De manhã encontrámo-nos na praia. Um dia azul. O céu azul, o mar azul. O ar transparente, leve, feliz.
Na praia, ao verem-se, os meninos mostram-se contentes, brincam uns com os outros, os rapazes, os pequenos e os grandes, jogam à bola, as meninas, as pequenas e as grandes, conversam, jogam ao disco, o mais pequeno dá cambalhotas, os outros fazem a roda e o pino. O tempo foi pouco pois à uma havia que estar em casa; mas foi bom enquanto durou. Estivemos todos de máscara excepto o mais pequeno que não tem paciência e a tira e os restantes enquanto comeram o lanchinho que levámos. Como não posso tê-los em casa, em volta de uma mesa grande, levámos um lanchinho. Por dentro sinto que isto me custa, que é uma pena que tenha que ser assim. Mas, pragmatismo oblige, tem que ser assim e contra factos não há argumentos. Não mostro que me custa pois, para além de tudo, estou contente por estarmos juntos e porque sei que ainda tenho é que me sentir agradecida por morarmos perto uns dos outros, por gostarmos de estar uns com os outros, por podermos estar juntos.
Os meninos, em especial quando andavam a jogar futebol, queixavam-se da máscara. Transpiravam, corriam, iam ao chão -- e tudo, a areia e o estarem ofegantes, de facto, não ajuda a sentirem-se confortáveis com máscara. Mas não dá para facilitar: os mais pequenos andam na escola sem máscara, sabe-se lá, e, em cima disso, pensava-se que o pai de parte dos meninos poderia ter contactado com uma pessoa positiva. De manhã soube-se que o teste dessa outra pessoa tinha dado negativo mas há casos de testes negativos em que, dias depois, se confirmam as piores suspeitas e, por isso, nunca fiando.
E a manhã passou num instante e nem deu para contemplar o mar que estava grande e muito bonito. Antes de nos virmos embora, um dos meninos, dos cinco o que é o do meio, agora já com nove anos, foi sentar-se perto do mar. Gosta de se sentar a meditar. Fica imóvel, o corpo deixando transparecer uma grande tranquilidade. Depois, quando estava cá em cima a calçar-se perguntei se, quando está assim, pensa em alguma coisa. Ele disse que não. Eu e a minha filha perguntámos ao mesmo tempo: 'E consegues?'. Com naturalidade disse que sim. E acrescentou que fica a ouvir o mar. Este menino surpreende-me. O mais crescido está quase da minha altura. Quando falo com ele ponho-lhe o braço pelos ombros e ele o braço dele pela minha cintura. O meu marido sempre a dizer que nos afastemos. Mas é difícil. Gosto de os sentir. A menina também está crescida e sempre linda, fala em vídeos tik-tok, fala em seguidores. Por dentro, arrepio-me. O mundo das redes sociais alastra e substitui a vida de bairro, de brincadeiras na rua. Une o que a distância afasta. Disso não tenho dúvida. O pior é o que vem por acréscimo. O outro menino, esguio, sempre atento, sempre ágil e pronto para dançar, genuíno na sua versatilidade. E o mais pequeno, brincalhão, alegre, com uma destreza física e verbal que nos deixa espantados.
Fotografei-os. Ficam registados estes dias de pandemia, de máscaras e tentativa de adaptação a estes estranhos tempos.
Tínhamos, in heaven, um cadeirão relax, dos que se reclinam e em que deles, puxando uma pequena alavanca, sai em baixo, um suporte para as pernas. Um dia resolvemos levá-lo para a casa da cidade. Na altura, acho que contei a proeza. Pesado, pesado, pesado. Não conseguimos que coubesse no elevador. Impossível voltar a enfiá-lo na carrinha. Tinha sido um pesadelo, os bancos todos rebatidos, a porta do porta bagagens mal fechada. Então resolvemos levá-lo escada acima. Morávamos no último piso de uma torre. Íamos desfalecendo várias vezes. Ele, em cima, içava-o degrau a degrau e eu, em baixo, tentava equilibrar e que o cadeirão não se despedaçasse escada abaixo de cada vez que a coisa não corria bem. Várias vezes pensámos que não íamos arranjar forças para o levar até dentro de casa. Mas há aquela velha máxima de que querer é poder. E conseguimos.
Desta vez não fomos nós que o trouxemos para aqui, foram os fantásticos brasileiros da empresa de mudanças. Está na sala grande do sótão, junto à janela onde dá o sol. É lá que me sento nestas tardes em que o tempo corre com vagar. A ler. A sentir o sol a deslizar sobre mim. A deixar que o sono desça, adoçando-me a consciência, a existência.
E, para retribuir o conforto da vossa presença aí desse lado, aceitem que partilhe convosco este vídeo maravilhoso. Leio que é um presente de Natal. Tomem-no como o meu presente de Natal antecipado.
"Lightplay, A Christmas Gift" -- Sergei Polunin
Voa, Sergei, voa
Às vezes pergunto-me se não terei uma costela de voyeur por gostar de vir aqui assiduamente.
ResponderEliminarImediatamente me apercebo de que o mundo da UJM, real ou ficcionado, me transporta comparativamente para o meu mundo e para o mundo dos meus conhecidos. Isto quando estão em causa cenas familiares. Acabo então a fazer um flashback de partes da minha vida e isso tem sido pedagógico. Ajuda-me a recordar o que fiz de bom e a reflectir melhor sobre o que fiz de mal. Acho que começo a ficar preparado para poder nascer outra vez, (para ser tão tão como o Cavaco) ..
Olá Amofinado,
ResponderEliminarGosto de saber que está aí desse lado. Gosto de escrever mas gosto ainda mais de escrever como se estivesse a conversar com quem está aí, desse lado.
Será que já alguém organizou encontros virtuais de bloggers ou um blogger com as pessoas que o lêem? Era capaz de ser engraçado. Claro que lá se ia o anonimato e nisto o anonimado é muito disciplinador. A gente fala em total franqueza, sem se sentir condicionada a agradar a A ou a B. Fala-se sem se saber com quem. Por isso, uma conversa via zoom com leitores é capaz de não ser boa ideia.
E muito obrigada pelas suas palavras. Gosto de as ler.
Dias felizes, Amofinado.