisney ainda gostou um pouco. De Paris não, achou tudo mais insignificante que imaginava. Já 'conhecia' tudo mas pensava que, ao vivo, seria tudo 'em grande'. Afinal, uma desilusão.

    E eu, ao ver as fotografias que os meus amigos enviam dos sítios onde estão, não apenas me parece tudo mais do mesmo como fico com zero de vontade de lá ir. Só a maçada das viagens... para, no fim, ir ver o que já vi, quanto mais não seja em fotografias e vídeos...?

    Por enquanto tenho evitado fazer visitas virtuais em museus a que gostaria de ir pois sei que, se vir, ampliar, vir ao pormenor, perco a vontade de lá ir ver ao vivo.

    O que diz do turismo do futuro é capaz de vir a acontecer.

    Quanto a isso que diz, de 'ser não sendo', é altamente apelativo do ponto de vista filosófico, mas muito perturbador. É como aquilo que os operadores de comunicações anunciam com a 6G, com as pessoas a escusarem de 'ir' porque o seu holograma pode lá estar. E os outros falam com o holograma como se falassem com o próprio. Tem vantagens, claro (evita deslocações, perda de tempo, etc) mas é um mundo que, às tantas, é habitado por seres inexistentes, réplicas nossas.

    Um mundo que caminha não sabemos bem para onde, não é?

    ResponderEliminar