terça-feira, fevereiro 23, 2021

Pepinos, macaquinhos. E decorações. E longas tranças.

 



Pois. A semana começou com complicações. Metem-se em confusões e depois, ó tio, ó tio, e agora o que é que se faz? E eu com vontade de dizer: o que é se faz, não: o que é que tu fazes. Mas, pronto, temos que ser uns para os outros. E ao longo de todo o santo dia, com reuniões e telefonemas pelo meio, estive a tentar consertar a proeza. 

Ao fim da tarde -- ainda umas coisas para despachar mas pensando que, azarinho, por mim o dia estava feito, uma vontade danada de respirar ar fresco e ir esticar as pernas para o jardim -- estou a baixar a tampa do computador e ainda a tentar desculpar-me 'que se lixe, amanhã também é dia', plim, novo mail. E eu, parva, a espreitá-lo pelo canto do olho. Percebi logo que havia mais uma habilidade no pedaço. Descreviam a coisada e, no fim, perguntavam se eu estava ao corrente. Não, não estou. Pensava eu que, com a secura, matava a questão. Mas que nada. Do outro lado: Mas então não seria melhor vermos isto? E eu com vontade de dizer que não, não seria melhor. Talvez ser ainda mais directa: Porque é que tu e os que se meteram nisto não vêem? 

Juro. Estava até com vontade de rematar a preceito: hoje já dei para muitos peditórios, enough is enough. Mas, lá está, tenho este meu lado de santa. Fui acudir. Mas, confesso, impaciente, sem pachorra para desculpas e divagações, já a derrapar para o mau feitio. Ouvia-me e pensava: 'bruta como as casas'.

E agora estava desertinha para vir para aqui ver artigos de decoração de La Redoute pois a minha filha falou-me nisso. Desconhecia. Sabia do vestuário vendido por catálogo, uma coisa tipo vendas online avant la lettre. Muita coisa para os meus filhos, quando eram pequenos, a minha mãe lhes comprou da Redoute. Mas, disse-me hoje a minha filha ao telefone, também vendem móveis e alguns bem interessantes.

Pois bem, depois de jantar e depois de ter falado com o resto da família, venho eu a salivar para vir descobrir os ditos móveis quando começam a tintilar os mails. Não me digam que aí vem pepino, temi. Pensei: não vou ver. Mas tenho esta coisa que não sei se é ser responsável se é ser cusca. Uma coisa na base de deixa cá ver o que é que agora querem. E nem mais. Um belo de um macaquinho que me atiraram para o colo. E agora estou aqui a hesitar: vou ver tapetes, colchas, cómodas? Ou vou tentar perceber que cena é esta que aqui tenho na caixa de correio com uma infindável troca de mails, em várias línguas, uma confusão daquelas em que só me apetece ter um clone que pegue nestes ensarilhanços e me deixe a mim em paz, só para tratar de coisas agradáveis.

Agora que escrevo isto até me lembro de quando ia comprar peixe no mercado, peixe fresquinho, e se, por exemplo, queria safio da posta do meio tinha que trazer também posta do rabo e um bocado de cabeça, partes, para quem não saiba, infestadas de espinhas. Assim é o meu trabalho: dá ideia que para tratar de alguns assuntos mais glamourosos tenho que dar conta de toda a espécie de berbicachos. 

Enfim. 

Com isto fico sem argumento. Falar de quê? Depois de passar o dia a bater bolas de toda a espécie e feitio, não sei que mais posso eu dizer. 

Só se for que, quando a meio da tarde estava ao telefone, de pé, vi lá em baixo, na rua, um homem a teleguiar um drone. Não sei o que é que ele estava a filmar. 

Também posso dizer que fico muito contente com o resultado da pata que pusemos em cima da curva. Uns numerozinhos mesmo à maneira. Claro que, quando fico contente com tão poucos infectados e tão poucos mortos, tenho sempre vontade de me dar uma belinha porque só mesmo uma destituída é que pode ficar contente por morrerem sessenta e tal pessoas. Não dá para ficar contente quando morre tanta gente por dia com uma porcaria de uma doença destas. Mas, enfim, é a tal relatividade das coisas. Antes sessenta e tal que cento e tal. Agora é aguentarmo-nos assim por mais algum tempo, até a curva estar a guinchar no chão e os mortos covid estarem a tender para zero ou perto disso. E esperar que, por essa altura, a vacinação esteja a ir a bom ritmo e que o tempo esteja melhor para a gente poder laurear (relativamente!) à vontade. 

Mas pronto, não me apetece covidear. Era mesmo só mais o que me faltava a uma hora destas. Agora só mesmo músicas, pinturas, decorações, coisas leves, levezinhas. E, se houver pitada de excentricidade, melhor. Talento e bom gosto a par de de alguma irreverência, é isso que procuro. E se houver pitada de insolência ainda melhor.


Na companhia de Devendra Banhart fico bem.

Primeiro vou cuscar a casa dele. Acompanham-me?


Ainda Devendra Banhart mas agora noutra, de novo: Kantori Ongaku


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As imagens pertencem a Le Bleu du Ciel [“Photographie et Musique”] de Édouard Taufenbach e Régis Campo
ao som de Brigid O'Malley por Laurie Rasmussen

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Um dia feliz

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