sexta-feira, janeiro 08, 2021

As sete partidas da vida

 



Voltei ao escritório. Tinham-me dito que se concentravam agora por lá uns quantos que, por aversão à mudança ou receio do que lhes vai acontecer, se entretinham a armar confusão, lançando boatos e descrença. Por isso, achei que tinha que lá ir para ver como reagiam ao ver-me, para ver se os tinham no sítio e viriam dizer-me alguma coisa. Nada. Surpreendidos por me verem, sorriram, desejaram-me bom ano, e, quando lhes perguntei como estavam e como estavam as coisas a ir, disseram que 'tudo bem'. É sempre assim: fanfarrões destes não só não os têm no sítio como os devem ter pequeninos e rosados como little, little pink marshmello.

Só não digo o que vou fazer para a semana não vá algum Leitor infiltrado dar com a língua nos dentes, deixando-os de sobreaviso. Mas, aí, indo à toca do lobo, sempre quero ver.

Mas, então, ao ir e ao vir, circulei pela nossa belle Lisbonne, por alguns dos lugares mais lindos de Lisboa, la magnifique. Mas, infelizmente, ao contrário do que gosto mais, ir a ouvir jazz, janela aberta, devagar, quer ao ir quer ao vir, vinha com telefonemas complicados que me impediram de me entregar ao momento. Acho muito mal empregue o tempo -- que gostava de usar a sentir a luz e a beleza da cidade -- quando não consigo prestar-lhe atenção, concentrada que vou ao telefone.

Pensei: quando lá chegar, abro a janela e fico a olhar lá para fora, vista melhor é difícil haver. Mas ainda ia no corredor e já tinha à minha espera as três pessoas com quem tinha combinado lá nos encontrarmos. Portanto, vieram comigo até ao gabinete, abri a janela, coloquei a capa, a carteira e o telemóvel em cima da secretária e, até que saí, não consegui estar um minuto sozinha. De cada vez que recebia um telefonema, abri de par em par as janelas e pus-me a falar sentindo o ar da rua mas os telefonemas eram digamos que absorventes e não consegui desfrutar a paisagem. Outro desperdício.

Entretanto, confirmei aquilo que já constatei mil vezes antes: a minha produtividade é infinitamente superior quando estou em casa. Mas, em termos sociais e humanos, não se compara. Havendo um vazio, os mais ávidos de protagonismo, ocupam-no e o resultado não se coaduna com o que se pretende. Claro que os que estão ali são uma insignificante e ínfima minoria da totalidade de pessoas que trabalha na empresa mas, estando juntos, conseguem armar confusão e transmiti-la para os que estão noutros locais. Mas há também o lado humano, aquilo das pessoas virem ter comigo e contarem-me o que as preocupa a nível pessoal. Parece que estão naquele ponto em que rebentarão se não tiverem com quem falar. Uma colega falou da sua mãe, a situação em que ficou na sequência de uma queda. São daqueles dramas pessoais que se abatem na vida das famílias, que as atinge profundamente, deixando-as sem saber o que fazer, impotentes, sentindo que não poderão, de manheira nenhuma, estar à altura das necessidades, receando pelo destino dos seus mais velhos. Falava tentando conter as lágrimas. Com máscara, apenas os olhos lacrimosos à vista. Isto, de me procurarem para falar da sua vida, não acontece quando estamos fisicamente longe uns dos outros. Quando estamos remotos, telefona-se a outra pessoa ou marca-se uma conversa se houver algumas coisas de trabalho que o justifiquem.

Entretanto, enquanto escrevo, estou a ver o interessante documentário sobre Tomaz de Figueiredo feito pela neta. Tão íntimo, tão tocante. A vida de uma pessoa olhada, muitos anos depois, por uma neta que não o conheceu ou por uma das filhas que, na altura, não o compreendeu mas que, agora, muitos anos volvidos, acha que, se fosse hoje, com a vida que entretanto viveu e que a fez amadurecer, talvez compreendesse. Fiquei a pensar: quanto mais amadurecemos, mais tolerantes nos tornamos. Sabemos as mil cambiantes da vida, sabemos que o que está à vista é um pequeno nada face ao que calamos, sabemos que há mil razões que explicam comportamentos que, quando vistos superficialmente, nos parecem estranhos. Em contrapartida, reconhecemos à légua aquelas situações que não vão dar a nada e que mais vale cortar pela raiz. Mudamos, aprendemos.

No outro dia, vi um programa em que Lesley Stahl entrevistava pessoas em holograma, algumas das quais já mortas. Coisas estranhas. Um homem de idade, ainda vivo, assistia à entrevista com o seu holograma em mais novo. Cantavam ao mesmo tempo. E eu, vendo aquilo, pensei que não queria ver era mais nada. Do pouco que consegui ver, percebi que há uma empresa que entrevista pessoas para depois as fazer em holograma de corpo inteiro e, mais tarde, a pedido, pôr os mortos a fazerem de vivos ou os velhos a fazerem de novos. Estranhíssimo. Para quê? Queremos um mundo habitado por hologramas? Qual a substância de um holograma?

Mas atravessamos tempos disparatados, vamo-nos acomodando à estranheza que, antes, nos causaria repulsa. 

Tudo muda. As circunstâncias vão derrapando, nós derrapamos em cima delas.

Enfim. Adiante.

