terça-feira, outubro 27, 2020

Guardar ou não guardar, eis a questão

 



Fomos até ao campo no sábado e foi aquela paz imensa que ali, mais do que em qualquer outro lugar, me invade de uma forma tão envolvente e feliz. Aqui, onde agora vivo, também há sossego, silêncio e canto de passarinhos. Mas não há a protecção da serra em volta, não há a serenidade rural que ali é absoluta. Mas o tempo anda-me a correr e eu mal consigo agarrá-lo. Foi ir, desfrutar um pouco, fotografar as belas cores de outono, os cogumelos que começam a irromper da terra, almoçar, descansar, olhar tudo, olhar como se quisesse ficar com as imagens, os sons e os cheiros impressos nas minhas células. Depois, no regresso, ainda fomos a casa da minha mãe. Ia escrever 'a casa dos meus pais' mas o meu pai é agora apenas memória. Quando estou com ela, tento não falar nele ou, se falar, falar com naturalidade. Sei que, se demonstrar emoção, a minha mãe não conseguirá controlar o pranto que lhe corre dentro. 

Viemos tarde e, por isso, como sempre, jantámos muito tarde. O meu marido anda saturado, diz que não são horas, queixa-se que há muito tempo que não consegue descansar. Concordo. Também eu.

No domingo, cedo, voltámos à outra casa. Horas de labuta, uma labuta que cansa. Os quartos que eram dos meus filhos, o que eles deixaram. Escolher, separar, coisas para dar, coisas para o lixo, coisas para trazer. Roupas, papéis, dossiers, cenas de toda a espécie. Olhar, avaliar, decidir. Infindavelmente. E trazer os móveis que fazem sentido trazer para cá, dar outros. Caixas, sacos, hesitações, discussões. O meu marido é apologista de deitar tudo fora, a eito. Como sabe que o meu ponto fraco tem a ver com os miúdos, filhos e netos, quando quer manipular-me é essa a arma a que deita mão: agora, de cada vez que eu acho que faz sentido trazer, ele sai-se com esta: 'queres complicar a vida aos teus filhos, quando tiverem que decidir o que fazer às nossas coisas? queres que passem anos a revirar a tralha que queres guardar?''. Claro que é argumento de peso. Mal ouço isto, equaciono se será coisa a que eles ou os seus filhos achem graça ou queiram aproveitar. Senão, ponho de lado. Mas também pode ser roupa que, por ser boa e bonita, ainda pode ser aproveitada. Dúvidas, dúvidas. Dúvidas que têm que ser resolvidas em ambiente de desmotivação e cansaço.

De tarde, já aqui em casa, chegou a minha filha com os miúdos. Eram quatro e tal e ainda estávamos a almoçar. Depois fomos passear, todos. Conversando, na boa. Uma caminhada à tarde e em família é do melhor que há. Um dos meninos levou a trotineta. Experimentei e gostei. Aquilo ganha mesmo velocidade. A minha filha filmou e partilhou. Quando vi, achei que não fazia jus. Ela gozou comigo. Lanchámos já era de noite. Na rua. A maior parte do tempo andámos de máscara. Tenho pena que tivéssemos chegados até aqui... mas nada a fazer: é o que é.

Hoje madrugámos. O meu marido levantou-se às cinco. Dividimo-nos: entre a madrugada, a hora de almoço ou o after hours, com uma empresa de mudanças acabámos esta tremenda empreitada. Para casa do meu filho foram umas coisas que eram dele e para cá o que faz sentido. Coisas da minha filha ainda lá ficaram mas muita roupa dela ou foi para dar ou, alguma, repesquei e ela que resolva o seu destino. E algumas coisas, móveis, candeeiros, uma máquina de secar que já não estava grande coisa, e até um móvel óptimo, de excelente construção e acabamento e bela madeira, um móvel feito à medida para a outra casa e que aqui não encaixava bem em lado nenhum, ficaram para a empresa de mudanças. Vi que estavam contentes. Se calhar, distribuem entre eles.

