Um novo dia cansativo: ir à outra casa cansa-nos. Já não existe aquela motivação que havia quando embalávamos coisas e coisas sem parar, descobrindo coisas que não víamos há tempo, desejosos de ter as nossas coisas na casa nova. Agora é o rabo da coisa a ser esfolado. Tudo o que era relevante e imprescindível já cá está. Sobra o que só se usa de quando em quando, o que passou de moda, o que é bom demais para ser deitado fora mas que, na casa nova, nem se sabe bem onde pôr. E ao início, em Julho, não estávamos tão cansados e saturados como agora já estamos. Vimos de lá exaustos, pouco nos aguentamos por lá. Devíamos conseguir estar mais tempo mas ao fim de hora e tal já estamos impacientes, já só nos apetece vir embora. Reparo agora que nem me tenho lembrado de ir à janela. E tanto que eu adorava ver o rio, a bela Lisboa dourada pela luz do fim do dia.
Hoje já resolvi deitar para o lixo o equivalente a três grandes caixas de cartão e um saco preto do lixo, daqueles grandes. Mas ainda há muito para revirar.
Trouxemos vários travessas de inox, tabuleiros de pirex, vários de alumínio, fritadeiras (coisa que não uso há anos), toalhas de mesa, individuais que tinham ficado esquecidos, peças de barro como dois assadores de chouriço e um prato para o servir. Coisas pesadas que só visto.
Trouxemos ainda um quadro grande e dois feitos com azulejos artesanais. Creio que ficarão bem in heaven.
E depois fui-me às minhas carteiras, maletas, sacolas. Muitos anos a ser coquette é uma coisa tramada. Anos de vida urbana, anos de querer sentir-me bem arranjada, toda eu cheia de atenção aos details. Mas neste momento olho para as coisas de uma maneira diferente e penso que era outra. Carteiras (ou malas, como queiram) de todas as cores e feitios: uma cor-de-rosa, uma em azul profundo em camurça, outra em azul claro, tão bonita. Uma em amarelo torrado-dourado, outra, bolsinha, em pele castanha cor de mel, aos folhozinhos, uma graça. Outra em feltro preto, bordada em flores coloridas. E outras. Algumas, datadas ou a caminho de gastas, foram para o lixo. Mas ainda pior que serem demais: as coisas que todas ainda tinham dentro. Canetas e pens (que, Mr. X, Caríssimo Info-excluido -- já somos dois! --, não são a mesma coisa), pacotes de lenços de papel, batons já meio secos, tampões, moedas, cartas, carteiras com cartões, alguns dos quais eu procurava há séculos. Parte foi para o lixo, parte ficou num saco à espera que eu tenha tempo e disponibilidade para olhar para cada papel antes de lhe traçar a sina. E trouxe parte da bijuteria. Ainda me falta trazer aquela pequena vitrina de parede que, a meu pedido e com perfeição, o meu pai fez e onde tenho as pérolas, as pseudo-pérolas, as madre-pérolas, os corais. O meu marido trouxe um candeeiro de pé que estava meio abandonado. Tinha até ideia que não estava grande coisa. Afinal, depois de ajustado, estava bom e fica a mesmo a calhar ali num canto da zona de jantar. Viemos carregados. Uma vez mais, o carro a deitar por fora.
E depois fui-me às minhas carteiras, maletas, sacolas. Muitos anos a ser coquette é uma coisa tramada. Anos de vida urbana, anos de querer sentir-me bem arranjada, toda eu cheia de atenção aos details. Mas neste momento olho para as coisas de uma maneira diferente e penso que era outra. Carteiras (ou malas, como queiram) de todas as cores e feitios: uma cor-de-rosa, uma em azul profundo em camurça, outra em azul claro, tão bonita. Uma em amarelo torrado-dourado, outra, bolsinha, em pele castanha cor de mel, aos folhozinhos, uma graça. Outra em feltro preto, bordada em flores coloridas. E outras. Algumas, datadas ou a caminho de gastas, foram para o lixo. Mas ainda pior que serem demais: as coisas que todas ainda tinham dentro. Canetas e pens (que, Mr. X, Caríssimo Info-excluido -- já somos dois! --, não são a mesma coisa), pacotes de lenços de papel, batons já meio secos, tampões, moedas, cartas, carteiras com cartões, alguns dos quais eu procurava há séculos. Parte foi para o lixo, parte ficou num saco à espera que eu tenha tempo e disponibilidade para olhar para cada papel antes de lhe traçar a sina. E trouxe parte da bijuteria. Ainda me falta trazer aquela pequena vitrina de parede que, a meu pedido e com perfeição, o meu pai fez e onde tenho as pérolas, as pseudo-pérolas, as madre-pérolas, os corais. O meu marido trouxe um candeeiro de pé que estava meio abandonado. Tinha até ideia que não estava grande coisa. Afinal, depois de ajustado, estava bom e fica a mesmo a calhar ali num canto da zona de jantar. Viemos carregados. Uma vez mais, o carro a deitar por fora.
