sábado, fevereiro 13, 2021

O tempo das flores em pleno devir

 



O dia trouxe sol e eu, ao vê-lo, fiquei logo outra. Para começar, vesti logo uma roupa mais leve. A temperatura dentro de casa marcava o mesmo de ontem e penso que na rua até estava mais frio. Mas, na temperatura -- como em tudo na vida -- uma coisa é o que é e outra é o que parece. 

E, não sei se por isso se porque sim, correu mais leve. Pelo telemóvel foram chegando fotografias dos meus meninos pequeninos. Bonitos, crescidos, bem dispostos. Derreto-me quando os vejo. Com os dedos, amplio a imagem, quero vê-los melhor. E quase parece que os meus dedos querem tocar os seus rostinhos tão queridos.

E os seus sorrisos e brincadeiras foram trazendo suavidade e luz ao meu dia.


A caminhada da hora do almoço foi agradável. Sem frio, sem vento, sem chuva, sem uma manta de humidade, pesada e cinzenta, a cobrir-me o ânimo, despi o casaco, arregacei as mangas, e caminhei em plena alegria.

Tive várias reuniões e devo dizer que uma delas foi dura. E aposto que, do outro lado, todos sentiram como posso ser cortante quando a dureza me parece indispensável. Ouço-me e sinto que se, fosse eu o alvo da minha marcação, talvez ficasse ansiosa. Mas creio que não há outro caminho. Um veículo desordenado em que impera a aleatoriedade e o desrespeito por prazos ou orientações recebidas é um veículo que não vai a lado nenhum. Só espero que compreendam que o meu propósito não é incomodar as pessoas mas conseguir que a casa em que vivem parte do tempo e de onde lhes vem os rendimentos seja uma casa próspera.


Quando acabei, peguei no copo de água para o levar para a cozinha e pensei que ia encerrar o expediente. Ainda via uns leves raios de sol e queria ir desfrutá-los. Mas vários telefonemas atrapalharam-me os planos. Um e outro e outro e eu a ver o dia a querer esconder-se. Já era quase noite quando consegui evadir-me para o jardim. Mal abri a porta do lado, ouvi uma voz. Ao fim de tanto tempo de isolamento e silêncio, uma voz. Era a minha vizinha do lado encostada à parede da sua casa, ao telefone. Certamente estava ali desde que ainda ali batia o sol. Ouvi-a falar de coisas da sua profissão. Estava focada, falava com motivação das suas preocupações. Sei do que fala, a comunicação social não tem falado de outra coisa. Creio que nem deu por mim. A cameleira está coberta por belas e muito efémeras flores. Quando estava a apanhar camélias caídas, ouvi uma respiração ofegante e logo uns passos. Era um homem de calções e tshirt de manga curta que passava na rua, a correr. Obviamente não me viu. Mas gostei de ver e ouvir gente vivendo como se vivesse uma vida normal. Penso que foram os raios de sol que trouxeram estes vestígios de normalidade para a rua.


E, depois, quando fui espreitar os botões de magnólia, foi a surpresa das surpresas. Soltei um ah... descobri que já estão a transformar-se em flores. Não sei como dizer aqui a minha alegria.

E as boas notícias não se ficaram por aqui. No canteiro junto ao estendal, as roseiras estavam adormecidas, temi que as tivesse perdido. Fiquei a pensar que deveria ter feito qualquer coisa que não fiz. Apenas uma haste seca e nada mais. Hoje, ao abeirar-me, nem queria acreditar. Uma bela e profunda rosa num rubro sentido. 

Fui a casa, a correr, buscar, de novo, a máquina fotográfica. E pudesse eu ter aqui, para vos oferecer, o perfume desta rosa singular...


Claro que a incrível descida do número de infectados foi outra parcela relevantíssima neste bom estado de espírito. Grande parte de nós, ao mesmo tempo, pusemos a pata em cima da curva e ela está a ir-se abaixo. Claro que a curva não é ramo seco que a gente tenha partido. Não: é aquilo de que tantos já falaram -- é uma mola. Com a pata em cima, ela agacha-se. Se soltamos, dispara. Devemos esperar mais uns dois meses. Pelo menos. Com a quebra no ritmo de produção de vacinas, o grosso da coluna só se consegue lá para o verão. Portanto, é isto. Com sorte, com os números de base relativamente baixos e com o bom tempo, talvez o verão seja minimamente razoável. Mas não sei se, por essa altura, poderei agarrar os meus meninos, puxá-los par o meu colo, enchê-los de beijos. E tenho tantas saudades disso. Sinto a falta daqueles cinco insurrectos pimentinhas correndo e fazendo barulho e brincando. E comendo como lobinhos famintos. Claro que também sinto a falta dos pais deles. Tomara que chegue o bom tempo e o desconfinamento para estarmos de novo todos juntos. Mas  esperança em melhores dias ajuda-nos a suportar a espera.

Bem. Algumas das fotografias que recebemos mostravam a mana e o maninho pequenino a fazerem piza e ela, a piza, a ficar com ar apetitoso. 


No outro dia, ao vermos a caixa do correio, descobrimos um papel: entregavam piza em forno de lenha. Guardei o papel e não nos lembrámos mais disso.

Então, ao fim da tarde, o meu marido chegou-se ao pé de mim: aquelas pizas, não sei, o que achas?, se forem como as outras, lembras-te, às vezes mandávamos vir, eram boas, não sei, fiquei a pensar. Atalhei: resumindo, apetece-te piza? Há uma congelada. Mas ele estava noutra: pois, não sei, estava a pensar nas de forno de lenha, será que as do papel do outro dia são parecidas? Ainda tentei resistir: mas temos jantar. E ele: não sei, não estou muito para aí virado.

Pronto: encomendámos. Pela primeira vez desde que aqui estamos, encomendámos comida para entregar em casa. Veio uma piza daquelas com uma massa fininha, mozzarela, natas, tomate, búfala, salmão fumado, manjerição. E mais um pão de alho e queijo. Tão bom. Tão bom não ter que fazer jantar. Pusemos um pouco no forno. Tudo quentinha, bom, bom. Até parecia que era quase fim de semana como antes. Só faltou irmos passear para a beira da praia.

Portanto, o dia foi (quase, quase) bom.

E este sábado o programa também se anuncia promissor. Ainda por cima, já vi que não chove. Com sorte ainda consigo pôr-me ao sol, de manga curta. Com sorte as magnólias estarão já gloriosas. 

Vamos cumprindo o nosso caminhos.


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E, já agora, e desculpem o despropósito, deixem que partilhe convosco um vídeo que achei muito interessante:

Incredible, Eccentric, Accidental: The Life of Art Collector Herbert Lust




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E tenham um belo sábado, está bem?
Saúde. Alegria.

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