Para quem, como eu, não praticava, por hábito, o teletrabalho, esta modalidade confunde-se, nas nossas cabeças, com outros factores que, em circunstâncias normais, não estariam associadas ao teletrabalho.
Por exemplo, ter crianças em casa ou a terem aulas e a carecerem de algum suporte e/ou controlo, ou, se mais pequenos, a precisarem de apoio a tempo inteiro é algo que obriga a um dispêndio de atenção, a um esforço de paciência, a um permanente exercício de equilíbrio.
Depois o ter que estar sempre a confeccionar refeições... outra seca. Antes, almoçava sempre 'fora', muitas vezes à sexta à noite e ao fim de semana também. Agora népias. Meses a pensar 'o que é que se há-de comer...?'. A única excepção é a bela pizza que mandamos vir entregar a casa quando chegamos à cidade e é porque a caixa vai para o lixo e a pizza para o forno, para matar qualquer hipotético bicho. Ou, no dia dos meus anos, dia, por sinal, muito atarefado, em que chegaríamos a casa depois das três da tarde e não havia pachorra para ainda ir cozinhar. Então, fizemos o impensável: fomos ao McDonalds comprar um menu para cada um. Chegámos a casa e foi ao forno. Depois sentámo-nos e foi uma festa. Batatas fritas com ketchup, aqueles grandes hambúrgueres. Claro que a família, quando soube, ficou escandalizada. Aliás, nem queriam acreditar. Os miúdos, então, que estão instruídos naquela disciplina de que não é saudável comer aquele tipo de comida, estavam estupefactos. Paciência. Um dia não são dias. E soube-me que nem banquete.
Mas, voltando ao teletrabalho, outra que agora também se mistura é a de vivermos com a pancada do contágio, a sair menos e, quando saímos, tendo que usar máscara, desinfectar as mãos, chegar a casa e lavar as coisas ou pô-las de quarentena. Ou seja, fruto de vivermos um período de pandemia, às tantas confundimos o teletrabalho com o stress do medo do contágio.
Eu, que de modo algum posso queixar-me -- pude ir para o campo, tenho uma casa grande e etc. -- já me vi atrapalhada sem ter como fazer uma reunião em sossego por haver miudagem à solta e a fazer barulho e haver um adulto em cada canto em videoconferências. Imagine-se, pois, como será para quem vive em casas pequenas, sem privacidade, sem meios para poder trabalhar em conforto e sossego, com miúdos por perto aos saltos e aos gritos. Ou, então, tendo como parceiro/a de casa, a ouvir as conversas, alguém que não tem nada a ver com aquela realidade e que não sabe respeitar ou que, depois goza ou desvaloriza. Um stress, imagino.
Mas, retirando esses factores que são conjunturais, pensando apenas no teletrabalho, para as funções em que tal seja possível parece-me uma coisa do melhor. Claro que tem que ser da vontade do próprio. Se a pessoa sente que não tem condições para trabalhar eficientemente e em paz, então deve ser livre de dizer que quer trabalhar presencialmente. Depois é muito importante perceber que há pessoas que precisam de ser dirigidas e controladas. Quando o não são, sentem-me abandonadas, entregues à sua sorte, desmotivam-se, quase deixam de trabalhar. Quem coordena equipas em teletrabalho tem que estar mais presente (remotamente falando, claro) do que antes e tem que deixar espaço para que os carentes se manifestem, para que sintam que há quem lhes dê colo. Claro que isto é mais exigente para quem tem que garantir que o trabalho é feito e que a malta anda contente e motivada. Por mim, fiquei a perceber os que têm mais estofo, os que são mais frágeis, os que sabem automotivar-se, os que sentimos que se afundarão se não estivermos ali para lhes dar uma mão.
Mas o teletrabalho, quando está bem enquadrado e há condições para isso, proporciona um equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, proporciona uma vida mais saudável e, estou em crer, um país também mais equilibrado, sem a pressão urbanística das grandes cidades.
Seja como for, é assunto a ser equacionado abertamente, sem preconceitos, pensando nas pessoas e no futuro da sociedade.
Contudo, conheço muito boa gente que é contra, mil vezes contra e muito mais contra quanto pensa que quem o defende quer é estar de férias e a receber o ordenado. Torna-se difícil falar com quem assim pensa pois parece que cada argumento nosso é uma mera desculpa esfarrapada para querer é viver no bem-bom.
Talvez por isso, gostei de ver o vídeo do The Guardian, com a simpática Iman Amrani
Work, life and balancing it all during coronavirus | A New Normal
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As pinturas são de Alvin Hollingsworth (e não vale a pena tentarem encontrar ligação entre as imagens e o texto)
e estão aqui na companhia de Cai Thomas que canta Suo-Gân
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E abaixo a solidão e viva a alegria.
Um dia feliz para si, para quem estou a escrever.
Ummmmm McDo, de vez em quando sabe bem e por isso lhe digo que fez muito bem, por vezes há que dar uns piões na gastronomia.
ResponderEliminarGostei da sua reflexão sobre o TT, embora eu seja daqueles que preferem o belo tête-à-tête.
Por falar em "novo normal", outro dia alguém me disse que vivemos é o "perfeito anormal", nomeadamente no que diz respeito aos gestos afetivos. Também adotei o termo para estes tempos de carcará sanguinolento.
Um belo dia.
… parece-me que o Teletrabalho nos torna mais transparentes. Retira-nos muito das máscaras e das bengalas com que tradicionalmente nos refugiamos. Destaque para os coordenadores, chefes ou o que se lhes queira chamar (ou dos candidatos a tal), dos quais se vê muitas vezes a incapacidade sobressair.
ResponderEliminarDiz-se que nós somos nós e a nossa circunstância. Apesar das dificuldades referidas no texto, no Teletrabalho a circunstância será mais igual para todos. Por exemplo, a vestimenta, a altura, o vozeirão, o gracejo intimidatório, o fogo no olhar, terão um impacto mais esbatido.