segunda-feira, fevereiro 22, 2021

Uma espécie de crónica de mais um fds confinado

 


Mais um fim-de-semana do qual nada há a registar. No sábado, chuva de manhã à noite. Ainda assim, quis ir andar pois não consigo ficar fechada em casa todo o dia mas regressei com as calças, as meias e os ténis ensopados. Na parte de cima não houve problema pois tinha uma capa impermeável que cumpriu a sua missão. 

Este domingo, caiu um pesado e prolongado aguaceiro de manhã. Temi que estivesse, de novo, o caldo entornado. Mas não. Levantou. Fomos andar mal as nuvens escuras se dissiparam, subsistindo apenas as cinzentas e as brancas. Fizemos uma boa caminhada, a bom passo, o ar frio e húmido mas com vestígios de sol a iluminar o caminho.

Mas é uma pasmaceira que não se aguenta. Uma pasmaceira. Que não se a-gu-en-ta.

Li mas até a ler estou vagarosa. Depois, saí para o jardim para andar a fotografar. Deixei-me estar a ouvir o bater das asas dos pássaros através das folhas, tentando descobri-los. De cada vez que descortino algum e me apronto para registar o milagre, logo o milagre se dissipa. Depois andei a ver as flores através da luz, andei a espreitar maneiras novas de as ver e, à medida que o tempo passava, as cores iam mudando. E os cheiros também. Por vezes, se o sol descobria com maior fulgor e lhes dava de feição, eu andava em sua volta tentando descobrir qual o ângulo em que o raio de luz mais as embelezava. Como uma abelha ou um pássaro, assim eu, vigiando a beleza das flores ou das folhas que despontam.

Depois reentrei, fui fazer uma infusão. Uma mistura de nove ervas a que misturei casca de lima. Ficou poderosa.

De volta à sala, vi o site do ikea, do leroy, do gato preto. Depois de ter falado com a minha filha, vi também o da zara home. E vi sites de decoração. Tomara pôr-me a caminho e entregar-me ao prazer de medir, pensar, imaginar trocas de sítios, mudança de cobertas ou almofadas.

E fui vendo as fotografias e os vídeos que foram chegando. E falei também com a minha mãe e com o meu filho. E, a meio da tarde, quando estava a dar-me o sono, ligou-me um amigo e estive a conversar com ele; e ainda me ri. Diz que mal isto abra, vai para o aeroporto, apanha o primeiro avião e quando aterrar logo vê onde é que foi parar. Diz que tanto se lhe dá desde que possa raspar-se de casa.

Que mais posso contar? Acho que nada.

Só se for que voltei a fazer bacalhau com todos para além da dose, a contar que há-de sobrar para fazer dali uma outra refeição, provavelmente à Gomes de Sá. E, à tarde, fiz um arroz de frango também logo a contar que desse para outra refeição (aliás, quiçá não uma mas mais duas). Fiz assim:

Num tacho, frigi 2 cebolas em bocados grandes, em azeite. Juntei quatro dentes de alho e uma folha de louro. Quando a cebola estava transparente, juntei quatro tomates bem maduros aos bocados e salsa e coentros em quantidade generosa. Juntei então pernas de frango do campo, um pouco de água e um pouco de sal. Quando ferveu, baixei. Ficou a cozinhar até que vi que a carne estava quase macia. Juntei, então, um alho francês aos bocados e feijão verde. Cozinhou um pouco. Juntei, então, água (que estimei que, com a que já estava no tacho, ficasse o dobro da quantidade de arroz). Juntei um pouco de bacon aos bocadinhos e um pouco de chouriço de carne aos bocadinhos. Juntei o arroz (basmati). Quando absorveu todo o líquido, desliguei e ficou tapado, a apurar. Um cheirinho a comida portuguesa.


Quase não vi televisão. De tarde, o meu marido colocou no National Geographic - Wild e estivemos a ver leopardos e outros grandes felinos. Partidarites e comentarites é pitéu requentado que já não manjamos. Agora, fui ver o que estava a dar e pareceu-me que era a mesma coisa. Então, fui andando até que passei pelo canal zen, canal que desconhecia em absoluto, e há pessoas a fazer movimentos lentos. Fez-me lembrar um chinês que vivia perto de nós, na outra casa, e que ia para o jardim ali perto fazer aquele género de movimentos. Uma agora está a andar à roda. Eu fazia isso quando era pequena para depois desatar a rir de tonta e cair desamparada. Continua a andar à roda, ela. Agora está a fazer movimentos que me parecem de ioga. Se fosse a outra hora, ia para o chão e imitava-a. Assim, não me apetece. Não sou disciplinada, não tenho paciência para estar a fazer exercícios. Mas sei que devia fazê-los para não ir perdendo a elasticidade.


Por vezes, naquela outra vida em que éramos felizes e não o sabíamos, a vida pré-covid, naquelas alturas em que andava cheia de programas e canseiras, de um lado para o outro ou com a casa cheia de gente e a sentir que precisava de descansar, pensava que deveria ser bom ir para um retiro, talvez para um mosteiro, e passar o dia sem fazer nada, só a caminhar, a pensar, a observar, a fazer exercícios de respiração e contemplação. Agora que estou em casa nesta estúpida ociosidade penso que o tanas é que ia enfiar-me num buraco sem nada que fazer. Não nasci para monja. Acho que nem sequer para yoguini.

