domingo, dezembro 12, 2021

Novas do pequeno urso peludo

 


Ora bem. Falemos, então, do pequeno urso peludo. Está maior, claro, mas maior está também a exuberante vivacidade e a irreprimível teimosia. 

A literatura diz que são cães excepcionalmente inteligentes e, de facto, este assim é. Aprende tudo num instante. Pergunta-se: queres um biscoitinho? Ou: queres um ossinho? E ele, de imediato, dando ao rabinho, vem de onde estiver para a cozinha, para junto do móvel onde estão os pacotinhos de guloseimas. Ou: onde está a bolinha? E ele de imediato vai à procura e aparece com ela. Ou: onde é que está o pau? E aí vai ele à procura do pau. Dizer-lhe: Anda, vem e ele vir já nos parece normal. Ou: escuta... será o dono? E aí vai ele para junto da porta da rua. Senta, dá a patinha -- isso é de caras.

Quando começa a pôr-se de pé, agarrado a mim, quase me impedindo de andar, ou a saltar para o sofá onde estou para se pôr de pé agarrado a mim e tentar arrancar-me o elástico do cabelo -- e, pelo meio, arranhar-me toda ou dar-me cabo da roupa (dado que tem umas unhas afiadas) --, por vezes obedece à ordem: 'Chão!'; mas, se está endiabrado, vai para o chão e, acto contínuo, salta e repete as maluquices. Mas, se me levanto ou me viro com alguma brusquidão e digo: 'Mas tu queres ver...?!', ele aí percebe que a coisa pode ser a sério e põe-se logo sossegado. (Mas pode ser sol de pouca dura.)

A minha roupa de malha está cheia de pegões. As minhas meias estão cheias de buraquinhos pois, volta e meia, dá-lhe daquelas raivinhas malucas que o levam a querer arrancar-me as meias.

Na cozinha, volta e meia, quando estou a servir os pratos ou a preparar a comida, põe-se de pé, as patinhas da frente sobre a bancada. A nossa querida boxer nunca fez nada disto. Nunca, nunca. Este anda assim, de pé, de um lado para o outro, entusiasmado com os cheiros. Se tento tirá-lo com a mão, rosna, mostra-me os dentes. O que faço é sair da cozinha e fechar-lhe a porta ou, se for à noite, faço o mesmo e apago a luz. A seguir, entro e já está no chão, deitado ao comprido, ar infeliz. 

Aprendi que agressividade desencadeia mais agressividade. Procurar comida ou ser territorial, aprendi, faz parte do instinto básico dos cães. Temos que saber lidar com eles, mostrando-lhe que não temos medo e que aquelas atitudes não levam a lado nenhum. Indiferença ou um castigo que os deixe tristes, é o que parece resultar melhor.

Quando, lá fora, enfio na mão a alça com a escova e lhe digo: Põe as patinhas aqui, vamos pentear, ele põe-se de pé, patinhas no assento de uma cadeira, de costas para mim. Penteio-o nas calmas, todo em volta, como quero, e ele ali fica, de gosto. De vez em quando é tranquilo, sossegado, obediente.

Mas desencanta o que calha -- vasinhos pequenos, restos de esfregão que sobraram de umas obras, parafusos, plásticos ou papéis seja do que for -- e leva para onde possa estar a brincar ou a comer.

No outro dia comeu um bocado de cogumelo e hoje repetiu a proeza. Parece que percebe que não queremos que vá para ali e, teimoso como uma mula, é mesmo para ali que quer ir. No primeiro dia em que isso aconteceu, foi no campo, era um cogumelo redondo, castanho, quase parecia uma batata. Hoje foi um daqueles cogumelos brancos grandes. Fico passada, preocupada. No outro dia, liguei logo para a veterinária. Disse-me que a reacção, se houvesse, ocorreria no prazo de meia a uma hora e ficaria prostrado, a babar-se muito ou com vómitos. Se acontecesse, teríamos que ir de imediato para o veterinário mais próximo. Felizmente, nem no outro dia nem hoje houve problema. Mas, quando anda lá fora, anda sempre a comer coisas, nem nós sabemos o quê. Nas ocasiões em que desenterra ou descobre uma porcaria para comer, se tentamos tirar-lha da boca, rosna e tenta morder. Tem que ser na calminha e tentando desviar-lhe a atenção. Se não for assim, não apenas ensaia de ficar agressivo como engole, rapidamente, o que tem na boca.

Adora que, lá fora, brinquemos com ele. Por exemplo, atiro o pau e digo: 'Busca, busca'. Quando o apanha, digo: 'Ai, ai, ai... vou-te apanhar'. E ele desata a correr a uma velocidade maluca, em círculo. Parece um cão-flecha. E eu finjo que quero apanhá-lo. Tentamos fazer isso uma ou duas vezes por dia, no mínimo um quarto de hora intenso de cada vez, para ver se se cansa um pouco pois também aprendemos que cão cansado é cão feliz. Pelo menos, esperamos que, quando tem o pico de energia à noite, não roa fios eléctricos, não lamba tomadas, não tente tirar todas as almofadas de cima dos sofás, não tente roer os cantos dos sofás, não nos salte mil vezes para cima, não nos desafie descaradamente. Pelo menos, não durante muito tempo...

