Estou quase na mesma que nos outros dias. Passa da meia-noite e estou a começar. Debato-me entre conversar com quem, generosamente, ali abaixo comentou ou responder a mails ou começar já aqui. Mas estou deveras esgotada; por isso, desculpem-me se me atiro já à página em branco. Esta quarta-feira começo o dia bem cedo com uma call (e não estou a fazer género mas apenas a reproduzir os termos que usamos) pelo que não posso repetir a proeza de ir para a cama às três da manhã.
Esta minha terça-feira foi do piorio. Comecei mal pus o pé fora da cama, só consegui comer uma banana, uma laranja e um café já a meio da manhã. Ás tantas, estava a andar de um lado para o outro ao telefone, reparei que o chão da sala precisava de ser limpo. Então fui buscar vassoura e pá e varri. À pressa. E a ouvir os mails a chegar. Levantei carpetes, mudei cadeiras de sítio, afastei a mesa grande, a mesa pequena, varri, tudo a grande velocidade. Nisto tocou o telefone. Um telefonema longo. Entretanto, fui temperar o entrecosto e pô-lo no forno. Já era quase meio-dia.
Apareceu, então, o meu compagnon de route. Dizia que, se era para irmos ao supermercado, o melhor era irmos à hora de almoço pois o dia dele não estava a dar tréguas. Pensei que o meu também não. Fui acabar de me vestir, baixei o forno, e lá fomos.
Cenário de ficção. Ninguém em lado nenhum. Quando chegámos, um empregado à porta, de luvas, disse que só podia entrar um de nós. Entrei eu. A seguir apareceu o meu marido. Mal me viu disse: 'A ver se nos despachamos'. Respondi que ajudasse. Mas, como de costume, não descobriu nada e foi ficando furioso. Não intui o lugar das coisas nos supermercados que desconhece e a este acho que só tínhamos uma vez. Quase ninguém, um supermercado quase vazio é uma coisa estranha. E toda a gente desviando-se dos outros. Quando uma senhora deu uma tossidela toda a gente estremeceu e olhou para ela com desconfiança. Se calhar até eu.
Como aqui no campo não tinha congelados ou grande coisa e, a comermos sempre em casa a comida parece que desaparece num instante, resolvemos ir abastecer-nos para ver se, durante os próximos dias, quiçá sete ou oito ou mais dias, não saímos daqui.
Detestei. Não havia arroz, não havia gel de lavar as mãos, quase não havia peixe fresco, pouca carne. Nem algumas coisas de que precisava e que não são vitais tais como toalhitas anti-transferência para pôr na máquina de lavar roupa, para as cores de umas roupas não mancharem outras. Pelo caminho vim a ver mails e avisei que já ligava a uma que estava a ligar-me. Depois foi chegar a casa, arrumar as coisas com cuidado. A seguir, despi-me, fui tomar banho, fiz o acompanhamento (batatinhas e feijão verde cozido), desatei a receber telefonemas. O meu marido também e teve que ir fazer um mail urgente. Quando estava a vestir-me, cabelo molhado, o telemóvel deu aquele toque de lembrete. Fui ver. Vídeo-conferência em cinco minutos. Quase baqueei. Naquela figura? No way. Fui a correr pentear-me. E qué dê o pente? Apenas vestida da cintura para cima, fui à sala onde estava o meu marido sentado na escrivaninha e, aflita, perguntei-lhe se tinha visto a meu pente. Soltou uma gargalhada e disse: 'É que passou aqui a minha mulher'. Estava ao telefone, e felizmente não disse à pessoa com quem estava ao telefone porque é que isso o fazia rir e, mais felizmente ainda, não estava em videoconferência. Não descobri o pente. Fui à cozinha onde tinha deixado a bolsa pendurada nas costas de uma cadeira e revirei-a. Nenhum pente. Fui à casa de banho, procurei na gaveta onde há um pouco de tudo e descobri uma escova. Enfiei uns leggings porque, sentada em frente do computador, não se vê, penteei-me, fui pôr uma subtil sombra verde cinza na pálpebra superior e, esgalgada de fome, apresentei-me ao serviço. As cadeiras ainda estavam fora do sítio, as carpetes reviradas mas isso também não se via.
A seguir, já era hora do lanche, fomos almoçar a correr.
A seguir, já era hora do lanche, fomos almoçar a correr.
Os assuntos foram-se complicando ao longo da tarde. E eu cheia de pressentimento. Telefonemas, mails. Ao fim da tarde mais uma videoconferência. E a seguir foi non stop até quase às nove. Quando íamos jantar ligou o meu filho e estivemos a conversar com os meninos. O do meio está desdentado. Menino mais querido. O bebé quis ver onde é que eu estava e, como sempre, quis falar com o avô. Ela, menina mais fofa e linda, mostrou ginásticas. Uma dor de alma não os ter entre os meus braços. Quando me sentei para jantar, o telefone. Era a minha filha e os meninos. O mais crescido, muito crescido, menino querido. O que, em tempos, foi o bebé e depois, o ex-bebé, está grande, divertido, faz caras, ri-se. Mais fofo. Tal como o meu filho também a minha filha está em teletrabalho. Achei-os com ar cansado.
Jantei às dez e tal. Mas a seguir outro telefonema. Más notícias, tudo a complicar-se. O tal pressentimento que vinha sentido desde a tarde. sustos e mais sustos. E mais mails.
