Hoje trabalhámos imenso. Estivemos a arrumar as coisas que vieram no outro dia, no último round da mudança. Caixas, sacos. E a colocar no lugar certo o que tinha vindo da primeira vez e que tinha sido colocado um bocado ali, só para nos livrarmos de caixas. Bibelots não utilizados, roupa que estava provisoriamente onde não devia, à espera que viessem os roupeiros, revistas de decoração, revistas Ler, revistas Relâmpago, livros da minha área académica, da área dele, coisas assim. Já está quase tudo. As jutas e lãs dos tapetes de arraiolos também já estão arrumadas. Malas, carteiras também quase tudo. Produtos que vieram das casas de banho também.
Ainda há algumas na outra casa mas já é tudo residual. Já não assusta, nem há pressa. O meu marido diz: quando vendermos a casa, vamos buscar o resto. Espero que antes mas também não faço grande questão. Sei que vai ser outra sessão de decisões complicadas. Por exemplo, ele trouxe pouca roupa. Dos vários blazers azuis, todos iguais, que lá tem, deve ter trazido um. Dos de bombazina, ainda no outro dia que espreitei vi aquele azul muito escuro, praticamente preto, que eu gosto tanto de lhe ver. Diz que não precisa deles todos, que já têm algum tempo, que vai dar tudo. Nem quero pensar. Camisas vi lá uma enfiada delas. Diz que já trouxe aquelas de que precisa. Parkas são várias as que ainda lá estão, em bom estado, bonitas, boas. Não quer, diz que não quer encher os armários, que já cá tem que chegue. Não ando com disponibilidade para reagir mas sei que isto vai dar irritação. Faz-me impressão uma pessoa desfazer-se de tudo sem querer saber de vir a precisar ou a apetecer-lhe usar e já não ter. Está cada vez mais minimalista, mas a um ponto que a mim quase me choca. Por isso, não me importo de ir adiando esse confronto.
Devo dizer, contudo, que gosto de fazer arrumações de fundo. Gosto de pegar numa coisa que parece caótica, uma cave cheia de caixas e sacos e tretas e, aos poucos, ir vendo tudo a compor-se, a desordem a transformar-se em ordem. Gosto mesmo. A ver se amanhã, depois de tudo arrumado, o espaço amplo e organizado, varro e lavo o chão. Tenho este lado de femme à ménage que é muito forte.
De manhã, antes de começarmos com a empreitada, fomos fazer uma caminhada na praia. Estava um sol bom. Tirei a blusa de manga comprida, fiquei apenas com um top de alcinhas. Mantive as calças porque me pareceu que ficar de cuecas era capaz de ser chato. Este domingo levo calções. Apanhar sol é bom. Andar é óptimo. Depois fomos ao supermercado pois ontem não arranjei produto para limpar madeiras. Aproveitei e trouxe peixe que fiz cozido com todos. Fiz ainda uma máquina de roupa.
Ando com um vaso de Erica gracilis para transplantar há uma semana e ainda não tive tempo. A ver se consigo antes que definhe. Também tenho uns caroços de pêra abacate que quero plantar a ver se nascem árvores gigantes e carregadas de fruta macia que também quero ver se é este domingo que é desta.
Estive a ler uma entrevista a Christian Bréchot, presidente do Global Virus Network e o que ele diz não é especialmente animador: que a primeira leva de vacinas será para os grupos de maior risco, que será pouco eficiente, e que vacina mais efectiva e para o maralhal só lá mais para os fins de 2021. E que os tratamentos existentes são limitados, pouco clara a evidência da sua eficácia. Tudo ainda muito nebuloso. Portanto, é isto. Um cenário do caraças.
Ou seja, dado que o cenário é nebuloso e incerto, temos que aprender a virar-nos. Temos que aprender a perceber melhor os mecanismos de contágio para tentarmos sobreviver sem grandes danos, não nos deixando contagiar e, também, não menos importante, sem contagiarmos outras pessoas. E temos que arranjar mecanismos para irmos passando por entre os pingos da chuva sem desaprendermos as manifestações de afecto que agora são contrariadas pelo distanciamento. Isso preocupa-me e chateia-me (o que, podendo parecer que são coisas sinónimas, não são).
E temos que sei lá o quê, que nada disto é fácil. Os hospitais vão estar cada vez mais a rebentar pelas costuras. E a gente ter alguém da nossa família a entrar para um hospital numa altura destas e não poder acompanhar, estar perto, visitar, é uma dor de alma. Sei bem do que falo. E para quem está doente e é internado ainda bem pior deve ser, uma solidão e um medo que ninguém merece. Portanto, a ver se nos portamos inteligentemente para sairmos deste pesadelo bons do corpo e da alma.
Por mim, vou-me socorrendo da beleza. Nomeadamente da beleza das palavras. E da beleza das imagens e da música.
Abaixo, Shakespeare - Soneto 116 lido por Sir Patrick Stewart. Um bálsamo.
Boa noite Cara UJM,
ResponderEliminarQuando há vinte anos mudámos para esta casa, dei alguma roupa da minha filha que já não vestia e outra que eu própria nunca gostei de lhe ver.
Deixei no roupeiro do quarto dela, contrariando-a, algumas peças que por terem sido caras de bom gosto e estarem em bom estado ainda poderiam servir para as primas.
Ao longo dos anos fui juntando alguma roupa minha na esperança de emagrecer os kilos ganhos com a menopausa e ainda voltar a usá-las. Acontece a muitas de nós.
Esta semana a minha neta mais velha surpreendeu me ao aparecer vestida com umas jardineiras que eram da mãe e uma camisola do avô comprada na Serra da Estrela há, imagine-se CINQUENTA ANOS, ainda não eramos casados. Fica tão linda que me emocionei.
Atras disto perdeu-se de amores por um blazer e uma camiseira meus, que embora folgados lhe assentam bem.
Os netos crescem tão rápido.
Imagine daqui a pouco os seus, mais crescidos, descobrirem as roupas do avô e fazerem um sucesso.
"Esqueça-se" dessas peças boas na ultima porta de um roupeiro pouco usado e depois emocione-se tambem.
Eu não imaginaria um dia ver aquelas roupas vestirem tão bem uma neta minha.
Olá Pôr do Sol,
ResponderEliminarSabe que, justamente, encontrei umas camisolas de lã compradas na Serra da Estrela há mil anos. Já nem me lembrava delas. Aliás, uma camisola minha, branca, com uma risquinha encarnada e outra azul na gola e um casaco branco do meu marido, com um fecho à frente, com uns torcidos. Também as guardei.
No verão a minha filha lembrou-se de umas jardineiras de ganga de quando era adolescente. Perguntou-me se eu as teria guardado. Repare: isto depois de me ter dito, desde sempre, que eu poderia deitar fora tudo o que deixou em casa. Mas eu tinha-as guardado. Ainda lhe serviam. Usou-as ao longo do verão, óptimas.
E guardei camisolinhas bonitas dela a pensar que talvez venham a ficar bem à sobrinha dela. Tal como guardei camisolas e t-shirts bonitas do meu filho a pensar que ou ele ou os filhos ou sobrinhos dele vão, um dia, gostar de as usar.
A vida passa tão rapidamente, não é? Mas guarda surpresas dentro dela, não é? Imagino a sua surpresa e carinho ao ver a sua menina vestida com roupas já meio esquecidas. Uma ternura tão grande que sentimos com eles, não é?
Um abraço, Sol nascente!