quarta-feira, junho 17, 2020

Queira-se ou não, muitas coisas já mudaram





Eu tinha uma VC às quatro, outra às cinco e o meu marido estava na mesma. E eu a ver que eles haveriam de chegar quando estivéssemos os dois agarrados. A das quatro atrasou-se, tive que avisar que a seguinte ia começar mais tarde. Só pensava que tinha que ser, sempre isto, quando mais queremos que as coisas corram de feição é que o vento há-de pôr-se do contra. Depois foi a que começou às cinco e tal que começou a enrolar. Eu a ver o tempo a passar e os temas a surgirem e eu a querer acelerar e a coisa a não fluir. E o tempo a derrapar. Não gosto de reuniões compridas nem das que se estendem para além do horário mas há alturas em que não dá para atalhar. 

E, então, estava eu em plena reunião, a ouvir o meu marido na mesma, numa outra sala, quando ouvi o som de um carro na rua e, a seguir, um carro a apitar. Pensei: 'Ora bolas, chegaram... e agora?'. Teria que ir lá fora abrir o portão. Ora era a mim que, na reunião, estavam a reportar uma situação. Não ia dizer: 'Congelem, vou ali tratar de uma cena'. Passado um minuto, uma mensagem da minha nora 'já cá estamos, estamos no portão'. Respondi que já ia, que me dessem uns minutos. A custo lá consegui interromper. Fui a correr, literalmente a correr, ao portão. E lá estavam eles, os miúdos de mochilas, todos com ar de férias mas com computadores e iPads. E o bebé: 'Não vieste... O que aconteceu? Deixaste-nos aqui... Porquê?'. Expliquei: 'Estou numa reunião'. E ele, intrigado com a falta de recepção: 'E o avô?'. Expliquei: 'Também'. 

Mas já vinha o meu marido a aparecer à porta. Contrariada, lá tive que voltar para a reunião.


Passado um bocado estavam eles a passar a correr numa direcção, depois noutra, passado um bocado uma zaragata na cozinha, depois o meu filho a tentar pôr ordem na mesa. Passado um bocado, o bebé à porta da sala: 'Até que horas é a tua call?'. Fiz sinal com a mão que estava quase e, logo a seguir, apareceu o meu filho a mandar que ele se calasse.

Quando finalmente me despachei e vim ter com eles, cá fora, o bebé ficou tão contente que me tratou de uma maneira que me enterneceu, uma maneira mesmo ternurenta: 'A minha avojinha...'. O meu marido gozou logo: 'Olha, a avozinha'.
Até me lembrei do meu colega que quando soube que tinha nascido o meu primeiro neto me disse: 'Olha a avozinha... Sabes que sou o lobo mau, não sabes?'.  Foi esse meu colega que uma vez me fez rir à brava (e já aqui o contei pois rio-me sempre quando penso nisso). Estava a minha filha com o bebé no meu gabinete, tinha ido lá fazer-me uma visita, apareceu uma colega. Diz ela: 'Soube pelo avô que aqui estavam, vim conhecer a criança'. Fiquei muito admirada: 'Pelo avô...?'. A minha filha tinha ido no seu carro, sozinha com o bebé, o meu marido não fazia parte do programa. Então a minha colega disse o nome de um colega nosso e desatou a rir. Fiquei passada. Passado um bocado, entrou ele. Zanguei-me logo: 'Olha lá, estás parvo ou quê? Que parvoíce é essa de andares a dizer que és o avô da criança?. E ele, com o ar mais normal do mundo: 'Que é que tem? Não disse de quem é que sou pai...'. Desatei a rir e ainda agora me rio. A outra avó é das pessoas mais acima de qualquer suspeita que se pode imaginar e só de pensar na hipótese de ela poder ter pulado a cerca com aquele meu colega deixava-me perdida de riso. E deixa.
Bem. Adiante.


