Vem na 1ª página do Expresso mas desde há alguns dias que eu, vendo as curvas de propagação e olhando os factores multiplicativos, vinha dizendo que não via como conter o COVID-19. Se vivêssemos em aldeias, em casinhas isoladas, se não respirássemos todos o mesmo ar em grandes espaços fechados (como grandes escritórios, centros comerciais, cinemas, etc.), se não houvesse a globalização, as feiras internacionais, os Erasmus, as abertura de fronteiras, as viagens baratas e o turismo permanente e global, toda a gente a voar de um lado para outro (a voar ou a andar aos milhares, fechados em paquetes), aí talvez se pudesse conter a progressão do vírus.
Assim é impossível.
Se, ainda por cima, pode haver recidivas (parecendo que a pessoa que contrai a virose não fica imunizada) ou se o período de contágio se inicia antes da fase sintomática, então, adeus minhas encomendas.
Em cima disso, agora percebeu-se que os cães também ficam apanhados. Era o que faltava. Ou seja, é para esquecer. Não dá para conter.
Quando houver uma vacina -- para gente e, provavelmente, para animais -- e, se calhar, quando já parte significativa da população tiver sido tocada e, portanto, quando já existirem algumas resistências, aí talvez o bicho enfraqueça e deixe de ser tema.
Mas isto digo eu que não sou expert em nada disto. Digo porque, se pensar em termos de modelagem daquilo que se observa, facilmente antevejo que o resultado será justamente qualquer coisa como o que Graça Freitas refere, ao que percebo baseada em modelos matemáticos. Um décimo dos portugueses infectados nos próximos tempos (não li o artigo mas admito que o horizonte temporal em causa se refira aos próximos anos) parece-me um número provável.
Não se veja isto como alarmismo mas como aquilo que é. E isso não é forçosamente uma catástrofe. Quantos portugueses já tiveram gripe de outros tipos? Certamente também milhões e daí não veio grande mal ao mundo (excepto, claro, para os vários milhares que morreram e para as famílias que os choraram).
Claro que o Expresso, ao puxar para parangona de 1a. página o número de 1 milhão, está a procurar o efeito sensacionalista mas disso a Graça Freitas, mulher inteligente e serena, não tem culpa.
Além do mais, até ver, com o coronavírus, a maior parte dos casos é benigna, coisinha de pequeno incómodo, febrinha ligeira, cansaçozinho bobo. Pior mesmo, e, por favor, não se negligencie isto, são os idosos ou os previamente doentes e debilitados. É muito por eles que temos que tentar aguentar-nos 'limpos', para que o contágio não lhes chegue. Vamos esperar que o cumprimento das medidas que estão a ser recomendadas, acrescidas do distanciamento social (controlado e sensato), e dos planos de contingência das empresas e da sociedade em geral bem como os conselhos de higiene que têm estado a ser publicados, ajudem a ganhar tempo até que a vacina ou o tratamento estejam no terreno. Para mim é isso que está verdadeiramente em causa e não tanto o pretendermos travar o mar com as mãos.
Quando houver vacinas e/ou tratamentos eficazes o OVID-19 deixará de ser um bicho papão. É o que dizem e eu acredito. Mas até lá, sem dramas ou histerismos mas com disciplina, informemo-nos e sigamos as indicações da DGS e da Organização Mundial de Saúde.
Teorias da conspiração, textos que correm nas redes sociais a desvalorizar as recomendações ou a comparar com outras epidemias ou a reescrever conselhos à luz de pretensas teorias de cão de caça é que não. Confiemos nos cientistas, nos técnicos de saúde e no bom senso e na franqueza dos responsáveis. Podem não ser infalíveis mas, até ver, são a nossa melhor fonte de informação.
Para além da saúde pessoal há depois a saúde da economia. A economia é uma dama assustadiça. Mais hipocondríaca do que a minha tia -- e se ela é hipocondríaca -- só de pensar que pode ficar doente, já a economia cai de cama. Com as bolsas prestes a irem ao tapete e com as campainhas a começarem a anunciar o desastre, a verdade é que desde rupturas de stocks a défices de tesouraria com danos sérios para muitas empresas, o que aí vem pode não ser boa coisa.
