terça-feira, março 17, 2020

De um lado, Fátima Campos Ferreira e os ventiladores, Jorge Buescu e as previsões e Marcelo e a self-quarentena.
Do outro, Pedro Simas e a inteligência (e o garbo), Patrícia Gaspar e a lucidez, Marta Temido e Graça Freitas e a sabedoria e firmeza, António Costa e a liderança e Rodrigo Guedes de Carvalho e o jornalismo como serviço público.
Tudo isto em tempos de COVID-19, essa besta invisível de mil patas.





Nem consigo descrever o meu dia de teletrabalho. Não sei em que mundo é que eu vivia quando imaginei que estando em teletrabalho in heaven, ia conseguir ter tempo para limpar a casa, para dar umas voltas pelo arvoredo, quiçá estar ao computador enquanto, estendida na espreguiçadeira, apanhava uns retemperadores banhos de sol. Não sei mesmo. 

Trabalhei de manhã à noite, quase sem tempo para pôr o almoço ao lume, quase sem tempo para confraternizar com o meu roommate. E limpar a casa, claro, nem pó. Estes dias têm estado a ser muito difíceis. As empresas não estavam preparadas para isto e de uma semana para a outra pô-las a funcionar com cada um em sua casa e, na frente de batalha, as baixas a começarem a acontecer, dia após dia, e a gente a querer que as tropas se mantenham no terreno, não é fácil. E, pelo meio, articular tudo, assegurar a comunicação entre todos. E a toda a hora a receber mails de outras empresas a informar que vão deixar de prestar os serviços, e as coisas que estavam encomendadas a nunca mais chegarem e a gente a pensar que, um dia que as coisas cheguem, pode não estar ninguém nos locais para as receber. 

E todo o dia, de manhã cedo à noite, mails, telefonemas, videoconferências.


E os meus filhos em casa com os miúdos e a preocupação que tenho por eles e eu aqui longe deles, que pena, que saudades. E os meus pais, que tripla preocupação. E a minha mãe que não era capaz de me encaminhar uma receita e toda ela, enervada, a suspirar, com vontade de não tentar mais com medo de a apagar. E eu aqui com medo de lá ir não vá contagiá-los, eu que até sexta-feira andei em elevadores, em salas de reunião sem janelas e com alcatifas, em restaurantes, em toda a espécie de locais públicos frequentados por gente das mais variadas proveniências. 

Mal vi televisão mas vi a excelente entrevista de António Costa: firme, transparente, lúcido, directo, consciente. Portugal deve confiar na sua mão forte na condução desta tragédia.

E o Rodrigo Guedes de Carvalho: perfeito.

E vi os Prós e Contras. Uns nervos. Aquela Fátima Campos Ferreira esteve do princípio ao fim obcecada com os ventiladores. Qualquer coisa que qualquer dos convidados dissesse ela rematava com uma pergunta ou uma observação sobre os ventiladores. Que isso é um nó górdio é. Mas antes de nos preocuparmos que não há ventiladores para todos os que precisam, temos é que nos preocupar em que não haja muita gente a precisar. Para programas destes, sobre matérias complexas, tem que haver moderadores que percebam o que os outros dizem.


Outro que parece que levou uma paulada na tola é o tal de Buescu. Não sei para que números é que ele está a olhar que o levam a extrapolar que a meio de Abril já iremos com 12 milhões de infectados em Portugal. Juro: não percebo. A ser assim, em Itália, a esta hora, uma vez que já levam um bom avanço temporal em relação a nós, já iriam com setenta e tal milhões de infectados -- e vão com vinte e oito mil. É muito infectado, claro, mas, caraças, nada que se compare com as maluqueira do Buescu. Portanto, please, percebam que em todas as profissões há profissionais que etc. e tal e este é um desses. Não é por se ser matemático que se pode levar a sério. Isto do covid é uma desgraça que se abateu sobre o mundo mas, no que se refere a nós, não é nada da catástrofe que aquele senhor para aí anda a espalhar. Começou por desvalorixar para agora andar a empolar. Não é para levar a sério.


