segunda-feira, abril 17, 2023

Um domingo feliz

 

A minha mãe, sabendo que quando a maltinha está junta, é para durar, preferiu ficar a descansar temendo ter que enfrentar muitas horas seguidas de confusão. Mas os que veranearam por terras do White Lotus (segunda temporada) e redondezas regressaram no sábado à noite e a turminha que veraneou por outras bandas também tinha o domingo livre. E nós cá estamos sempre de braços abertos para os recebermos.

Por isso, foi com toda a alegria do mundo que cá os tive hoje em casa e os vi a brincar e a rir, todos desfrutando o calor de uma tarde que parecia de férias e verão.

Há pouco, quando aqui me sentei, vi o vídeo abaixo e fiquei a pensar que deve ser doloroso querer estar radiante com o nascimento de um filho e, estranhamente, sentir tristeza, incapacidade de amar e de estar feliz.

Por sorte, não me aconteceu isso. Talvez tenha a ver com a envolvência. Se uma mãe recente se sentir sozinha, sobrecarregada, cansada, acredito que sinta algum desamparo e abandono e talvez isso impeça a fruição do prazer de ter um filho. 

A mim, o mais perto disto que me aconteceu foi quando nasceu o meu filho. A minha filha ainda não tinha três anos e o meu marido estava a trabalhar há pouco tempo numa multinacional, tendo geralmente projectos com prazos apertados e responsabilidades alargadas. Nem havia licença de parentalidade.

O parto do meu filho, tal como o da minha filha, foi com fórceps. Por isso, eu tinha sido cortada e cosida. O meu filho era muito grande e sempre foi especialmente irrequieto. Mesmo na barriga, dava cambalhotas com tamanha força que me deixava incomodada, como se revolvesse todas as minhas vísceras.

Quando nasceu, mexia-se muito, nunca usou chucha, se eu tentava que se habituasse agoniava-se, e mamava sofregamente, engasgando-se. E, depois, de noite, chorava tanto que não me deixava dormir. Eu dava-lhe de mamar de duas em duas horas e, às tantas, estava tão cansada que não sabia se já lhe tinha dado de mamar ou se era isso que tinha que fazer. Por vezes, para ver se ele se calava, punha-o na minha cama mas tanto se mexia e tanto chorava e esperneava que, por vezes, bolsava-se todo, ficando a cama toda molhada e mal cheirosa. O meu marido, cansado que andava, por vezes chegado do norte às tantas da noite, conseguia dormir. Mas eu quase não dormia.

E de dia tinha que tratar dele e da minha filha que, obviamente, requeria todos os cuidados devidos a uma criança que nem três anos tinha e que, para agravar, era super vagarosa a comer. Eu preocupava-me muito com a comida dela, queria que ela comesse tudo o que era de lei e ela precisava de uma hora para comer devagarinho tudo o que estava no prato. E tinha que lhe dar à boca e distrai-la (coisa que hoje reconheço que era um disparate mas, na altura, eu temia que, se ela não comesse tudo aquilo, ficasse subnutrida). Isto com o outro a gritar por todo o lado, sempre com fome, sempre a querer colo e brincadeira.

Quando cheguei da clínica, os meus pais eram para lá ter ficado a ajudar. Mas a minha avó materna teve um problema qualquer de coração e foi internada, Por isso, a minha mãe entendeu que devia ir para junto da mãe. 

E eu, sem quase conseguir dar passo, quase sem me conseguir sentar, com o leite a subir (que é do pior que há), com o peito a encaroçar-se, quase febril, uma menina pequena a chorar porque queria o porta-bebés para a boneca, um bebé recém-nascido que não parava de chorar e que se agoniava com a chupeta, e vendo os meus pais a dizerem que não podiam ficar a ajudar-me, senti-me seriamente desamparada. Hoje o pai tem dias (ou melhor, tem pelo menos um mês) para ajudar nesta fase crítica. Mas, na altura, isso não existia.

Na altura não tínhamos empregada. E na altura ainda não havia fraldas descartáveis. E poucos supermercados havia. Não sei como conseguia ir às compras com o bebé no carrinho e uma menina pela mão, e eu quase sem me conseguir mexer. 

Mas consegui. Fiz das tripas coração, que remédio.

Uma outra vez de que me lembro pois foi mesmo muito má (e de que aqui já falei) foi quando andava a arranjar uns dentes e, para não perturbar muito a minha rotina de ir buscar um e outro e ir com eles para casa (sem carro), pedi para juntar duas ou três sessões, já não me lembro.

O dentista, familiar, desaconselhou. Mas era-me tão difícil ir do trabalho para a Avenida de Roma, de lá para a minha sogra, da minha sogra, com o bebé ao colo e nos transportes públicos, para a escola da minha filha e de lá, com os dois para casa, que lá me fez a vontade.

Anestesia para além da dose, portanto.

A meio do caminho senti-me meio zonza mas não havia telemóveis e não tinha como, na rua, pedir ajuda ao meu marido. Sobretudo, não podia deixar a minha filha à espera. Portanto, com dificuldade, lá consegui ir buscar um e outro e, com ambos, chegar a casa. Mas já ia feita num oito. Agoniada, uma dor de cabeça que não via nada. Pus o bebé na caminha dele e tentei que a minha filha brincasse. E deitei-me pois não me aguentava de pé. Não a descalcei. Então ela andava com os sapatos em cima da cama e eu sentia a cama a encher-se de areia. E foi para dentro da cama do bebé. Eu via aquilo e não conseguia impedir. E ele chorava como se não houvesse amanhã. E eu impotente, incapaz de cuidar deles. De vez em quando ia à casa de banho vomitar e de lá vinha fazendo um tremendo esforço para não desmaiar.

O meu marido chegou tarde e encontrou aquele panorama.

Mas foi um episódio. Foram fases. Apesar das dificuldades e do cansaço, sempre me senti muito feliz com eles. E arranjava maneira de os fotografar, encantada com eles, sentindo-me bem aventurada, abençoada por ser mãe de duas crianças tão amadas, cantava para eles, arranjava maneira de lhes dar atenção, de brincar com eles. 

São agora adultos, bem resolvidos, bonitos, bem dispostos, mãe e pai de família, com filhos felizes, cada vez mais crescidos. E eu, vendo-os assim, vendo a descendência toda reunida, penso que todos os momentos que vivi desde que os comecei a sentir dentro de mim até aos dias de hoje valeram completamente a pena. Tudo valerá sempre a pena. São momentos sempre abençoados e pelos quais me sentirei sempre infinitamente agradecida.

Mas, por ser assim, mais percebo a angústia de quem sente ou sentiu depressão pós-parto. São sofrimentos que deixam marcas para o resto da vida. Ainda por cima, no caso abaixo, ela não sabia que tinha uma depressão pós parto, pensava apenas que era uma mãe desnaturada, indigna de ser mãe. Sofria porque não conseguia estar feliz e estabelecer uma ligação com a bebé e sofria porque se recriminava por isso.

Não sabíamos

[Com legendas em português]

Jenny Jackson fala da sua experiência e da sua conversa com a sua filha


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Pintura de Berthe Morisot

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Alegria. Paz.

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