Quando estou com ele no jardim e quero regressar a casa, vem a correr e agarra-se a mim para me impedir de andar, ou vai a correr ainda mais depressa e fica à porta a tentar barrar-me a passagem.

Por vezes, vejo-me grega para conseguir distrai-lo e conseguir entrar em casa. Esperto como é, quando percebe que quero acabar com a brincadeira e voltar para casa, já não se deixa enganar de maneira nenhuma.

Quando íamos no carro, eu ia no banco de trás para impedi-lo de cair e de tentar que fosse para o banco da frente. No outro dia, quando fomos a casa da minha mãe, pusemos a caminha dele no porta-bagagens e ele que, por acaso, estava com sono deixou-se ficar e a coisa correu bem. Ficámos todos contentes. Finalmente eu poderia regressar ao banco da frente.

Mas foram foguetes atirados antes de tempo.

No dia seguinte, repetimos convencidos que já já era um dado assumido que passaria a andar no porta-bagagens. Passado um bocado, estava de pé no porta-bagagens a espreitar por cima do banco. Nós, do banco da frente, íamo-nos zangando. Está bem, abelha. Passado um bocado estava a tentar saltar. Instantes depois, tinha mergulhado e já estava de pé, entre os bancos da frente. Estávamos na autoestrada pelo que eu pouco podia fazer. Por fim, estava ao colo do meu marido. Imagine-se o perigo.

Lembrei-me, então, que havia uma rede para se pôr entre o porta-bagagem e o banco de trás, para suster carga e evitar que os animais se evadissem. O meu marido lá andou a ver como é que aquilo se montava. Portanto, na terça-feira passada, ao irmos à hora de almoço até ao campo, lá foi no porta-bagagens, isolado da comunidade humana pela dita rede. Parecia a solução ideal.

Uma vez mais, estávamos a animar-nos antes de tempo.

Pouco depois, já ele estava de pé, no porta-bagagens, a espreitar pelo canto da rede. O carro é abaulado dos lados pelo que a rede não vai completamente até aos extremos. Contudo, parecia-nos impossível que conseguisse passar por ali ou ganhar balanço para trepar e enfiar-se pela alta e estreitíssima abertura. Mas, pela persistência do bicho, começámos logo a prever o pior. Passado um bocado, estava no ar, na prática entalado num dos cantos, entre a extremidade do carro e a rede. Tínhamos o banco de trás atafulhado com rolos de rede para o meu marido colocar no gradeamento para evitar que se escapulisse por entre as grades. O espaço  é estreito mas se os cães do vizinho conseguem lá entrar, também ele conseguiria sair. Bom. O que sei é que no momento seguinte estava a surfar os rolos de rede, todo desequilibrado, até que veio pôr-se, outra vez de pé, entre os bancos da frente. Resultado: o meu marido parou na estação de serviço, os rolos de rede foram, a custo, para o porta-bagagem e eu regressei ao banco de trás. 

A diferença é que agora vai de trela para eu o puxar de cada vez que quer ir para o colo do dono, certamente para também ir a conduzir. Vamos ver se arranjamos um apetrecho para o prender ao cinto de segurança.

Lá, no campo, quando o meu marido estava do lado de fora da vedação, na estrada, a pôr a rede pois, por dentro, com os arbustos, era difícil, quando olhou para o lado, já lá estava ele, na estrada. Tinha-se escapado por entre o gradeamento. Em quase treze anos nunca a nossa boxer tinha feito aquilo. Nem aquilo nem nada que se parecesse.

E, no entanto, é, ao mesmo tempo a coisa mais querida, a melhor companhia, a coisa mais fofa. Ainda este sábado passeámos na Expo, andou pela trela conduzido pelos meninos, esteve sentado com eles, eles abraçados e fazendo-lhe tudo e mais alguma coisa e ele o maior paz de alma. Obediente, calmíssimo, uma doçura. 

Portanto, é ele que vai crescendo e adaptando a sua personalidade independente e campestre à nossa e somos nós que nos vamos adaptando ao seu temperamento vivo, amigo da liberdade e, não fosse ele um cão-pastor, sempre com vontade de ser ele a conduzir-nos. Um processo de aprendizagem mútua.


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E é isto. Não vos maço mais. Poderia ainda falar das franjas dos meus tapetes que ele faz de tudo para tentar arrancar ou podia falar do tapete de uma das casas de banho que volta e meia aparece na sala, do chinelo de quarto do meu marido que aparece no jardim, das bases para copos que apareceram debaixo da mesa, de como adora a bolinha colorida com um guizo no interior, presente da menininha mais linda a quem ele obedece quando ela se impõe e com quem fica dócil como um cachorrinho fofo quando ela se senta ao seu lado... ou de tantas outras coisas. 

Tem agora quatro meses e meio e há cerca de dois meses e meio que vive connosco, vindo, pele e osso, de um monte do Alto Alentejo. Espera-se que, à medida que cresce, ganhe juízo e aprenda a comportar-se e a acatar docilmente os limites que queremos impor-lhe. Mas, apesar de tantas vezes nos tirar do sério, uma coisa é certa: já é um membro querido da nossa família.

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Desejo-vos um feliz dia de domingo

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