Mas, sempre que há ameaças, há oportunidades pelo que aguentemos firme que a coisa há-de voltar a entrar nos eixos. O tempo é de resiliência.
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Tirando isso, a vida continua. E eu, depois de um dia que na vida de algumas pessoas com quem lido de perto se pode considerar de charneira, com emoções mais ou menos fortes à mistura, preciso de um pouco de sossego e de beleza. Permitam, pois, que, pela mão de Odilon Redon, traga aqui Ophelia entre as flores. Imagens belíssimas. Não que venha a propósito mas, justamente, porque não vem.
E agora vou escolher livros para ler no fim de semana que é um momento que sempre me enche de emoção boa e irracional, levando-me a pegar em vários pois, nestes momentos, na minha cabeça, acho que pode acontecer que, a meio de algum, deixe de estar in the mood para ele, ou que, estando toda prosa, às tantas, sinta que está a chegar a horinha da poesia, ou, ainda, que estando a meio de uma pura ficção me sinta puxada para a epístola ou para a diarística. Ou que, estando numa de filosofia, sinta que a minha beleza está a ficar cansada e sinta o apelo dos louvores da terra. Portanto, sendo certo que todo este processo é um déjà-vu, a verdade é que só o facto de passar a mão pelas resmas de livros, já me faz sentir o frisson que as coisinhas boas da vida costumam produzir em mim.
E, antes de me ir, com vossa licença, agora a beleza das palavras.
Mel Gibson como Hamlet. Helena Bonham Carter como Ophelia.
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E a si que está aí desse lado desejo um sábado bom.
Saúde e boa disposição.
... e se, de súbito, uma tempestade eléctrica neuronal varrer o apelo da diarística para longe, levando-a para territórios de uma beleza mais molecular e mecanística, mais orgânica no pleno sentido da palavra, dê uma vista de olhos a um dos últimos artigos de revisão sobre o COVID-19 em:
ResponderEliminarhttps://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4490598/
João
Olá João,
EliminarInteressante artigo ainda que provavelmente não tenha percebido muita coisa corretamente (e não consigo estabelecer qualquer relação entre essa ideia dos territórios dos cromossomas e o covid-19). No entanto, o artigo deixou-me "com a pulga atrás da orelha": tenho interesse em métodos que permitam identificar territórios e as interações entre eles. Territórios estes dos palpáveis. Seria pedir muito algumas sugestões adicionais de literatura sobre esta ideia dos territórios de cromossomas e as metodologias analíticas (modelos estatísticos?) Usados? Ou talvez esteja a ver / ler mal esta hipotética conexão... Que lhe parece?
Obrigado!
Paulo B
Tenho estado a ler e faz todo o sentido por muito que custe a engolir aos do status quo
ResponderEliminarMuito obrigada, João
GG
Nada com pensar as coisas como elas são e temperá-las de sensatez.
ResponderEliminarBom fim-de-semana.
As declarações da Ministra da Saúde já tinham sido irresponsáveis, por serem alarmistas, sem necessidade, contrariando aliás aquilo que o PM tem dito, que não se deve alimentar este tipo de alarmismos, por razões mais do que óbvias e compreensíveis.
ResponderEliminarAgora, a notícia do Expresso, logo na 1ª página/capa só vem piorar as coisas. Há sempre uns tantos imbecis que gostam de alarme, de criar confusão e de destabilizar as coisas. Este tipo de atitudes vende, convenhamos.
Quanto ao facto do uma cidade poder ser mais frágil do que uma aldeia, é não só evidente, como natural. Quanto maior for o aglomerado de pessoas, pior, num caso destes. Se recuarmos na História, o mesmo se passou com a peste bubónica, que vitimizou mais gente nas cidades do que no campo/aldeias.
Cá por mim, que – felizmente – não vivo (nem jamais viveria em Lisboa!), se a situação piorar ao nível de uma Pandemia, fico-me por onde vivo e muito bem, nesta aldeiazinha à beira-mar à espera que o surto passe. Mas, tenho dúvidas que se chegue a isso.
Há que tomar precauções? Claro que sim. Mas, os alarmismos são lamentáveis, pois só pioram as coisas. Criam pânico nas populações.
