quinta-feira, maio 28, 2020

A força e beleza dos laços invisíveis que nos unem





Nem em tudo somos estúpidos. Há coisas em que somos extraordinários.

As voltas que damos aos tombos e tropeços em cima da  história -- passos absurdos, passos atrás, passos para o lado e para baixo, passos sem nexo. E, no entanto, por vezes, quase sem querer, aproveitando uma ideia que tinha um outro propósito e fazendo-a voar noutra direcção e, indo ela voando por aí, vai que, sem se saber bem como, abre uma porta e nessa porta nasce uma outra forma de viver. Esta coisa da internet é assim.

Há gente a arrancar fronteiras da terra ou a inventá-las a ferro e fogo, gente a empurrar esfomeados a pontapé, outros a deixar afogar gente amontoada em casquinhas de noz, há gente mentirosa ou que já perdeu até a noção do conceito, há gente idiota que acredita que a terra é plana ou que acredita que há uns deuses pirosos cujos pastores gritam e fazem milagres ao vivo, deuses esses que criaram o ser humano sem passar por evolução coisa nenhuma, gente que mata e esfola, que vive de negócios de sangue. Há gente parva, há gente má, há gente bronca.

Mas depois, inexplicavelmente, há gente inteligente, gente que gosta de equações e da singeleza das leis matemáticas, que gosta de poesia e epistolografia, que sabe de engenharia, que sabe transformar palavras em zeros e uns e desses zeros e uns consegue que renasçam poemas, histórias, músicas.

Há gente a quem devemos novas vidas e novas formas de viver a vida. Há gente a quem nunca agradeceremos o suficiente. 

Hoje, ao fim da tarde, ao sol dourado do belo sunset, eu e a minha filha constatávamos como os dias aqui, in heaven, correm depressa.

Vivemos intensamente cada dia mas, pensando bem, nunca é nada de mais, os meninos felizes da vida, nós apaziguados e na boa, trabalhando, cozinhando, o meu marido, no intervalo da sua actividade, limpando o mato, nós estendendo roupa ao sol -- sem sentirmos falta da vida que antes era a nossa. Nem temos vontade de a ela voltarmos. E, no entanto, apesar de não vermos vivalma que não nós, não nos sentimos isolados. Não estamos isolados.

Por exemplo, agora. Estou aqui escrevendo palavras que, de imediato, se soltam pelos ares, procurando novas leituras, novos espaços, palavras que vão aconchegar-se sob o olhar de quem me lê. E, ao mesmo tempo, até mim chegam-me outras palavras, aforismos, cartinhas, graças, curiosidades, abraços, risos. Um mundo inteiro à mão de cada um. Eterno milagre.

Um merdinhas de nada, um coisinha nenhuma, um enojadinho sem vida própria fechou o mundo em casa, limpou o ar, mudou hábitos, pôs os aviões em terra, fechou fábricas e repartições, atirou com muita gente para a inactividade e desemprego, matou e assustou muita gente. Uma pouca vergonha em que ainda custa a acreditar. Mas, apesar disso, a malta manteve-se unida, descobriu novas solidariedades, percebeu que assim, em isolamento, pode chegar mais longe do que com as pernas e com os aviões, percebeu que o afecto está dentro de nós e não no que nos é exterior. E percebeu que por muitos quilómetros e muitos meses que separem os que se amam, há sementes que germinam incessantemente dentro de nós mantendo a seiva de que a vida se alimenta.

Por vezes emociono-me. Como lá acima disse, há situações que me levam a crer que há estúpidos por todo o lado e que a humanidade não tem salvação. Mas há outras em que, não estando eu à espera, sou surpreendida por mais uma prova de que o impensável é possível e que, se isso é assim, então quantos mais novos mundos desconhecidos estão por aí, por descobrir...?

O vídeo lá de cima é disso exemplo. O palco passou ser a própria casa, o laço que une os músicos é a vontade de estarem unidos, a harmonia e força que testemunhamos é o bocado da sua vida que generosamente nos emtregam. São novos tempos e novas formas de os atravessarmos. E nesta descoberta há muita beleza. E a beleza é geralmente o ventre fecundo da felicidade por vir.

Eu, pelo menos, acredito nisso e essa crença é, para mim, um bom alimento.

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Pinturas de John Humphreys Johnston

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E um belo dia a todos!

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