Ainda lá há alguma roupa por escolher, em particular roupa do meu marido. Recusa-se a olhar para aquilo e escolher, não tem paciência. Mas também ainda há coisas minhas. Agora tudo é para escolher, nada que seja declaradamente para trazer. Mas é roupa que está nos roupeiros embutidos. Ou seja, já não há mais mudanças contratadas. Nem há urgência. Agora apenas teremos que de lá tirar tudo quando vendermos a casa (era bom que fosse depressa) ou, quando nos enchermos de coragem, para tirar isto da ideia. Eu prefiro despachar tudo o mais rapidamente possível. O meu marido, que habitualmente também é assim, neste caso nem quer pensar no assunto.

Hoje, enquanto lá estive, consegui deixar as divisões vazias, sem tralha restante pelos cantos. Mesmo assim, uma varanda está cheia de sacos com roupa para dar. E um vaso com terra. E uns baldes de tinta que soprou de anterior pintura. E um cesto onde estão as cortinas de crochet que tinha numas janelas e que agora não tenho onde pôr mas que me dá pena deitar fora. Noutra varanda, num canto, há uns cestos com brinquedos desencontrados, incompletos, e uma figura de madeira pintada, de que muito gostava e que, não sei como, ficou com a cabeça partida. Se a colar fica boa. Mas não sei bem onde colocá-la. Talvez debaixo do alpendre. O meu marido ralha: não enchas tudo de tralha. Ele é minimalista. Eu quase sou mas também gosto de ter alguns objectos atípicos e nos quais reconheço beleza ou graça. 

Agora, aqui na casa nova, voltámos a ter caixas por abrir, sacos para esvaziar. A cave está cheia de coisas para arrumar . Mas eu gosto que as coisas sigam uma lógica, uma harmonia. Por isso, antes de começar a arrumar coisas ao acaso, quero pensar onde vou arrumar as revistas de decoração, onde vou arrumar os bibelots sobrantes, onde vou arrumar as molduras que não tiveram lugar até aqui. O meu marido, que odeia o caos, olha para o panorama e passa-se, por vontade dele não tinha agora trazido nada. Eu vivo bem no meio da confusão pois sei que, qual polinómio complexo que se vai simplificando, mal se faça luz na minha cabeça, acabará tudo arrumado, sem que pareça amontoado ou cheio de tralha.

Mas, com isto, estou mais do que cansada. Foram muito poucas horas de sono, muito andar acima e abaixo, a dizer onde se põe isto, onde se põe aquilo. Já para não falar que, antes e a seguir ao jantar, estive a ver e responder a mails, a despachar e aprovar coisas da empresa ou, no meio de tudo, andei a telefonar, a mandar mails, a resolver trapalhadas. Mas, enfim, acho que esta noite devo conseguir dormir bem. Nestas alturas de mudanças, durmo mal. Acordo a pensar e a ter ideias sobre o destino a dar a cada coisa. 

Por exemplo, não sabia onde haveria de pôr a aparelhagem, uma aparelhagem à antiga, um móvel preto, tipo ikea, mas com amplificador, leitor de cassetes, gira-discos, leitor de cd's, colunas separadas. De noite, acordei com a solução. E os LP´s, os CD's. Ponho-me a pensar nisto e, às tantas, não durmo. Agora já se sabe onde vão ficar mas é preciso tirá-los das caixas e arrumá-los. Ai.....

A ver é se não fico toda derreada, tantos pesos carreguei, tanto subi e desci. Os meus músculos costumam ressentir-se com o esforço concentrado e excessivo. Enfim. O que vale é que depois passa.

E agora ainda tenho que ir consultar um cv para uma reunião determinante que tenho de manhã. A covid pode estar por aí aos pinotes mas o mundo -- felizmente -- não estaciona.

E, já agora: que ideia absurda é essa de porem a Prova Oral a começar depois da uma da manhã? Logo hoje que queria tanto ver o maluco do Pedro Paixão... Não percebo quem são os palermas que fazem a programação dos canais de televisão. 

Bem, já que estou numa de décor, permitam que partilhe um vídeo que gostei de ver.

A pintora italiana Malù Dalla Piccola mostra a sua casa em Paris. E eu gosto tanto de ver casas. Fará casas com a pinta desta.



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Um dia bom para si que está aí desse lado.
Saúde, sorte e alegria.

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