Todavia, neste patético país, há sempre a tendência para aparvalhar e ser irresponsável. Como foi o caso dessa ridícula figura que é a Ministra da Saúde e, por junto, o Expresso – que tinha obrigação de fazer melhor jornalismo.
P.
Olá João!
ResponderEliminarCaneco! Está a referir-se a: Chromosome territory repositioning induced by PHA-activation of lymphocytes: A 2D and 3D appraisal...?
É que isto... Jasus!
Que "uma tempestade eléctrica neuronal varreu o apelo da diarística para longe, levando-me para territórios de uma beleza mais molecular e mecanística, mais orgânica no pleno sentido da palavra" lá isso aconteceu... mas, bolas, bolas, bolas, não captei népia de népia de coisa alguma. Aquilo tem mesmo a ver com o COVID-19 ou dizer isso foi na base da 1ª página do expresso, mesmo só para chamar a atenção?
Pensava eu que só a filosofia profunda cansava a minha beleza. Mas qual quê? Isto que enviou mais que a cansa, derrota-a. Eu sei que o João é um crânio mas, credo, consegue mesmo ler um artigo destes do princípio ao fim sem ficar baratinado das ideias? E consegue fazer um resumo ou é irresumível?
E vai daqui um big smile, destas terras neblínicas do nosso tão querido Portugal profundo onde faz de conta que estou de férias 😎
Olá Maria
ResponderEliminarQuer então dizer que é um crânio tão crânio como o João? Percebeu aquela ciência toda? Estou banza, isto para não dizer que estou beige. 🙄
Pois... na volta tenho é que me render às evidências de que eu é que sou burrinha todos os dias...
E será que quer resumir aquela literatura para leigo perceber? É que agora fiquei curiosa. 😵
Um bom domingo!
Bom dia ujm
EliminarDou esse privilégio do resumo ao João uma vez que foi ele que o trouxe. 😜
Um bom domingo
Olá Francisco,
ResponderEliminarGracias very much.
E como hoje estou numa de smiles, vai daqui, para si, uma smiling face with smiling eyes.
Um belo domingo!
Olá, P., boa noite,
ResponderEliminarPronto, eu não queria mas lá terá que ser. Vou, de novo, ter que discordar de si.
A ministra é uma formiguinha, trabalhadora, séria, rigorosa, simples, impecável. No outro dia usou uma palavra que não explicou e que induziu em erro. Falou em isolamento quando queria dizer distancimaento social. E isso, nesta altura, é fundamental para não corrermos riscos desnecessários. Isto de andarmos sempre aos beijinhos e apertos de mão tem que ser agora posto de lado. No outro dia, uma senhora que viaja que se farta e que estava constipada até dizer chega, sem que eu tivesse oportunidade de me precaver, veio direita a mim a dar-me dois beijinhos. E apertos de mão que me dão são mais que muitos por dia...
E a Graça Freitas também não lançou qualquer alarme. Simplesmente convenceu-se que, ao falar com jornalistas do Expresso, estava a falar com gente inteligente e séria. Enganou-se. Tiraram-lhe uma frase do contexto e chaparam-na a seco na capa do jornal.
Quem esteve pessimamente, uma vez mais, foi o Expresso. A Graça Freitas é de um rigor e ponderação como não há muito quem.
Portanto, P., não seja injusto.
E, sim, se a coisa der para o tort, o melhor é manter-se aí pelos ares puros da sua 'aldeia' entre a serra e o mar. Isto para não ter que andar assim: 😷
Um bom domingo!
Desculpem, enganei-me no link.
ResponderEliminarO artigo é este (numa revista prestigiada da American Medical Association) e resume o conhecimento actual:
https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2762510
João
Ok. Isto faz muito mais sentido. Mas fiquei interessado no artigo lá de cima.
EliminarNão é um artigo científico nem sei o quão fiável é a notícia. Mas fica a esperança de eventuais boas notícias a breve prazo: https://m.jpost.com/HEALTH-SCIENCE/Israeli-scientists-In-three-weeks-we-will-have-coronavirus-vaccine-619101
Bom domingo!