E ainda passámos por outros lugares pois, no meio disto, com o que deixámos para trás, reparámos que há algumas coisas que deveriam ser repostas. Passámos também pelo supermercado. Para além de limpa-vidros, de detergente para tijoleira vermelha, de lâmpadas, de autocolantes para pregar quadros (yes! mais caro do que se possa pensar mas dá um jeitão...) e etc., trouxe mantimentos diversos e... sardinhas (yes!). E assim foi que, depois de termos regressado cheios de sacos e de termos arrumado o possível (algumas coisas aguardam que eu engendre qual a melhor forma de as arrumar) e de termos tomado banho, preparei uma bela sardinhada. Batata cozida, salada de tomate, pão saloio.
Mas se a tarde foi pesada e durou até tarde, já a manhã foi tranquila, na praia. Ampla, felizmente já com pouca gente, bom tempo, um mar forte. E com leitura. Fiz um intervalo no Narciso e Goldmund. Para a praia prefiro livros pequenos, leitura que possa ser entrecortada. De Alberto Manguel, 'Com Borges'. Tão bom. Coloco o livro no meu alinhamento para ficar na sombra. O excesso de luz dissolve as palavras. De vez em quando penso que deveria esforçar-me por fixar o que leio. Mas sei que não consigo, só registo as ideias, não as próprias palavras. Agora, ao escrever isto, pensei em várias passagens; mas não consigo encontrá-las. Talvez que não seja suposto extrair frases do seu contexto. Ainda assim, arrisco transcrever este pequeno excerto.
'(...) o que, na minha cabeça, as conversas deviam ser sempre: acerca de livros e acerca do mecanismo dos livros, acerca da descoberta de escritores que eu nunca lera, e acerca de ideias que não me tinham ocorrido, ou que só dera conta de maneira hesitante e semi-intuída e que, na voz de Borges, cintilavam e deslumbravam em todo o seu rico e de algum modo óbvio esplendor. Eu não tomava notas porque, naqueles serões, me sentia demasiado satisfeito.'
E apercebo-me agora que ainda cheiro a gengibre apimentado. Trouxe da outra casa uma caixa daquele creme que adoro: Special Edition Ginger Body Yogurt. Tem um aroma apimentado que me agrada muito. Já estava menos de meio e o meu marido quase se passou quando percebeu que estava a carregar embalagens usadas. Mas ia deitar fora uma coisa de que gosto tanto...? Acabo o banho e, ainda na banheira, a pele ainda morna e húmida, passo o creme pelo corpo que o absorve de imediato deixando-me com aquele perfume levemente exótico, levemente intrigante. Gosto.
Gosto de coisas talvez insólitas: a pele perfumada com gengibre picante, conversas boas, fluidas, francas, comportamentos nobres, conversas onde as ideias cintilam, e, também, de estar deitada ao sol, ler, apanhar folhas secas na relva ao fim da tarde, sentir-me satisfeita por aprender e ter vontade de descobrir, gostar de estar com os outros, gostar que os outros gostem de estar comigo, sentir que a confiança é sagrada, mais sagrada do que mil rezas, deslumbrar-me com a cor escandalosa das flores, ficar em suspenso para melhor perceber o invisível canto dos pássaros, esperar a chegada de momentos ainda melhores. Coisas assim. Talvez simples, talvez, por vezes, inalcançáveis.
Gosto de coisas talvez insólitas: a pele perfumada com gengibre picante, conversas boas, fluidas, francas, comportamentos nobres, conversas onde as ideias cintilam, e, também, de estar deitada ao sol, ler, apanhar folhas secas na relva ao fim da tarde, sentir-me satisfeita por aprender e ter vontade de descobrir, gostar de estar com os outros, gostar que os outros gostem de estar comigo, sentir que a confiança é sagrada, mais sagrada do que mil rezas, deslumbrar-me com a cor escandalosa das flores, ficar em suspenso para melhor perceber o invisível canto dos pássaros, esperar a chegada de momentos ainda melhores. Coisas assim. Talvez simples, talvez, por vezes, inalcançáveis.
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Pinturas de Yoshihito Kawase a acompanhar Ghostly Kisses em Where Do Lovers Go?
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Paz e amor. E saúde também, claro.
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