Bem, bem esteve Pedro Simas. Por tudo o que disse e por outra coisa: é um giraço. Não sei se ainda se diz mas eu digo: um pão. Um borracho. Façam o favor de o levar à televisão mais vezes e de avisar antes para eu não o perder. Um consolo. Gente inteligente e bem apessoada daquela boa maneira são um suplemento de alma para a gente resistir ao covid.

Outra que esteve muito bem foi a Patrícia Gaspar. Serena, forte, confiante, sabedora. A forma como acabou o programa deu-me vontade de a abraçar, de lhe oferecer flores, de lhe agradecer. Grande mulher.


Saindo do Prós e Contras, outro que também já mostrou que não se pode levar a sério é o Marcelo. Depois de andar a desobedecer a todas as recomendações da DGS e, publicamente, a incentivar ao desacato, parece que caíu na real. Mas não apenas caíu na real como parece ter ficado acagaçado perante a perspectiva de poder ter infectado meio Portugal, parece ter caído num estado de estupor catatónico. Isolou-se. Mas isolou-se mais do que a conta pois parece que desertou. Não estava doente, não tinha indicações para deixar de exercer a sua função. Apareceu a falar aos portugueses como se não atinasse com o computador, quase às cabeçadas ao monitor. Um som e uma imagem inexplicáveis. Parecia que estava a falar do meio da selva, sem condições. Caraças. Alguma coisa impede que alguém contacte com ele e lhe coloque uma câmara e um microfone à frente? Passou dos banhos de multidão com beijinhos e selfies para o isolamento monástico, esquecendo-se que é Presidente da República, esquecendo-se do momento assustador que atravessamos. Parece que sem a muleta dos beijinhos e o andarilho das selfies ficou com medo de andar.


A quem eu tiro o chapéu é a Marta Temido e a Graça Freitas. Mulheres trabalhadoras, inteligentes, bem preparadas, dedicadas, fortes. Temos que lhes agradecer por todo o esforço, por toda a entrega, por toda a lucidez, por toda a angústia e stress a que certamente estão sujeitas ao longo de tantos dias consecutivos. Não sei como aguentam, devem andar arrasadas, mal dormidas, sujeitas a todo o tipo de pressões. Confio nelas e agradeço-lhes. Nelas e na Patrícia Gaspar. E no António Costa.

Vamos sair desta. Vamos mesmo. Temos é que nos aguentar. Com muita disciplina, com isolamento, com sensatez, sem pânico. Mantendo-nos em funções se o pudermos (mesmo que remotamente), garantindo que o mundo volte ao normal logo que possível. E pode ser que surja rapidamente o tratamento e que nos reinventemos em melhor. Acredito nisto. Acredito mesmo. Ainda que agora esteja muito preocupada pois não consigo avaliar a dimensão do que nos espera.


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Não tento explicar o que me ocorre pelo que não sei porque é que me apeteceu ter aqui pinturas de Lucien Freud ao som do Cálice pela Maria Bethania.

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Desejo-vos uma boa terça-feira e, vá lá, descubram lá uma receita de coisa para sairmos desta: 
seja vacina, seja tratamento, seja bolo, seja mezinha, seja reza, seja o que for. 
Ou uma mistura disso tudo.

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14 comentários:

  1. Obrigada pelas suas palavras que subscrevo! Uma lufada de ar fresco e de esperança no meio de tanto alarmismo e histeria. Sim, o momento é muito grave, a situação imprevisível, mas há que manter a serenidade e a calma, redobrado obviamente os cuidados e seguindo à riscas as indicações das autoridades competentes. Desejo-lhe um ótimo dia.Maria

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  2. Há muito tempo (anos) que leio o seu blog e não imagina a satisfação com que o faço. Muito obrigado pela sua companhia e pelo esforço que faz para estar presente diariamente. Hoje, como sempre, concordo plenamente com as suas palavras e com os seus comentários ao programa "Prós e Contras"e à entrevista do Primeiro Ministro. Por favor, continue a estar regularmente connosco. A sua página faz-nos bem e é um verdadeiro "serviço público" nestes dias difíceis.