Bem. Estou a ver a rapariga a fazer e fazer e fazer o mesmo movimento, vezes sem conta, sempre com uma espécie sorriso santificado. Acho que não lhe custa nada a fazer aquilo. Uma espécie de flexões no chão.

Interrompi. Fui tentar. Está bem, está. Fiz duas vezes e parei não fosse ficar para aqui estendida e não ter quem me acudisse. Estou a ver que tenho que tentar, senão qualquer dia, estou feita, se quiser apanhar uma coisa do chão tenho que me agachar com uma daquelas velhas todas descadeiradas.

Agora está outra e parece-me que o que faz é bem mais complicado. Sobretudo, o que vejo é que requer paciência, fazer os movimentos com calma. Não é bem o meu género. Mas tudo se aprende. Acho eu...

Entretanto, uma nova semana já aí está. Um tempo de espera, de quase vazio, um hiato. Só espero que mude a hora, que venha o sol, que a vacinação avance a bom ritmo, que possamos voltar a ser donos e senhores dos nossos movimentos -- mas sem que, com a nossa liberdade, ponhamos em risco a nossa saúde ou a de outros. É que pior que a ociosidade e a impaciência será o peso de consciência se, justamente por impaciência, formos infectados e infetarmos outras pessoas.

Por isso, confinada estou e confinada estarei até que a prudência possa, em total consciência, ser aliviada. Pronto. Paciência.

[Mas se isto dura muito tempo -- mais um ano, por exemplo -- não se admirem se resolver saí daqui directamente para o mosteiro das carmelitas descalças, convertida até à medula].

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De manhã, a minha mãe dizia que tinha estendido a roupa pois parecia que ia estar de sol. Afinal que tinham vindo umas rajadas de vento e uma tal carga de água que ela até quase teve medo de ir apanhar a roupa, não fosse ir pelos ares juntamente com a roupa. 

Pois bem, há bocado, que nem de propósito, ao abrir o youtube, apareceu-me o vídeo abaixo que vi, nuns casos, com um sorriso e, noutros, com a apreensão solidária pelo susto que os que ali estão sofreram. 

Nem sei porque o partilho convosco mas é daquelas coisas: não tem que haver explicação lógica para tudo, pois não?

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Desejo-vos uma nova semana tão boa quanto possível

6 comentários:

  1. 'Percorrendo' o dia consigo, através da sua crónica, partilhei várias coisas como, por exemplo, o gosto de ir ao jardim. Reconheci até umas flores que estão também a florir nas grades do jardim da minha casa e que dão um perfume maravilhoso sobretudo ao fim da tarde.
    O canal zen, que não conhecia, fez-me lembrar a lentidão de movimentos que vi em jardins de Macau. Achei-os estranhos na altura, porque, para mim, eram novidade, mas nunca os esqueci, porque eram feitos por pessoas de todas as idades, indiferentes aos olhares mais ou menos indiscretos.
    Que o seu jardim continue a florir, também através das suas crónicas.
    Um dia feliz.

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  2. As fotografias do jardim estão belíssimas, com uma luminosidade encantadora. Trouxeram-me à memória um cheiro a laranja e jasmim.

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  3. Seguindo a sua sugestão, fiz bacalhau à Gomes Sá !
    Não estava mau, esqueci-me de por um pouco de sal. Ficou a modos, sem sal !

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  4. Olá Maria Dolores,

    Hoje só quase consegui ver o jardim pela janela. O teletrabalho pode ser uma prisão... Ou então sou eu que não consigo evitar a invasão do meu tempo pessoal.

    Estou desejando que venha a Primavera. E ela já aí vem. A amendoeira está em flor e há folhinhas a quererem despontar nos arbustos. A ver se quando os dias ficarem maiores consigo ter mais tempo para mim durante a semana. Quiçá ainda me ponha a fazer ioga no jardim, ao som dos passarinhos.

    Muito obrigada pelas suas palavras. E dias felizes para si junto do jasmim florido do seu jardim.

    Abraço, Maria Dolores.

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  5. Olá Anónimo/a

    Sim, é verdade. O meu jardim cheira a jasmim e a laranja. Numa das duas laranjeiras, as laranjas que ainda existem estão nos ramos mais de cima e ao meio. Então, para tentar apanhá-las, ponho-me por dentro da laranjeira e tento apanhá-las. E fico imersa naquele cheirinho cítrico, fresco. Ao lado dessa laranjeira está um tufo de jasmim que, estando florido, tem um odor intenso. Então, aquele bocadinho, tem tudo de bom: cor, perfume. E sabor, que bem docinhas são aquelas laranjas.

    Um dia feliz para si.

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  6. Olá, Anónimo/a de Sá,

    Para mim deveria estar bom: estou habituada a comida com pouco sal.

    Quando cozo bacalhau nunca ponho sal pois admito que o sal do bacalhau é suficiente. E para mim é. O meu marido diz sempre: 'podia ter mais sal'. Mas é à primeira garfada. Depois habitua-se. Regado a azeite, fica óptimo. Eu junto ainda um pouco de sumo de limão. Gosto.

    Bom apetite e saúde!

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