Não vi as conferências de imprensa, nada. Só que, no meio destas cenas de mails, telefonemas, preparar-me para jantar e etc, passei pela salinha da televisão, esta em que agora estou, e estava a dar uma coisa qualquer. Como a saleta estava às moscas não tive a quem perguntar o que era aquilo. Percebi, depois, que era um programa da Alexandra Borges a introduzir um debate em que a maioria dos debatedeiros estava em casa e que ia continuar na tvi 24. E, para meu espanto, lá estava o matemático pop, quiçá alternativo, misto de sub-hipster, misto de profeta da desgraça, candidato a nostradamus de trazer por casa. Atrás dele, uma estante com uns bibelotes (bibelotes e não bibelots, ao que me foi dado perceber), um dos quais quase me parecia a Nossa Senhora de Fátima mas que não devia ser. Ao dizer ele uma coisa qualquer, ela concluíu que 5% da população portuguesa ia precisar de ventiladores. Fiquei beige. Da população portuguesa...? Bolas, bolas, bolas. Devia ter dito 5% dos infectados mas para gente empolada o que é preciso é dizer coisas tchanã, que assustem a populaça. Saberá ela quanto é 5% da população portuguesa? Não deve saber. Instantes antes, a dita Alexandra, para dizer mal do Governo, que deveria ter feito e não fez, devia ter encomendado e não encomendou, tinha louvado o grupo Mello por ter encomendado cinquenta ventiladores para oferecer. E eu, que não sou de falar sozinha, não consegui evitar: 'Mulher mais estúpida'. O meu marido foi espreitar: 'Quem?'. Apontei. Ele fez uma cara de enjoo e perguntou: 'Mas tu estás a ver isso?' Expliquei que não, que ia a passar. E acrescentei que não é preciso ser muito esperto para antever que, estando para abrir o hospital CUF Tejo, o que deve ter acontecido é que os 50 ventiladores já estariam disponíveis, à seca, à espera da inauguração e, portanto, foi só pegar neles e emprestar. Mas estas moderadoras (acho que não se lhes pode chamar jornalistas) gostam é de baderna, infectados e sangue a escorrer pelos olhos. Pensar não é com elas.
Quando ao Covid o que tenho a dizer é o seguinte -- e prestem atenção que vou dizer apenas uma vez (pois não me conseguirei acordada para dizer uma segunda vez):
- Há muito mais infectados do que os oficiais. E isto não é que os oficiais estejam mal. Não. Só que os oficiais são os que se podem contar, os declarados, os que testaram positivo. Ora, como se sabe, há doentes que não têm sintomas, estão infectados sem o saberem. Outros estão infectados e só têm sintomas dias depois. Portanto, num dado momento, quando a curva está a subir, na realidade há muitos mais novos casos do que os que se consegue declarar.
- A taxa de mortalidade do Covid é, forçosamente, bem inferior à 'oficial'. E isto deve-se a que ao número oficial de infectados há que adicionar os que não têm sintomas ou que são tão leves que a coisa passa por uma constipação de nada.
Dito isto, é indispensável levar muito a sério os riscos. Sei de casos que, pelo local em que trabalham, tornam as consequências para o país muito severas e preocupantes. E isto já para não falar naqueles cuja saúde é débil e a quem a aventura covidiana não corre muito bem. Por isso, é bom que toda a gente tenha mil cuidados, lave bem as mãos, não tussa para as mãos ou para o ar, mantenha-se em isolamento social. Depois de haver isolamento social à séria ainda vão continuar a manifestar-se os casos que estavam e incubação. Mas, havendo isolamento, quebrar-se-ão as cadeias de transmissão. E isso, agora, é o que é indispensável. A última coisa que deveremos querer é que o Buescu tenha razão e que a meio de Abril já houvesse mais portugueses infectados do que portugueses cadastrados.
E, para rematar, se não querem ir por mim (e acho bem que não vão, que eu é mais bolos), um conselho: se querem aprender com quem sabe da coisa, vão até onde se fala de Concentração urbana, biodiversidade, sistema imunitário ... e a vida no sec. XXI não esquecendo a resposta ao meu comentário.
E, para rematar, se não querem ir por mim (e acho bem que não vão, que eu é mais bolos), um conselho: se querem aprender com quem sabe da coisa, vão até onde se fala de Concentração urbana, biodiversidade, sistema imunitário ... e a vida no sec. XXI não esquecendo a resposta ao meu comentário.
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Imagens com o gato dela descobertas no Panda Cansado porque quando estou aqui a trabalhar vejo dois gatos lindos a passearem lá fora, um branquinho e preto e outro cor de mel e branco. Vêm ao som de Omar Sosa & Paolo Fresu a interpretarem A Moment
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Uma boa quarta-feira e caraças, força nisso, para achatar a curva como deve ser
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Rica UJM,
ResponderEliminarTenho-me abstido ao máximo de meios de comunicação social e parece-me que faço bem, se não ficaria de outra cor mais intensa que beige.
Aguardo as medidas que por aí vêm e que sejam iluminadas pela sensatez de quem nos governa.
Recomendo a todos que consultem o site da Ordem dos Psicólogos para umas indicações úteis sobre o impacto psicológico do isolamento entre outras.
Bom trabalho.
Aquele abraço.
Ujm
ResponderEliminarem silêncio tenho passado mas deixe - me lembramá-la que há outros matemáticos, economistas e até epidemiologistas a reforçarem os dados do Baescu. Não tão intensos porque ele já se retratou dos erros que cometeu e ia tentar explicá-lis no P&C quando a estronça lhe cortou o pio.
Lembro só que há décadas os cientistas vinham avisando para os problemas climáticos mas ninguém m lhes ligava ou que estavam a exagerar.
Fez muito bem o homem em acagaçar o pessoal pois há pessoas que só com as chamadas terapias de choque ganham juízo
Um abraço