sexta-feira, abril 15, 2022

Algumas pessoas pensam que as notícias e as imagens de crianças mortas na Ucrânia são falsas -- mas não são

 


Dirão alguns que a culpa é das crianças. Ou dos pais que quiseram fugir com elas, tentando alcançar um lugar longe dos mísseis. Ou do avô que tentou proteger a criança com o seu próprio corpo e não conseguiu. Ou dos ucranianos em geral que não querem abdicar da sua nacionalidade. Pode ser. Quem, perante as maiores atrocidades, não consegue condenar o agressor, arranjará sempre outros culpados. Não vale a pena. O maior cego é aquele que não quer ver. E depois, como diz Dugin, o 'cérebro de Putin', não existe verdade, o que existe é a interpretação da verdade.

Quando o jornalista dizia, numa das entrevistas que partilhei ontem, que um avião que deixava cair uma bomba em cima de uma casa matando as pessoas, civis, que lá estavam dentro era uma coisa factual, o ideólogo Dugin retorquiu que não, que se pode questionar porque é que o avião deitou a bomba justamente ali ou lançar outras questões e que essas questões são também, segundo os russos, uma verdade. Ou seja, em vez de relatarem o que factualmente aconteceu, lançam dúvidas, espalham a confusão. Em bom português diz-se atirar areia para os olhos. Provavelmente diriam que naquela casa se escondiam armas. É a técnica russa: escamotear a verdade, lançar suspeições, distrair atenções.

No outro dia, li um artigo muito interessante no Guardian: Understanding Vladimir Putin, the man who fooled the world. Ali é relatado um episódio que parece insignificante mas que não é, ilustra bem alguns traços de Putin. 

Putin estava incomodado com os jornalistas que lhe colocavam questões incómodas. Um estava a irritá-lo particularmente. Quando esse jornalista lhe fez uma pergunta, Putin disse que antes de responder, queria questioná-lo sobre o anel que ele estava a usar. Toda a sala olhou, intrigada. Putin continuou perguntando porque é que a pedra era tão grande. A sala já ria e o jornalista dava mostras de estar incomodado. Putin continuou dizendo que o jornalista não se deveria importar que ele o questionasse pois, se estava a usar aquele anel, era porque queria dar nas vistas. Toda a gente na sala se ria. Já ninguém se lembrava da pergunta. Diz o jornalista que escreve este artigo que foi uma verdadeira masterclass de distração e bullying. 

O que tem estado a acontecer com a invasão da Ucrânia e a chacina que barbaramente os russos estão a levar a cabo tem dado lugar a muitas masterclasses do género: os russos negam as evidências, lançam a dúvida, insinuam conspirações, espalham a confusão, põem uns quantos a propagar essas dúvidas -- e a condenação, junto de alguma opinião pública, dilui-se. 

Na própria Rússia, sem possibilidade de terem acesso a meios de comunicação independente, é mais fácil. Os testemunhos são incontáveis: pessoas debaixo de fogo cerrado na Ucrânia, com as casas destruídas, falam com familiares que vivem na Rússia e estes não acreditam em nada disso, acham que são fake news. 

Mesmo quando lhes dizem que já foram assassinados milhares de pessoas, incluindo crianças, muitos russos não acreditam. 

Brianna Keilar, conhecida jornalista-âncora política da CNN, enuncia o nome de algumas das muitas crianças ucranianas mortas nesta guerra feroz e, por diversas vezes durante a notícia, não consegue suster as lágrimas. Aliás, tem acontecido com alguma frequência aos jornalistas que, no terreno, testemunham o sofrimento dos ucranianos: quando noticiam o sofrimento, as feridas, as amputações e as mortes das crianças, não conseguem controlar o choro.

Também eu, ao saber destes casos, me emociono. Penso na dor das famílias. Penso na gratuita crueldade de tudo isto. Porquê isto...? Para quê isto...? Não contenho as lágrimas.

Keilar: Some Russians think images of killed children are fake. They are not


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Lá em cima, Sasha Ivanov toca piano. Tinha 18 anos e foi morto com um tiro na cabeça e dez no peito. Ia no lugar do passageiro. O que lhes aconteceu está descrito  aqui: ’Collect my parents or collect my son’s body’: a Kyiv family’s tragic plight. O fim do artigo é este: Sveta said: “There are some families who the war hasn’t touched. But the war touched our family like nothing else. My mother is disabled, my father is disabled, I’m disabled, and I buried my son.” Lê-se e imagina-se a aflição, o medo, o sofrimento desta e de tantas outras famílias. Não são histórias falsas -- o sofrimento é verdadeiro. Há jornalistas de todo o mundo a verificar no terreno e a divulgar o que está a passar-se.

Um dia haverá livros e filmes sobre estes tempos de horror. Muitos dos que os viveram já não estarão cá para o testemunhar.

A fotografia lá em cima mostra Danyk Rak, um menino de 12 anos, (por enquanto) um sobrevivente, que segura o seu gatinho no meio dos escombros da sua casa destruída por bombardeamentos russos. A fotografia é da autoria de Evgeniy Maloletka/AP

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Mensagem dirigida a Vladimir Putin por uma mulher ucraniana que perdeu o filho em Bucha 


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Desejo-vos um dia tão bom quanto possível
Saúde. Discernimento. Esperança. Paz.

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