domingo, junho 13, 2021

Uma lágrima e um sorriso


 


Nunca tinha ouvido falar em Khalil Gibran até que uma pessoa que tinha conhecido há pouco tempo e desde logo me surpreendera, no meio de uma reunião, já não me lembro a que propósito, me falou dele. Não percebi. Pedi que escrevesse. Escreveu num papel que rasgou para me dar.

No dia seguinte, eu tinha o Profeta em cima da minha secretária. Durante uns dias conduzi ao som das suas palavras. 

Por norma, sou avessa a coisas assim: palavras sobre isto ou aquilo, filosofias. Parecem-me, geralmente, teorias artificiais, lalelas sem substância, tudo previsível. Curiosamente, neste caso, não apenas andei a ouvi-las de gosto como me dava vontade de voltar a ouvir.

Hoje, o algoritmo tinha um vídeo para me propor e eu não me fiz rogada. Entre quase adormecimentos e persistências lá consegui ouvir.
Esta semana, fruto de alguns medicamentos, ando com muito sono. Por isso, é com algum esforço que tento manter o hábito de aqui escrever à noite Espero que em breve possa deixar de tomá-los para ver se volto a sentir-me mais igual ao meu estado anterior. Escrevo porque gosto, porque preciso ou, simplesmente, porque sim. Mas não estranhem se vos parecer que a conversa anda um pouco diferente. Eu, pelo menos, sinto que está pouco fluida.
Mas, falava nas palavras de Khalil Gibran e na misteriosa pessoa que ma deu a conhecer, a mesma pessoa que um dia, ao citar um verso, me deixou intrigada a ponto de eu lhe perguntar: Mas sabe poemas de cor? E ele: Alguns. E eu: Jorge Luis Borges? E ele: Alguns. E eu, esticando a corda: No original?. E ele: Alguns. E eu, querendo desmascarar: Diga um.

E, para meu espanto, ele disse. Parecia uma cena de um outro mundo, saído das minhas ficções. Mas aconteceu. 

Hoje, ao ouvir A tear and a smile, lembrei-me desse dia. Dias longínquos, se calhar imaginados, não existidos.


Tirando isso: pouco fiz. Fomos buscar a minha mãe e ela trouxe o almoço para todos, já feito.

Preguicei. Nem ler eu li. Nem fotografar eu fotografei.

E experimentei aquilo que andava com vontade de experimentar: peguei numa das quatro mesinhas que se arrumam umas debaixo das outras, lixei-a, lavei-a com a acetona e, lá vai disto, spray para cima.

Lixar foi de caras, lavar com acetona ainda mais. Mas o spray... Começou que, no sítio onde aterrou a primeira pistolada, ficou a notar-se os pontinhos salientes. Passei com o dedo. Problema. Já estava a secar, enrugou. Passei com o papel com acetona e o papel desfez-se e juntou-se à tinta. A minha filha disse que era como o verniz das unhas que, se a gente lhe mexe depois de aplicado, é para a desgraça, mais vale tirar tido e começar de novo. E tinha razão. Foi à pressa buscar um monte de papel que ensopei em acetona mas não saiu bem, esfarelava-se. Fui com a esponja-lixa mas a esponja absorveu a tinta e ficou estragada. Às tantas, desisti e apliquei mais spray. 

Mas fiz mal sob todos os pontos de vista pois estava vento e acho que algumas poeiras ambientes também se juntaram à tinta. 

Ficou a secar ao relento. Amanhã verei como ficou. Achei por bem não cobrir totalmente. A minha filha também achou piada a ver o escuro a adivinhar-se por baixo. Estou curiosa. Se, por milagre, tiver ficado bem, este domingo pintarei a segunda mesinha que aqui está na salinha da televisão. As outras duas estão lá em cima, cada uma com uma pilha de livros em cima. Mas acho que lá em cima talvez faça sentido que estejam na sua cor original.

No outro dia, a minha filha disse que achava que esta salinha estava um bocado com too much, talvez com um móvel a mais. Pensei que ela estava a dizer isso por influência de ver muitas almofadas (mais do que o habitual) em cima do meu sofá. Mas fiquei a pensar nisso. E, então, fez-se-me luz. Lá no campo, in heaven, estou com falta de uma pequena estante. Tinha até já escolhido uma no ikea para encomendar. Pois bem, a pequena estante que aqui tinha a televisão em cima é a estante perfeita para lá. Portanto, hoje de tarde, rodopiámos os móveis aqui na sala. A dita estantezinha zarpou. Irá para o campo. Para ter a televisão em cima usámos o pequeno móvel que o meu pai fez e que é de melhor altura e tamanho. Receava que fosse frágil mas acho que se aguenta. De qualquer forma poderei mandar fazer-lhe um tampo de mármore.

A pequena cómoda de pau santo e barriguinha, essa sim com um tampo de mármore da Arrábida, que estava ao lado do sofá do meu marido e que quase parecia ali escusada, agora está aqui ao meu lado.  

Portanto, de repente, a sala ficou mais desafogada. 

E ganhámos uma estante que aqui estava meio desempregada para ir para lá, onde faz falta.

O meu marido, levado pela minha onda de pinturas, até aventou pintarmos também o pequeno móvel que o meu pai fez. Mas acho que não devemos aventurar-nos. Tem frisos, tem portas de vidro, dificilmente iria ficar bem. Estou a olhar para ele. Imagino que poderia ser pintado por dentro de uma cor, um rosa-pastel, talvez. E, por fora, este beige-cinza-claro que usei para a mesinha, talvez com os frisos a verde-seco-claro. Mas isso seria obra demorada, não a spray. Coisa para futuros carnavais.

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As pinturas são da autoria de Guillermo Nunez 
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A Tear and a Smile - Khalil Gibran 
(lido por Shane Morris)



Desejo-vos um feliz dia de domingo

2 comentários:

  1. *Sento-me ao lado de uma pessoa num jantar; em todos, naquela mesa, existe uma profunda solidão, e cada um ali gostaria de poder falar um pouco de si mesmo. Então começo a conversar com uma mulher, e deixo-a falar. Depois de algum tempo ela comenta: "Finalmente achei alguém que me compreende!".
    'Cartas de amor do profeta' / Kahlil Gibran

    Tenho este livro, que me foi oferecido por um amigo há mais de vinte anos, e nunca o tinha aberto. Por falar aqui no autor, fui procurá-lo e li algumas das cartas a Mary Haskell. É de uma delas o pequeno excerto que aqui lhe deixo com votos de que melhore depressa.

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  2. Olá Atalhos,

    Estas suas palavras são tocantes e muito lhas agradeço. Há em si uma densidade e, ao mesmo tempo, uma leveza que acho comoventes.

    Muito obrigada também pelos seus votos.

    Dias felizes.

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