terça-feira, fevereiro 02, 2021

A próxima pandemia e outras coisas -- o que diz Bill Gates

 

O que era o mundo antes da Microsoft é qualquer coisa de inimaginável. Outra era. Salas cheias de pessoas a escrever à máquina, as chamadas salas de dactilografia. E salas de telex, rolinhos cor de rosa. Salas com contabilistas que davam à manivela em grandes máquinas. Grandes centros de cálculo, máquinas gigantes, discos gigantes. Salas com operadores de computadores, salas com operadores de recolha. Todo um conjunto de profissões que desapareceu. Chama-se a isso pré-história. 

Depois, a coisa foi chegando. No meu caso, foi numa luxuosa moradia cercada por um relvado com lindas árvores que alguém disse que tinha uma coisa muito especial para me mostrar. Depois de termos passeado junto a um lago, um motorista levou-nos lá. Passou-se isto na chamada capital do mundo financeiro. Na tarde anterior tínhamos subido de teleférico, por sobre a copa de altíssimos cedros, até um lugar fora do tempo e, à noite, na cidade, tínhamos estado num pub em que toda a gente bebia cerveja e petiscava e cantava e, por fim, já subiam para cima das mesas, para dançarem abraçados enquanto cantavam. Uma festa. Mas nessa manhã, alguém atravessou a sala alcatifada, uma alcatifa macia em cinzento-escuro, as paredes todas em vidro, parecendo que estávamos no relvado, junto às árvores, e trazia uma coisa para me mostrar. Chamava-se grid, era pequeno, creio que antracite. E eu fiquei fascinada. 

Quando cheguei, contei o que se tinha passado e convenci-os que era aquilo e não outra coisa pela qual tínhamos esperado, sem sabermos que estávamos à espera. E isto ou qualquer coisa como isto deve ter acontecido um pouco por todo o mundo. A coisa foi-se entranhando e o mundo foi-se reformatando. Numa primeira fase era ainda um mundo que era um mix de mundo pre-histórico e de novo mundo. Mas foi andando. Ainda não havia, nessa altura, o hábito de pagar pelo que se usava até porque ainda havia a ideia de que era uma coisa que dava jeito mas da qual se poderia prescindir caso tal nos apetecesse. Usava-se mas copiava-se de umas máquinas para outras. Até que a coisa começou a fiar mais fino. A coisa começou a fazer parte da maneira de existir. Falava-se na Microsoft, no Windows, no Word, no Excel. E tudo o que se usava antes ia passando rapidamente à história. E, com  habituação total, veio junto um modelo de negócios que era tudo menos comum. E a seguir vieram as auditorias. Havia quem ainda tentasse fugir e havia quem não arriscasse danos reputacionais. Até que a coisa endureceu e a seguir às auditorias começaram a aparecer as facturas milionárias para regularizar a situação senão, sim ou sim, a coisa descambaria para os tribunais e para a opinião pública.

E aí toda a gente interiorizou: se usa tem que pagar, e ponto. A despesa das organizações (empresas, administração pública, demais instituições) disparou. Verbas impensáveis para os licenciamentos informáticos. As administrações furiosas da vida com a Microsoft. Gatunos, imperialistas. Monopolistas. Gananciosos. 

A Microsoft inflexível, preponderante. Ou pagas ou pagas. 

E toda a gente paga. Pudera, a dependência é total. Claro que há os open sources ou os googles desta vida. Mas não é a mesma coisa. Mover uma grande organização num outro sentido sai caro, perde-se tempo. Ninguém quer isso. Portanto, paga-se. 

E, então, com a Microsoft galacticamente hipergigamultimilionária, Bill Gates, o crânio que cultiva um permanente low profile, sai da gestão da empresa e muda-se para a Fundação Bill and Melinda Gates, uma fundação cujo porfolio de actividades é longo e pode ser visto no seu site. 

Em tempos, uma pessoa que tinha chegado dos Estados Unidos onde tinha vivido um par de anos com o marido e com os filhos, disse-me que a sua vida era dedicada ao voluntariado e que o tinha aprendido nos States em que havia muito a lógica de give back, devolver à sociedade o que a sociedade nos dá. 