Mas o vírus não se propaga pela saliva? Foi o que ouvi... Ou era tanga? É que se assim for, basicamente é uma chatice para os que roem as unhas, depois de se agarrarem ao varão do autocarro. Problema é haver namoradas e namorados, lá isso é verdade, e avózinhas que dão beijinhos molhados...
ResponderEliminarAbraço,
JV
Só uma ressalva: não criquei a Graça Freitas. Tenho o maior respeito por ela. Critiquei apenas a Ministra e o Expresso. E acho que o PM tem toda a razão de não querer alarmes. Parece que é o único que tem juizo nesta situação!
ResponderEliminarBom resto de Domingo por essas paragens bucólicas!
P.
O problema central é a taxa de ataque que noutras linguagens se designa "taxa de esforço" . GF fala num PIOR cenário de 10% de infectados (quase em simultâneo) mas depois compara com os 7% da gripe em 2009/10 e estar.
ResponderEliminarQuanto aumentaram as vendas do expresso este fim de semana?
O expresso não vê um tostão meu há muitos anos nem continuará a ver. Já tive acesso ao que vem lá escrito.
ResponderEliminarOu seja, fazem - lhe uma pergunta sobre cenários e titulam a resposta como sendo uma afirmativa.
«Qual é o pior cenário para Portugal?
Estamos a trabalhar com cenários para a taxa de ataque da doença, como fizemos para a pandemia de gripe, em 2009. Na altura, pensávamos que podia ter uma taxa total de ataque de 10%: um milhão de pessoas doentes ao longo de 12 semanas, mas não todas graves. Mas, afinal, foram 7%, cerca de 700 mil pessoas no total da época gripal de 2009/10. Uma epidemia depende da taxa de ataque, da duração e da gravidade. No caso do Covid-19, ainda não sabemos tudo para fazer cenários tão bem feitos. Assim, estamos a fazer cenários para uma taxa total de ataque de 10% [um milhão de portugueses] e assumindo que vai haver uma propagação epidémica mais intensa durante, pelo menos, 12 a 14 semanas. Temos estudos que nos dizem que 80% vão ter doença ligeira a moderada e só 20% terão doença mais grave e 5% evolução crítica. A taxa de mortalidade será à volta de 2,3% a 2,4%. No cenário mais plausível prevemos cerca de 21 mil casos na semana mais crítica, dos quais 19 mil ligeiros — não é muito, é como a gripe — e 1700 graves, que terão de ser internados, nem todos em cuidados intensivos. E nessa fase haverá camas em todos os hospitais.»
Caro Paulo B.
ResponderEliminarcom o devido pedido de consentimento à autora deste blog, respondendo ao seu comentário:
O empacotamento do DNA no núcleo das células (2 metros de DNA numa esfera dom cerca de 2 a 4 micrometros de diâmetro !!!) não é feito ao acaso, obedece a uma organização hierárquica que pode ser descrita por uma geometria fractal.
Tudo começa com o DNA a enrolar-se em proteínas, formando a cromatina. A cromatina enrola-se sobre si própria em padrões mais complexos formando glóbulos fractais que, em determinadas circunstâncias, se detectam globalmente como cromossomas. Por sua vez, a distribuição dos cromossomas no núcleo das células não é aleatória. Os cromossomas organizam-se em "territórios" com fronteiras entre si, os territórios cromossomais de que fala o artigo cujo link, por engano, indiquei no meu primeiro comentário ao post da UJM. O que é muito interessante na geometria 3D do arranjo da cromatina no núcleo é que contém informação para a expressão dos genes. Isto é, para além da informação contida na molécula do DNA, há informação contida no arranjo geométrico do DNA no núcleo. Para mais, o arranjo é dinâmico. Ideia extraordinária esta da topologia ou arquitectura nuclear determinar quais os genes que são expressos e os que não são e, no fundo, determinar o que nós somos. O reposicionamento dos territórios cromossomas tem sido associado a doenças como, por exemplo, o cancro.
Não vou tomar mais espaço para não abusar da hospitalidade da autora do blog mas espero ter aguçado ainda mais a sua curiosidade.
João
Obrigado João.
EliminarAbraço,