terça-feira, junho 29, 2021

O amola-tesouras, o teletrabalho, o ritmo da vida

 



Íamos a fazer a nossa caminhada, agora mais breve que antes, quando passou um senhor a pé, com a sua bicicleta ao lado. Depois puxou da sua pequena harmónica e fez aquele toque que é chamamento e que, antes, diziam que prenunciava a chuva. Fiquei quase tão admirada como se tivesse visto um ET. Aqui? Um amola-tesouras? 

Havia um senhor, recordo que mantinha a distância, um desconhecido que passava de vez em quando no bairro onde moravam as minhas avós ou, raramente, na rua onde morava com os meus pais. Não sei se seria o mesmo. A ideia que tenho é que era uma pessoa esquiva. Mas isso foi num outro mundo, nuns outros tempos.

Agora... aqui...? Ao fim de tanto tempo, ainda se afiam facas, tesouras ou restauram chapéus de chuva? Há instrumentos de afiar a baixo custo por todo o lado. E, por defeito ou por definição, os chapéus de chuva não se deitam fora quando se partem? 

Fiquei intrigada. Por vezes acontecem umas coisas que parecem vindas de outra galáxias, pessoas que respiram de outra maneira e vivem num outro comprimento de onda. Tendo a imaginar que serão pessoas especiais, com muitas histórias de vida, algumas capazes de andar com um cortejo de borboletas atrás ou com mil livros na cabeça. Mas se calhar é romantismo meu. 

Também ando intrigada com os passarinhos que por aqui andam. Aproximam-se cada vez mais. De manhã, gosto de abrir a porta da cozinha e ficar ali, junto ao pequeno terraço onde está o estendal e um estreito canteiro. Do outro lado da vedação há dois arbustos altos que tombam para aqui e que pertencem à casa dos vizinhos. De vez em quando o meu marido apara-os pois diz que fazem muita porcaria. Não me incomoda aquilo a que ele chama porcaria pois, na verdade, são florzinhas que caem. Varro-as para o canteiro. Mas ele diz que não está para andar curvado para não bater com a cabeça nas hastes carregadas de flores. Mais do que flores, são florzinhas e bagas e são uma tentação para os pássaros. Por vezes ficam no ar, parados, a bater as asas, enquanto decidem o que vão fazer. Depois mergulham rapidamente para logo depois saírem com umas baguinhas no bico. Não se importam que eu esteja ali mesmo ao lado. E eu fico fascinada a ver aqueles bailados aéreos. 

E cantam muito. Uns trinados de dar gosto. Verdadeiros concertos. Nós ali e eles cantando na maior liberdade e alegria.

No domingo, eu a mostrar à minha mãe o vasinho da hortênsia, vimos um passarinho a saltitar por ali, depois pousado no beiral do vasinho. Nós tão perto e ele ali, a brincar. Sentem-nos como inofensivos, apenas uns seres de uma qualquer outra raça que não os incomoda.

Tenho conseguido, agora, descansar mais e dosear melhor a carga horária do meu trabalho. 

Leio que o mundo laboral não vai voltar a ser o que era antes da Covid. Espero bem que sim. Mas ainda há muitos velhos do restelo em lugares de poder, gente incapaz de perceber que as coisas podem mesmo mudar. Nem todas as profissões se prestam ao teletrabalho mas aquelas em que é indiferente o local em que a pessoa está deveriam favorecê-lo bastante, sempre que as pessoas assim o desejem. Pode acontecer que as pessoas não tenham condições e prefiram deslocar-se diariamente. Se assim for, deverá ser possível. O que isto significa é que terá que haver flexibilidade. O teletrabalho a cem por cento não me parece absolutamente bom pois algum contacto físico, de vez em quando, será sempre saudável -- mas em conjunto entre o trabalhador e o empregador deverá ser possível chegar a um bom compromisso para ambas as partes. A vida profissional não deve sugar a vida pessoal. Conseguir equilibrar o trabalho com a vida familiar e pessoal parece-me ser um dos grandes desígnios a prosseguir nos próximos tempos. Só espero que gestores retrógrados e sindicatos anquilosados consigam ver um pouco mais além e perceber que uma sociedade feliz é melhor para todos. 

Mas se a vida pessoal deve ganhar o destaque que merece, ao mesmo tempo, a vida profissional não deve ser desvalorizada, subalternizada. Não deve ser apenas uma forma de garantir a subsistência: deverá ser uma fonte de motivação e superação. E, se não é, deve encontrar-se maneira de ser.

E, ao dizer isto, só me ocorre que bem prega Frei Tomás. Ainda no outro dia a anterior proprietária desta casa voltou a desafiar-me para cursar jardinagem. E o que eu gostaria. Mas expliquei o que sempre explico: não consigo acomodar outra actividade. 

Mas devia. 

Jardinar, fotografar, ler, preguiçar, passear, conviver, ler todos os livros adiados. 


E devia ser capaz, ainda, de outra coisa: aprender a não esperar pela noite para escrever. Coisas assim. Coisas simples.

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Rhythm of Life

Life is like a dance, sometimes we know the steps and sometimes we make them up. Sometimes we follow the music and sometimes we make up our own tune. Sometimes we get our toes stepped on and sometimes we step on others toes. Sometimes you dance with a partner, and sometimes you dance alone. There are even times when we decide to sit out for a dance or two.  But the good thing about life is that we can always join the dance again when we are ready.

And it doesn’t matter if we know the steps or not, we can make them up as we go along. 

Perhaps it is time to try a few new steps?

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As ilustrações são de Lisa Aisato que, aqui, se faz acompanhar por Max Richter que interpreta Storybook

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Desejo-vos um dia feliz
Saúde. Alegria. Força.

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