E, segundo Bill Gates e a mulher dizem, é isso que fazem: devolvem à sociedade o muito que a sociedade lhes tem dado a ganhar. Defendem o direito à igualdade de oportunidades, o direito à saúde, ao desenvolvimento, à igualdade de género, o apoio à investigação e ao desenvolvimento, à divulgação do conhecimento. E muito mais.

Claro que se pessoas mais evoluídas como Obama, Biden ou o Papa Francisco o ouvem atentamente e agradecem e contam com e  o apoio da Fundação, Trump ignorou-o e os trumpistas inventaram as mais absurdas teorias da conspiração em cujo centro frequentemente o colocaram. Mas Bill Gates continua a ser o rapaz moderado e contido que sempre foi e, em vez de ficar irritado, fica é preocupado com o fenómeno negacionista e com o forte apelo que tanta gente sente pelo obscurantismo e pelas notícias falsas.

A entrevista que abaixo partilho é interessante. Não se pode dizer que seja curtinha. E é em inglês. Contudo, para quem tenha tempo e perceba a língua, é tempo que se dá por bem usado.

Bill Gates Warns The "Next Pandemic" Is Coming After Covid-19 - And How To Stop It 

| MSNBC

Bill Gates famously warned about the risk of a pandemic in 2015, and in 2021 he offers ideas on vaccines and preparing for the next pandemic. Gates stresses that spending in advance is actually quite a “bargain” compared to the cost of reacting to a pandemic once it ravages the world and cripples the economy. Gates also discusses tech regulations, attacks on him and Dr. Fauci, systemic racism, tax policy and his reaction to being cited in so many rap songs, in this debut of The Summit Series, a collection of in-depth interviews with leaders at the summit of their fields by MSNBC’s Ari Melber. Aired on 01/28/2021.

4 comentários:

  1. Francisco de Sousa Rodriguesfevereiro 02, 2021

    Obrigado pela partilha, riqueza!

    Boa terça!

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  2. Plano de Vacinação Covid em Portugal!

    1 - Seja o que Deus quiser
    2 - Desenrascados e chico espertos
    3 - Amigos de amigos a quem a vacina lhe passa pela mão
    4 - Pessoal da Saúde e Idosos
    5 - Governantes e Políticos
    6 - Sobras para os mais à mão
    7 - Qualquer um dos acima referidos

    A.Vieira

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    Respostas
    1. O plano não é mau. Os executantes é que são péssimos. E não é culpa do governo. É de todos nós e da nossa crónica desresponsabilização. Sempre a lógica do "nós e eles". É nas vacinas, é nós incêndios, é no desordenamento territorial, é na tragédia ambiental.

      Mas vejamos o plano de vacinação: será que um grupo de iluminados centralizado a escolher quem é que pode ou não pode ser vacinado era melhor? Ou a presença de um fiscal em cada vacina dada? Muitas chefias operacionais são uma desgraça, mas ponderando a necessidade de precisão e rapidez compreendo que lhes seja dado a elas o poder de decidir.
      Depois disto olhemos para estas instituições e sejamos mais responsáveis e exigentes: temos de nos envolver, de fazer parte, de participar e monitorizar. Afinal, são as associações / IPSSs na nossa rua: lares, bombeiros (sim, os bombeiros são associações e podemos ser sócios..). Precisamos e queremos descentralização e está na hora de assumirmos as nossas responsabilidades.

      PS: de resto, esperemos que apesar de tudo os casos que se têm descoberto, se se confirmar o solo, que sejam punidos exemplarmente.

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    2. Bem, é uma opinião populista, mas raios... Num grande grupo económico, vacinar alguém só porque é administrador de uma instituição que tem pessoas nos grupos alvo desta fase de vacinação? É abusar. Quando um grande grupo destes não tem músculo organizacional para implementar procedimentos que reduzam o risco de contágio dos grandes administradores sem que tenham de usar o raio da vacina então... Realmente mais vale assumir que é mesmo para vacinar tudo de uma vez de cima a baixo e que se não há vacinas para todos é quem chegar primeiro... http://expresso.pt/sociedade/2021-02-04-Covid-19.-Isabel-Vaz-presidente-do-grupo-Luz-Saude-foi-vacinada

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