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  3. Agradeço sinceramente este post que subscrevo! Obrigada!

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  4. "a meio de Abril já iremos com 12 milhões de infectados em Portugal"

    Milhões?...

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  5. Cara UJM gosto muito de a visitar, transmite sempre a lucidez e a tranquilidade dos equilibrados para além de sempre certeira no "tau tau no rabo" que algumas figuras da nossa praça fazem questão de merecer.

    Muita saúde!

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  6. S. Carvalhomarço 17, 2020

    E à semelhança do nosso "general de opereta", o cardeal patriarca também parece ter dado às de vila Diogo. Se isto fosse no tempo do PAF, já tinha dado aso a uma meia dúzia de missas e umas passagens pela TV a exortar os fiéis a terem fé e a apoiarem as medidas (deviam ser bonitas, já sem ponta de SNS) do governo.

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  7. Mais uma vez, totalmente de acordo.
    Faz-me bem vir aqui diariamente!

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  8. João Lisboa,

    Antes de ir ali ver se consigo jantar (que o dia, por aqui, vai longo e complicado), esclareço: sim, foi o que a sumidade Buescu disse. Não dá para acreditar mas ele disse-o convictamente. A Fátima Campos Ferreira aí percebeu que a coisa não batia muito certo e observou que isso era mais do que a população de Portugal. Nessa altura o Buescu reconheceu que não se vai chegar lá porque acredita que o Governo vai fazer qualquer coisa. E eu fiquei foi na dúvida sobre se aquele senhor não será como outro que se dizia do FMI. Lembra-se? Não estou a lembrar-me do nome dele. Dava entrevistas, sempre muito assertivo. Um pândego. Não será o Buescu primo desse?

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  9. Aaah!... procurei e voltei a procurar os "12 milhões" no texto do Buescu e não os descobri. Afinal, foi no programa da criatura histérica e mal educada que, por uma questão de higiene, nunca vejo. Mas, mesmo assim, ele falou mesmo em "12 milhões"?... Só se estava a contar com "a diáspora"...

    É uma das raras coisas que, realmente, me assusta: chegar, eventualmente, ao ponto em que deixa de poder ter-se confiança na ciência.

    "fiquei foi na dúvida sobre se aquele senhor não será como outro que se dizia do FMI. Lembra-se? Não estou a lembrar-me do nome dele. Dava entrevistas, sempre muito assertivo. Um pândego"

    Então não lembro? Aqui todinho em 11 posts! https://lishbuna.blogspot.com/search/label/ABS

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  10. Olá João, de novo,

    Pois é, Baptista da Silva...! O que eu me diverti com aquilo. A pinta dele e a malta a citá-lo.

    Mas não descreia da ciência, João, muito menos da matemática. Cuidado é com a malta que não bate bem da bola. Ciência da boa usada por quem não a sabe usar ou por quem tem alguma perturbação e confunde as causas com as consequências, as constantes com as variáveis ou ignora correlações é pior que cuspir na sopa.

    Acho eu de que.

    Bora mas é propor à Fátima (não a sua Fatinha mas a dos Pós e Contas) que, quando quiser saber de previsões, leve lá o Baptista da Silva. Quem sabe não se apresentaria lá a preceito, dissertando com mais convicção que o Buescu do Observas?

    ;)

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  11. Hahahaha.
    Eu recuso-me a ver o pós e contras, e a prova da desgraça que é aquele programa é que surge sempre alguém a dizer barbaridades. Eu desconfio que a FCF deve oferecer uns LCDs a alguma malta que ela topa que já tem tendência para a asneira para ali se espalhar à grande e proporcionar-lhe o espétaculo triste que ela tanto gosta de nos oferecer.
    (e não será que o Buescu queria dizer 12.000 ao invés de 12 milhões?)

