... Ah, os poemas são tão pouca coisa quando os escrevemos cedo. Devia-se esperar e acumular sentido e doçura ao longo de toda uma vida, e esta ser tão longa quanto possível, e então, mesmo no fim dela, talvez se pudesse escrever dez linhas que fossem boas. Pois os versos não são sentimentos (esses têm-se cedo que baste) -- são experiências. Por causa de um verso tem de se ver muitas cidades, pessoas e coisas, tem de se conhecer os animais, tem de se sentir como os pássaros voam e de saber os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã. Tem de se poder voltar com o pensamento a caminhos de regiões desconhecidas, a encontros inesperados e a despedidas, que se viam a vir, -- a dias da infância ainda por decifrar, aos pais que tinham de sentir-se magoados quando davam uma alegria a um filho e ela não era entendida (ficava para outro --), a doenças infantis que tão estranhamente surgiam com tantas transformações profundas e graves, a dias em espaços silenciosos e reservados e a manhãs junto ao mar, sobretudo junto ao mar, a mares, a noites de viagem que se elevam tão alto por ali fora e voavam com todas as estrelas, -- e ainda não é bastante que se possa pensar nisso tudo. Tem de ter-se lembranças de muitas noites de amor, cada uma diferente das restantes, de gritos de trabalhos de parto e de mulheres que dão à luz, leves, brancas, adormecidas, e se fecham. Mas também se tem de se ter estado junto dos moribundos, de se ter ficado sentado ao pé dos mortos, no quarto, com a janela aberta e os ruídos intermitentes. E também não chega que se tenha lembranças. Tem de se poder esquecê-las se forem muitas e tem de se ter a paciência de esperar que elas regressem. Porque as própria recordações ainda não são nada. Só quando se tornam sangue em nós, e olhar e gestos, já sem nome e impossíveis de distinguir de nós mesmos, só então pode acontecer que, numa hora muito rara, desponte no meio delas a primeira palavra de um verso e delas se desprenda.
Diz Pierre Mertens de Rilke, l'ange dechiré: (...) Rilke parece que se dilacera nas coisas e em seguida se consome nelas. Não é um génio dado, é um génio obtido, um génio adquirido, um génio lentamente elaborado em que o trabalho da vida finalmente coabitou com um estranho e lancinante trabalho de luto. Foi aí que, nele, o anjo se despedaçou.
UJM, eu fui professor de Física e de Matemática em Beja, em Moura, em Serpa e em Mértola. DM
ResponderEliminarÉ fixe é, tens os seus quês, gosto imenso deste excerto:
ResponderEliminarTira-me a luz dos olhos: continuarei a ver-te...
Tapa-me os ouvidos: continuarei a ouvir-te...
E embora sem pés caminharei para ti...
E já sem boca poderei ainda convocar-te.
Arranca-me os braços: continuarei abraçando-te
com o meu coração como com a mão...
Arranca-me o coração: ficará o cérebro,
E se o cérebro me incendiares também por fim,
Hei-de então levar-te no meu sangue.
Olá DM
ResponderEliminarEntão daí a simbologia das operações + e - na correcção das minhas gaffes. Matemática. Física. Professor. Mas, então, alguma coisa correu mal na sua vida e entrou numa linha complicada que o trouxe até onde está hoje...?
Mas tem esperança em voltar ao ensino? Ou já não o crê?
Força, DM.