Durante quase dois meses a casa estava sempre arrumada. As coisas não mudavam de sítio sozinhas e nós também não as mudávamos. Agora tudo levou uma volta. Melhor: uma permanente reviravolta. Olho à minha volta e tudo se alterou. Pode até nem estar propriamente tudo desarrumado. Simplesmente as coisas mudam de sítio. Os meninos têm aulas, fazem trabalhos, brincam, lancham várias vezes por dia, mudam de poiso, levam as coisas com eles. Há um movimento constante cá em casa. Hoje havia ao mesmo tempo três adultos em videoconferência e dois meninos em aulas remotas, e eles sempre circulando.
A dada altura a professora dava aula em inglês e ia mandando um e outro desligar o microfone, depois punha-os a fazer trabalhos em grupo mas mandava um estar quieto, outro desligar o microfone, outro que participasse. E eu a ter reunião e a ouvir a minha filha, a ouvir o meu marido, o outro menino a ouvir uma aula. Tempos novos.
Como o mundo mudou tão depressa... Como foi possível que tudo levasse tamanha volta e que nós, em cima de um mundo em reviravolta, nos aguentássemos em pé, alterando o nosso modo de vida de uma maneira tão radical? Custa a perceber. Se um dia por cá aterrasse uma nave espacial e de lá saíssem uns seres esquisitos a dizer que vinham tomar conta da Terra e que ficássemos sossegados como ratos assustados, em três tempos ficaríamos todos enfiados em casa, sem darmos luta, acobardados, manietados. E se a seguir chegassem outros e nos dissessem que cavássemos buracos no chão para nos enfiarmos lá dentro, fá-lo-íamos também.
E digo isto incluindo-me no grupo dos confinados já que faço parte da grande multidão que recolheu às boxes, que se modificou de uma ponta a outra, que aceitou na boa que nos isolássemos. O medo é o nosso maior inimigo. Ou aliado -- nem sei.
Por vezes, ocorre-me que, na volta, até já apanhei o bicho e já estou imunizada. Mas o esquisito é que também não sei se quero voltar exactamente à vida antiga. Não quero.
Enfim. Paradoxos.
Adiante.
Hoje estava eu a ter uma reunião, uma daquelas que me tira do sério -- porque a incompetência e a estupidez natural cada vez mais me tiram do sério -- e o menino mais novo, que estava a fazer trabalhos na outra sala, pegou no seu iPad e veio sentar-se à minha mesa, em frente, para me ouvir atentamente. Se eu o encarava, ele sorria e fazia de conta que voltava aos seus trabalhos mas logo a seguir punha-se a olhar para mim com uma atenção admirada. Não conhecia esta minha faceta e dir-se-ia que estava estupefacto. A seguir, o mais crescido, quando a aula acabou, veio sentar-se também e ali ficou, identicamente atento. Presumo que pouco tenham entendido, mas estavam atentos como se não pudessem perder pitada.
Hoje estava eu a ter uma reunião, uma daquelas que me tira do sério -- porque a incompetência e a estupidez natural cada vez mais me tiram do sério -- e o menino mais novo, que estava a fazer trabalhos na outra sala, pegou no seu iPad e veio sentar-se à minha mesa, em frente, para me ouvir atentamente. Se eu o encarava, ele sorria e fazia de conta que voltava aos seus trabalhos mas logo a seguir punha-se a olhar para mim com uma atenção admirada. Não conhecia esta minha faceta e dir-se-ia que estava estupefacto. A seguir, o mais crescido, quando a aula acabou, veio sentar-se também e ali ficou, identicamente atento. Presumo que pouco tenham entendido, mas estavam atentos como se não pudessem perder pitada.
Acontece que, quando estou focada, nada me desfoca. Observava-os mas continuei na minha.
Ouvia que, ao lado, na cozinha, a minha filha servia e aquecia a comida. O meu marido também passou por ali, mas ao largo, para ir para a cozinha mas, habituado, não ligou.
Quando acabei, fui logo ter com a minha filha a ver se precisava de alguma coisa. Disse ela: 'Aquilo ali estava complicado...'. E logo a seguir disse aquilo que eu tinha pensado. Aqueles incompetentes apanharam-me pela frente bem como, por sorte, mais três colegas que, em conjunto comigo, fizeram uma barreira de fogo que, espero eu, tenha neutralizado a parvoíce perigosa que estava ali a armar-se. Mas e se, em vez de nós, tivessem apanhado uns verdinhos, daqueles que comem tudo o que lhes dão a comer e que comem e calam? Quantas alarvidades acontecem assim. Falava-se ali que, numa situação destas, se poderiam suprimir não sei quantos fte's aqui, ali mais outros tantos, acolá mais uns quantos. E, para quem não saiba o que são fte's, eu informo: o equivalente a tempo inteiro. Mais concretamente: uma pessoa a tempo inteiro. Isto usa-se porque, por exemplo, se eu disser que aquele empregado está meio dia sem nada que fazer e outro também meio dia, pode dizer-se que ao todo tenho uma pessoa disponível (meia pessoa + meia pessoa) pois posso passar o meio dia de trabalho de uma para a outra. Ficarei com uma ocupada a tempo inteiro (1 fte) e dispenso a outra.