Como não sabia que eles vinham, quando a minha filha saíu no domingo ao fim da tarde, coloquei uma toalha branca em cima da mesa da sala de jantar e, em cima, uma cama de orégãos para que sequem.

Hoje, como a mesa grande voltou a ser necessária, desloquei a toalha com os orégãos para outra mesa e o meu marido foi abrir a outra aba para se poder pôr a mesa para jantar. Nisto, não se sabe como, a mesa desconjuntou-se. Felizmente que cá estava o meu filho. Viraram a mesa de pernas para o ar e, felizmente, conseguiram arranjá-la. Pensei que foi sorte: imagine-se se isso tinha acontecido quando, em vez do meu filho, estava a minha filha. Não sei como é que aquelas manobras poderiam ter acontecido: não tínhamos força para o ajudar. Depois pensei para comigo: esta minha lógica é como aquela de uma pessoa deslocar o pé e a gente dizer-lhe: 'foi sorte, podia ter partido a perna'. E, se tivesse partido uma perna, teria sorte na mesma porque poderia ter partido as duas.

Depois de jantar, fui despejar os restos lá em baixo, debaixo de um arbustos, para os animais. O bebé quis vir comigo. Quando chegou à rua, hesitou e disse: 'Já está um bocadinho de frio...'. Pensei que, na volta, deveríamos ter vestido um casaquinho mas disse-lhe: 'Não, deixa, é rápido, vamos a correr'. E ele: 'Quando é quase de noite fica mais frio...'. E eu a pensar que, na volta, a criança tem é mais juízo que a maluca da avó, insisti: 'Bora, anda, vamos num instante'.


Depois, de regresso, o meu filho tinha que trabalhar e foi ali para aquele canto da sala e a minha nora ficou a brincar com os miúdos. Passado um bocado, o bebé veio sentar-se ao pé de mim. Perguntou: 'Qual o pin do teu tefone?'. Fiquei admirada. Diz ele: 'Eu sei o pin do iPad mas do teu tefone ainda não sei'. Lá lhe coloquei o código e perguntei para quê: 'Para eu ver o YouTube Kids'. E ali esteve a ver, a escolher vídeos, na maior das destrezas. Três anos feitos recentemente. Fico espantada.

O mano do meio estava a ver o Mr. Bean e a mana fez uma videochamada de grupo à tia para lhe mostrar a fita do cabelo e a tshirt nova que a mãe comprou online e para que a tia nos visse a todos.

A esta hora já todos devem estar, ali ao lado, no estúdio, a dormir a sono solto. E eu penso que isto da covid tem coisas boas. Coitadas das pessoas que adoeceram, coitadas das pessoas que, na cidade, padecem de confinamento e receio de se contagiaram, especialmente as que vivem quase amontoadas, sem condições. E sei como é horrível uma pessoa, para ir à rua, ter que andar de máscara, ter receio de tocar em superfícies, ter receio de levar sapato sujo para casa. E sei como é uma desgraça a quebra da economia, o desemprego, a pobreza, a miséria. Claro que sei isso tudo.


Mas, no meio de tudo, há esta coisa boa de estarmos mais em família, das crianças estarem mais tempo em casa e mais junto dos pais e irmãos, de podermos trabalhar sem que isso signifique virar costas à casa e à família.

Todo um mundo novo. 

Dirão os mais cépticos que mundo novo o escambau e que novo normal uma treta. Percebo. Há um lado meu que também. Mas, de facto, tudo isto a que temos estado a assistir é um coice do acaso no status quo e burros nós, mais burros que os asnos mais asnos, se não soubermos parar para pensar e para corrigir erros passados e presentes e para sabermos influir na nossa vida para um melhor futuro.


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Fotografias feitas in heaven (como é bom de ver).

Paulo: já ando a prestar mais atenção aos passarinhos, já ando a conseguir fotografá-los. Um dia destes já os conheço pelo nome. Vai ver...

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Saúde e dias felizes

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