Havia um tempo em que eu dizia que era urbana. Sempre gostei de campo e sempre tive vontade de ter uma casa no campo mas achava que viver mesmo tinha que ser na cidade, incógnita no meio de multidões. A grande cidade era essa a minha zona de conforto. O campo era uma evasão. Agora passo bem sem a grande cidade. Gosto mas como evasão. Agora é o contacto com a natureza, o silêncio, o ar puro que me cativam. Não vivo agora no campo mas é um local tão resguardado e tão integrado na natureza que é quase como se fosse. 


Quando vou fazer a minha caminhada diária, se me cruzo com alguém, as pessoas cumprimentam-me. Ao princípio ficava admirada. Na cidade, é tanta a gente com que nos cruzamos que ficaríamos com a boca seca se andássemos a cumprimentar toda a gente. Aqui todos se cumprimentam com ar afável. Noutros tempos eu acharia isso uma invasão do meu espaço. Agora, não, agora também gosto de cumprimentar os outros. Antes, na cidade, gostava de ver em que paravam as modas, gostava de ver toilettes, lingerie, jóias, perfumes. Agora não quero saber de nada disso, já tenho que chegue e sobre até ter cento e cinquenta anos. Agora nas cidades gosto de olhar o ambiente, a paisagem, as flores, as árvores. E quando agora vou às compras, ao supermercado ou ao leroy, por exemplo, só me apetece ir ver que flores há. Tenho que me conter. No outro dia fomos lá para comprar um carrinho de mão, trouxe uma bromelia. Linda. Gostava de ter flores raras, gostava que os pássaros ficassem malucos de alegria como se vissem carne fresca no pedaço. 


Mudamos com o tempo. 

Agora estou aqui a pensar numa coisa: poderiam gravar-me agora a falar, por exemplo, com a minha filha e ela a falar naquela vez que eu apanhei um susto de morte pensando que, no meio do mato, estava a ser perseguida por um cavalo quando, afinal, era o meu filho a correr e a fazer uns estalidos lá dele e, creio, sem ter como intenção matar-me de medo. Sempre que ela, que estava em cima a assistir ao meu pânico, descreve a situação e me imita eu choro a rir. E tenho a certeza de que, se daqui por uns anos, me pusessem frente ao meu holograma, desfeita em lágrimas de tanto me rir, eu ia voltar a rir que nem uma perdida. Mas, enfim, valeria a pena o investimento? Quem me diz que gostaria de me ver setenta anos antes?


Adiante, adiante. 

Deixem que partilhe convosco mais um daqueles vídeos com que o meu amigo algoritmo me presenteia. Gosto sempre de ver. A paz que se antevê nestes modos de viver chega até aqui.

Inspired By Nature

E mais este aqui abaixo  que nos deixa alguns tópicos para reflexão

How Working Remotely Will Change More Than Work

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Pinturas de Henri Rousseau ao som de If I Go, I'm Goin - Gregory Alan Isakov with Aoife O'Donovan & Chris Thile 
Não sei se o título do post tem alguma coisa a ver com alguma coisa mas, ao escrevê-lo, achei que sim. Cenas.

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Uma feliz sexta-feira

7 comentários:

  1. "trouxe uma bromelia"

    Há coisa de um ano, também trouze uma. Chamei-lhe Bromélia Muge. Mas, a pouco e pouco, tem vindo, tragicamente, a secar. Sufestões para a salvar?

    Eternamente grato.

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  2. Olá João,

    E a moça, a Bromélia Muge (delicioso nome), está a ser tratada como flor de estufa, em casa, ou como galdéria, mulher de rua, pronta para todas as intempéries?

    Eu desde que trouxe a minha Miss Muge para casa tenho-a deixado na rua e quero pô-la num vaso. Mas estou na dúvida. Do que li, não consegui tirar a bissectriz: onde é que aquela belezura ficará melhor?

    Não sei.

    Agradecida ficarei eu se souber de que género é a moçoila.

    Um bom sábado, João.

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  3. A Bromélia Muge vive em vaso, numa varanda, acompanhada por uma buganvília e várias outras espécies botânicas. É parcimoniosamente regada. Deu uma flor, como devia, nasceu-lhe um filhote ao lado mas - mais a mãe do que o rebento - estão ambos a ficar amarelentos e a secar.

    Como diria o grande Lenine: "Que fazer?"

    Bom sábado em pré-reconfinamento.

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  4. João, ao contrário das Amélias (que gostam se bronzear) as Bromélias gostam muito de receber a luz solar de forma indirecta.
    Também apreciam temperaturas entre os 5 e os 35 graus, caso contrário as folhas têm tendência a ficar amarelas.
    Regas moderadas e isso o João já está a fazer.
    Isto são apenas generalidades, cada Bromélia será um caso...
    As melhoras :-)
    ☃️

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  5. "as Bromélias gostam muito de receber a luz solar de forma indirecta"

    É o caso.

    "apreciam temperaturas entre os 5 e os 35 graus, caso contrário as folhas têm tendência a ficar amarelas"

    Está ao ar livre urbano, em Lisboa.

    Que Zeus a revitalize.

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  6. Olá João,

    No meu post de hoje, mostro a prima da sua Bromélia Muge. A ver como está daqui por uns dias. Com o frio que está, certamente perto do 0 durante a noite, não sei se se sentirá muito feliz... O tempo, com um frio tão extremado, não está bom para meninas sensíveis, a começar por mim... :(

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  7. "No meu post de hoje, mostro a prima da sua Bromélia Muge"

    Antes de começar a ficar macilente, a Bromélia Muge estava também assim. Pode ser que, passado o frio, se safe.

    Bom pré-(re)confinamento.

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