Mas isto não se pode ver assim. E não vou agora aqui explicar porquê mas dou um exemplo limite para exemplificar que não se pode usar uma lógica redutora: se tenho um director que só tem trabalho para meio dia e um motorista que também só tem ocupação durante meio dia, faço o quê? Corro com o director e ponho o motorista meio dia a ser motorista e a outra metade do dia a ser director? Ou vice versa? Disparates.
Chegam ao fim de um trabalho e gabam-se que têm um plano para 'capturar' 'eficiências', reduzindo custos que nunca mais acabam mas, se formos a espremer, são só disparates. Acresce que a maior parte das eficiências são pessoas que ficariam sem emprego. E até poderia ter mesmo que acontecer. Mas tem que se ter a certeza que é mesmo isso e que não se sacrificam postos de trabalho, poupando de um lado para se gastar mais de outro.
Chegam ao fim de um trabalho e gabam-se que têm um plano para 'capturar' 'eficiências', reduzindo custos que nunca mais acabam mas, se formos a espremer, são só disparates. Acresce que a maior parte das eficiências são pessoas que ficariam sem emprego. E até poderia ter mesmo que acontecer. Mas tem que se ter a certeza que é mesmo isso e que não se sacrificam postos de trabalho, poupando de um lado para se gastar mais de outro.
A seguir ao almoço, os meninos pegaram nas suas coisas e vieram, de novo, abancar em volta da minha mesa. Tenho, pois, agora, assistência. Habituados à sua Tá que gosta de fazer comidinhas para os ver a enfardar ou que gosta de lhes dar beijinhos e que arranja sempre maneira de os deixar ser livres, deparam-se agora com uma outra mulher que fala de assuntos diferentes e que se revela surpreendentemente diferente da que conhecem.
Antes de jantar, estava eu a confeccioná-lo e a minha filha a fazer uma óptima sobremesa cuja receita tinha combinado ao telefone com a minha mãe, recebeu ela uma chamada e eu outra. Ambas de trabalho. E então andávamos as duas de telemóvel preso entre a cara e o ombro e a preparar a janta. Pelo meio, um e outro a entrarem e a saírem da cozinha. E isto também é atípico pois eu, habituada desde sempre a barafunda à minha volta, sempre precisei de espaço e sossego quando estava a telefonar. Agora já nem isso.
Depois de jantar, ligaram os outros meninos. Meus lindos. Gostava tanto que cá estivessem todos. Sinto muita falta de os ter fisicamente todos à minha volta, todos ao mesmo tempo, vê-los a brincarem uns com os outros na maior animação e confusão.
Felizmente temos agora o fim de semana. Não haverá reuniões, não haverá telefonemas de trabalho, não haverá stresses. Haverá limpezas, descanso, fotografias, convivência. Tão bom.
Se há coisa que me faz passar dos carretos é quando alguém fala em regressar ao trabalho. Regressar ao trabalho? Caraças. Acho que nunca trabalhei tanto. Estou é a precisar de férias.
Portanto, meus Caros, descansem também. E portem-se mal. E tenham um belo sábado. Saúde.
Portanto, meus Caros, descansem também. E portem-se mal. E tenham um belo sábado. Saúde.
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Mas antes de me ir vou aqui ouvir um poema. Assim como quem bebe um copo.
[Ah, é verdade: pinturas de Willem de Kooning]
Olá, bom dia
ResponderEliminarEssa coisa dos fte está a encanitar-me. Ora, vamos por partes: toda a gente sabe que motoristas em part-time a ganharem como fte servem para pouco ou mesmo nada. Aliás, toda a gente sabe que um director é muito mais importante do que um motorista (isto, claro, se não estivermos a falar de uma empresa de transportes). Não sendo esse o caso, os motoristas não servem para nada; então, vai que agora os directores não têm carta de condução? Portanto, eis o que proponho: eliminem-se quatro ou 5 ftes de motoristas e contratem-se 1 ou 2 ftes de directores. Muito melhor para toda a gente: por um lado, os ftes directores, nos dias que correm, devem estar mais baratos, por outro, ftes directores são muito mais produtivos (tendo carta até podem fazer uma perninha enquanto motoristas), como toda a gente sabe, do que ftes motoristas. Confuso? Não é e assim todos ficariam felizes, quem sabe até se não haveria ftes motoristas a reciclarem-se em ftes directores e vice-versa, consoante as necessidades do momento? Enfim, só um a sugestão. Boas fotografias. :-)