    De qualquer forma, isso é muito menos preocupante do que o que aquele senil alucinado do António Barreto escreveu no Público no domingo. Medo, muito medo! Eu já conhecia várias teorias da conspiração que andavam por aí a circular.... mas pensava que o fenómeno ainda estava minimamente contido... no entanto, quando vem uma figura daquelas (que me parece que é visto, ouvido e lido com muito respeito por muito boa gente) apresentar um artigo de opinião daqueles, num jornal como o Público (como é que não tiveram coragem de censurar o homem!? apesar de um artigo de opinião não pode valer tudo!) fico muito assustado. Até porque a(s) teoria(s) da conspiração que vão para ali naquele arrozoado estão ligadas aos movimentos de extrema - direita (aliás, o artigo quase que chega a ser uma cópia descarada de um artigo disponível num desses sites de "fake news", que parece ser financiado e promovido por grupos ligados à "alt-right"....).
    No meio da tempestade, ver estes movimentos, a tomarem posição para o "pós"-apocalipse preocupa-me.
    E preocupa-me a decisão de amanhã. Não me parece nada necessário instaurar o estado de emergência, com as consequências que isso trará ao nível das "liberdades e garantias". No quadro legal atual é possível isolar uma cidade inteira como Ovar, a quem interessa mesmo o estado de excepção? Sobretudo ainda nesta fase?
    Enfim.

    PS: o Rodrigo Guedes de Carvalho... uma vez teve piada... mas anda a armar-se em influencer parvo.

    UJM, não sei se alguma vez já o tinha sugerido mas... dados os tempos surreais que vivemos e como suspeito que tem "bom" humor, espero que se divirta: https://www.youtube.com/watch?v=6O8jCe8BbFQ&list=PL17C41C6C92DC1BDD&index=1

    Abraço!
    Proteja-se. Protejam-se. E proteja, e protejam, as vossas comunidades.

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    1. Só mais uma provocaçãozinha ainda sobre isto: para quem acha, ao estilo Barreto, que o problema das teorias da conspiração é a internet e que com os velhos jornais é que era, reflita sobre Fátima (e perdoem-me os crentes).

      É absurdo, para mais numa situação destas, escrever um artigo destes. Ou um Buesco vir apresentar os números da sua brincadeirinha matemática. Enfim.

      A malta acha mesmo que numa situação destas a malta vai virar velhos ermitas a filosofar sobre a elegância matemática ou o sentido filosófico da existência dos meios de comunicação social?! Esta malta tem noção que esta experiência de isolamento é muito mais desafiante mentalmente que o dia a dia normal?

      Ps: acho que finalmente consegui configurar o raio de todos os sistemas e afins para o trabalho à distância...

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    2. As minhas desculpas. Tenho andado muito irritado. Este isolamento social anda a deixar-me louco e eu até sou rapaz de estar muito no meu cantinho. Mas é sempre a fazer coisas e fora de casa! Confinado a uma aldeia perdida na beira, por muito que goste do campo, não é fácil.
      Com isto, exagerei na irritação com o Sr Barreto que apesar de embirrar com ele não sei bem porque merece um bocadinho mais de tolerância - até pela sua proveta idade. E com o senhor Buesco, que, ora... Anda a fazer umas brincadeirinha con a matemática... Uma pessoa tem de se entreter.
      E depois, a verdade é que não sabemos..podem eles, posso eu! Estar infectados com a DKE-19! É que com isto do CoVid-19, não estamos a dar a devida atenção a un problema tão ou mais grave:

      https://medium.com/@noahhaber/flatten-the-curve-of-armchair-epidemiology-9aa8cf92d652

      Abraço!

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  12. "Mas não descreia da ciência, João, muito menos da matemática"

    Eu não descreio porque, ateu irredimível que sou, não "creio" em nada. Ou me DEMONSTRAM muito bem alguma coisa ou... no way. Em relação à maioria dos assuntos, tenho um crap detector bastante afinado. Mas, no que toca à natemática - vergonha imensa desde o liceu... -, qualquer Karamba de vão de escada me dá a volta sem ter de se esforçar muito. E, que raio, o fulano é professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática!... Claro que sei - ó se sei... - que as universidades não gozam de imunidade relativamente a trafulhas. Mas, mesmo assim...

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