quarta-feira, março 30, 2022

Andar com pistola, ter unhas pintadas e saltos altos:
deputada, advogada de 34 anos, mãe de três filhos, uma mulher livre pronta a defender o seu país nem que seja à lei da bala

 

Ontem, em conversa, eu dizia que, se os espanhóis tivessem em mente anexar Portugal e lhes conhecêssemos instintos bélicos e assassinos, também eu quereria que alguém nos protegesse e, se não pertencêssemos à Nato e os espanhóis estivessem do outro lado, também eu imploraria que nos deixassem pertencer à Nato para que nos defendessem em caso de ataque. 

O meu interlocutor disse: 'A grande diferença é que se isso acontecesse, você não teria a população inteira pronta a defender o País. Pelo contrário, apareceria logo malta a dizer que o melhor era fazer a vontade aos espanhóis, dar-lhes o que eles quisessem. Até haveríamos de ver montes de malta nas televisões a falar espanhol.'  Fiquei na dúvida: 'Ah... Será...?'. E ele: 'Ah... não tenha dúvidas...'

Pouco depois, enquanto circulava pelos corredores da empresa, ia pensando, sobre cada um a um que cumprimentei, se defenderia o país de uma tentativa de ocupação selvática ou se cederia ao facilitismo da rendição, deixando que um outro país, outra língua, outra matriz cultural nos anexasse. Sim, provavelmente haveria quem remontasse aos tempos do Condado Portucalense, haveríamos de ouvir falar de Leão e Castela, haveríamos de ouvir falar de tudo o que pudesse servir para justificar o acto malvado do invasor, mesmo que se tratasse de um assassino que estivesse a arrasar Portugal e a praticar um infame extermínio dos portugueses. A julgar por tanto que tenho lido e ouvido por estas alturas, não me admiraria que parte dos portugueses, com as mais variadas desculpas e adversativas, em vez de condenar veemente os invasores, ainda se pusesse a arranjar desculpas para estarmos a ser invadidos. 

A coragem de uns alicerça-se na coragem dos outros. Por muito que queiramos ser corajosos, se olharmos para o lado e virmos todos a deitarem-se no chão para servirem de tapete aos agressores, se calhar também perdemos a valentia. Não sei. Por sorte nunca me vi -- e espero nunca me ver -- numa tão inconcebível situação. Mas, eu que gosto tanto de ser portuguesa, que gosto tanto do meu país e da minha língua, não sei se, vendo ao meu lado parte da população a capitular, teria coragem para me manter firme, para pegar em armas, para ficar debaixo de bombardeamentos, no meio de escombros, sem água, sem luz, com pouco ou nada que comer, vendo feridos e mortos ao meu lado. Nem sei se teria coragem para deixar a vida toda para trás e, com meia dúzia de coisas num saco, ir por estradas destruídas, pontes arrasadas, comboios cheios ou à boleia com desconhecidos, à procura de um tecto que me acolhesse. Nem para isso eu sei se teria coragem. 

Por isso, desde o primeiro dia, sinto uma admiração imensa por estes ucranianos que, novos e velhos, homens e mulheres, saudáveis e doentes, enfrentam o risco e defendem o seu país com unhas e dentes, sem medo, com uma abnegação e coragem como nunca vi. 

Querem ser livres, queres ser europeus, querem ser ucranianos -- e, sem pensarem duas vezes, dão a vida por isso.

Christiane Amanpour, cujo canal no youtube sigo e que nos tem dado interessantes entrevistas, foi a Kyiv entrevistar Lesia, uma mulher jovem, elegante, deputada... e que agora anda armada, confessando que, com as unhas grandes, pintadas, bem cuidadas, não era fácil carregá-la... Nada que ela não ultrapasse com um sorriso. Feminina e corajosa, determinada e livre.

Ali está, em campo aberto, pronta para ir à luta, determinada a defender o seu país, a defender o país dos seus filhos. 

Digo de novo que tenho pena que estes vídeos não estejam legendados e temo que nem todos os meus Leitores dominem bem o inglês mas são testemunhos que quero mesmo partilhar pois acho que são apontamentos que ajudam a perceber estes tempos que vivemos. 

Christiane Amanpour Speaks to One Woman Ready to Defend Kyiv | Amanpour and Company

Ukraine is still standing fast thanks to the remarkable resilience and resolve of its people, both military and civilians. When the war first started, Christiane spoke from London with Lesia Vasylenko, a parliamentarian who swore she would stay and fight alongside her fellow Ukrainians. Today, Christiane met with Vasylenko in Kyiv to see where things stand, more than a month later.

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E queiram continuar a descer pois o testemunho de Juan Arredondo que foi atingido e que viu morrer o colega e amigo Brent Renaud é tocante e ilustra bem o que são os riscos dos repórteres de guerra (e que boas reportagens nos têm dado). 
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Desejo-vos um dia bom.
Saúde. Boa sorte. Paz.

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