terça-feira, fevereiro 15, 2022

São Valentim para todos os gostos

 


Não festejei o São Valentim. 

Este dia faz algum sentido? Diria que não. No entanto, como cada vez tenho menos certezas, não respondo, mantenho a questão em aberto.

Por um lado não tenho grandes dúvidas de que é uma treta, um mero motivo para o comércio espevitar. Além disso, quem gosta de outra pessoa não precisa de um dia para o manifestar. E, depois, manifestações importadas ou copiadas, cheias de um simbolismo já estafado, fazem algum sentido? Qual o real efeito para uma relação se um dos parceiros, geralmente o homem, chegar a casa com flores e bombons? Só posso falar por mim mas, para mim, se o meu marido fizesse isso, ficaria de pé atrás. Pensaria: se ele não era assim, o que se passa para, de repente, me aparecer assim, feito parvo...? estará a ficar choné?). Se há coisa que nunca apreciei foi um parceiro normalizado, alinhado com o mainstream

Claro que seria diferente se ele chegasse ao pé de mim e dissesse: vai arranjar-te que hoje é dia de festa, depois podes ir andando para a sala, ouvir música -- e fosse ele a escolher a música e fosse uma coisa tão boa, tão boa, que eu nem conseguisse acreditar. E me servisse uma bebida surpreendentemente boa, tão boa, tão boa que eu nem conseguisse identificar os ingredientes. 

E fosse ele para a cozinha e me surpreendesse com os seus dotes culinários. E, ao chegar à mesa, quisesse ser ele a servir-me e me dissesse um poema tão extraordinário que eu me sentisse emocionada, passada da cabeça tamanho o espanto. Mas, enfim, fosse como fosse, uma coisa a sós, sem fotografias, sem público. Coisa privada. Tão privada que nem aqui poderei explicar como acabaríamos a celebração do São Valentim.

Mas isto sou eu a falar. E, de resto, alguém acredita que se ele fosse assim (um charme) no Dia de São Valentim mas, nos outros dias, fosse um Bruno de Carvalho eu relevaria os outros dias e acharia bem a encenação com poesia à mistura? Nem pensar. É que nem pó. 

Aliás, se ele fosse um Bruno de Carvalho ou um Zé-Cueca qualquer, um choninhas ou um palerma encartado, alguma vez poderia pôr um pé na minha casa... abeirar-se da minha cama...?? Está bem, está. Bem se poderia pintar de cor-de-rosa, cobrir de chocolate, sussurrar-me poemas de amor ao ouvido ou pegar em mim para dançar um tango que não levava nada daqui. Nem uma tampa eu me daria ao trabalho de dar.

No entanto, disponível como cada vez mais estou para abrir uma excepção no meu ascetismo*, admito que se pode ter uma atitude simpática em data marcada, talvez de amigos para amigos -- ou seja, um momento como outro qualquer em que se possa celebrar o afecto em geral. Um gesto. Uma graça. Uma coisa assim: olhem, no sábado não querem ir lanchar à beira rio? Dress Code: quelque chose avec un je ne sais quoi. 

Ou seja: convidar uns amigos para festejar a amizade. 

E, quando eles lá chegassem, ter um bolo em forma de coração e uma caixinha em forma de coração para oferecer a cada um. E eles espantados: mas o que é isto??? está a escapar-nos alguma coisa? E, para surpresa geral, eu explicar: É que na segunda-feira foi Dia de São Valentim e lembrei-me de vos convidar para vos dizer que gosto muito de estar convosco e gostava que se lembrassem deste dia e, por isso, a caixinha de lembrança. E eles aparvalhados, sem perceberem se era partida, se eu estava perturbada, se quê... E depois todos a rirem um bocado a medo: Então vamos lá ver se o bolo é bom. E seria bom, bom de verdade. 

Uma coisa assim poderia fazer sentido. Sem fotografias, sem publicações, sem nada. Só a recordação. Bem... uma fotografia poderia haver mas apenas para os próprios, sem tretas de instagram ou facebook.

Mas, enfim, não vale a pena estar para aqui a inventar cenas. Comigo nem São Valentim nem São Querubim nem nada que se lhes pareça. 

(Já agora, num registo autobiográfico: o jantar deste dia de São Valentim foram restos e não houve música ambiente nem poemas. E o chocolate foi do usual, bem preto. Por acaso até comi um morango mas foi cortado aos bocadinhos e misturado com a salada. E, no entanto, o dia foi bom.)

* Lá em cima, falei em ascetismo. Mas não sei se usei a palavra certa. Poderia ser estoicismo. Mas talvez não seja isso. Acho que o ascetismo ou o estoicismo estão em patamares bem acima daquele em que me situo. Despojamento? Talvez. Ou talvez não. Gostava de já lá estar mas acho que também ainda lá não cheguei. Talvez simplicidade. Ou nada disso. Sei lá.


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Fotografias das Vogue russa, espanhola, italiana na companhia de Chet Baker com My Funny Valentine

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Quanto a algumas cenas amorosas do Dia de São Valentim dos outros aqui está uma selecção:

Fails With Benefits | Valentine's Day Couples Fails


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Desejo-vos um dia feliz

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