quarta-feira, março 04, 2020

Pode apontar um país?



Confesso: não sou boa a geografia. Quando andava no liceu eram os meus dois pontos fracos: geografia e história. Nos dois casos, as professoras queriam que decorássemos a matéria. Grande parte dos meus colegas tirava de letra: 'marravam' e já estava. Espantavam-se quando eu me queixava que não era capaz: mas qual é a dificuldade? Mas... e eu que nunca consegui decorar nada? Mas é que nem consigo tentar. Desespero perante a perspectiva de ter que fazê-lo. Nem consigo tentar. Nunca consegui.

A única vez que me lembro, tinha para aí uns cinco anos, foi quando, na festa de natal da escola infantil, tive que ir declamar um poema de homenagem a um senhor director, que era estrangeiro, senhor de idade, que provavelmente ia retirar-se. Então a plateia estava cheia e eu subi ao palco, de tranças e creio que com o vestidinho que tinha levado como menina de alianças ao casamento dos meus tios. E declamei o poema e toda a gente bateu muitas palmas. E eu tinha uma salva de prata para oferecer ao senhore na salva estava um papelinho com o poema. Esse poema eu decorei e não me lembro de sentir stress na situação.

A partir daí só me lembro de não voltar a conseguir. Nem isso nem corrigir os erros. Aquilo de ter que escrever cinco vezes a palavra onde tivesse dado erro. É que eu percebia o erro e achava que já não precisava nem queria repetir. Achava uma humilhação e um absurdo. Geralmente dava poucos erros mas, se um acontecia, não havia necessidade de me submeter à violência de escrever cinco vezes a mesma palavra.

Quando estava na quarta classe, muitos meninos iam para a explicação para se prepararem para os exames não apenas da 4ª classe mas também de admissão. Eu não fui porque, sendo a minha mãe professora, era estúpido ir para a explicação. Então a minha mãe tentava que eu fizesse ditados e só isso já me enervava. Detestava ditados, coisa sem valor acrescentado, uma perda de tempo. E, se calhava algum erro, era uma guerra. Levava a minha mãe ao desespero. Recusava-me a cópias, recusava-me a repetir as palavras em que tinha errado. Não havia dia que ela não ficasse possessa, capaz de me desfazer à bolachada. Claro que não o fazia mas lembro-me bem da pilha de nervos em que ficava. 

Agora imagine-se ter que decorar países, capitais, população, orografia, clima, coisas assim. Não tinha pachorra, abria o livro e via tanta coisa para decorar que desistia logo. Sofria com aquilo. Foram sempre as minhas notas mais fracas. Apenas sabia o que apanhava do ar. Não mais que isso. Ainda agora, dez mil anos depois, por vezes sonho que chego ao liceu e toda a gente sabe que há teste menos eu, que ali estou sem ter estudado, sem saber nada. Penso que vem das agruras que sentia quando chegava ao dia do teste e ouvia os meus colegas dizerem que tinham feito uma directa, que tinham feito cábulas, que estavam mais do que preparados. E eu, que nunca fiz uma directa enquanto estudei, não tinha tentado decorar coisa alguma, nem sequer me tinha dado ao trabalho de fazer cábulas, coisa que nunca fiz, e, de repente sentia um quase pânico, sentindo-me irresponsável, preguiçosa, inconsciente. E entrava para o teste pensando que deveria ter-me esforçado, arrependida. Mas, na vez seguinte, acontecia o mesmo. Não conseguia.

E essa ignorância e aversão manteve-se. Até tremo quando o meu filho, querendo apanhar-me na curva, me pergunta, à frente dos meninos, qual é a capital do Casaquistão. Não faço nem ideia. Mas, ainda assim, apesar de tudo, sei bem mais do que os ignorantes viscerais que aparecem neste vídeo. Há gente mesmo bronca. 


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