Ia dizer que há um mundo que desconheço. Iria referir-me ao Facebook, ao Instagram. Ou ao Tinder. Ou a redes sociais desse tipo. Mas tenho o blog, ainda por cima sem me identificar, e, por isso, se calhar, não posso dizer que desconheço.
Mas o blog é um lugar onde escrevo ou partilho fotografias que faço ou outras de que gosto. Ou pinturas ou músicas ou filmes. Ou danças. Não o tenho para fazer amigos, para interagir, para me aproximar de alguém. Não sou uma pessoa solitária, muito pelo contrário, nem tenho necessidade ou dificuldade em arranjar amigos por via directa. Também pelo contrário, penso muitas vezes, com pena, que vou deixando pessoas para trás, pessoas que se queixam do meu esquecimento. Mas não é esquecimento, é mera indisponibilidade física para manter o contacto. Com a vida que tenho, não me sobra tempo. Ou estou a trabalhar ou no trânsito ou com a família. Ou no campo ou a ler ou no blog. Ou sei lá em quê.
Mas, se as minhas circunstâncias fossem outras, se calhar tentaria experimentar divertir-me ou arranjar companhia através de uma qualquer dessas redes sociais. Porque não?
Aconteceu que, mesmo não sendo esse o propósito do blog, arranjei alguns amigos, não muitos mas alguns, pessoas especiais que jamais conheceria se não fosse o blog. E conheci outras pessoas, não direi amigos-amigos, mas pessoas em que penso, pessoas invulgares, pessoas, em certo sentido, extraordinárias. E posso testemunhar que, apesar de tudo -- da distância, da imaterialidade do contacto, do desconhecimento concreto de quem está do outro lado -- genuíno afecto pode acontecer.
À medida que vou escrevendo, vou recordando: provavelmente esse mIRC foi o precursor das actuais plataformas de encontros, sejam eles virtuais ou físicos.
Acabei por me deixar daquilo provavelmente por saturação ou porque aquilo, na verdade, era um bocado viciante, ou pelas duas razões -- já nem me lembro bem. Mas sei que, como tudo na minha vida, tendo sido porta que se fechou, para sempre ficou fechada. E, se agora estou a recordar, é certamente pelo filme que vi.
Juliette Binoche extraordinária, como sempre. Um filme belo, com uma bela música, envolto em silêncio e onde a luz de Binoche cintila. Muito interessante, também, o desempenho de Nicole Garcia.
Não vou desvendar o enredo mas posso apenas dizer que me parece uma situação muito plausível, provavelmente muito comum. Assumir um perfil que não é exactamente o seu, pretender fazer-se passar por outra pessoa, construir uma persona, vestir completamente a pele dessa persona, agir já como se fosse essa persona, manter a verosimilhança, ir acrescentando pormenores para lhe dar consistência, depois já não ter como voltar atrás, ver-se preso na teia que se urdiu e que já não é teia mas armadura, tudo isso me parece possível, real. Quantas vezes, sob outro nome, com outra fotografia, outra história de vida, não é assim que algumas pessoas se apresentam perante outras? Juraria saber de alguns casos.
Pode começar por ser uma brincadeira. Um jogo de espelhos. Pode acabar por ser um vício. Ou um modo de vida. Pode ser a heteronímia levada ao extremo, pode ser já a incapacidade em saber qual o verdadeiro eu.
Se puderem, vejam. É interessante sob todos os pontos de vista.
Em Portugal ficou Claire e Clara. No original é Celle que vous Croyez
Realização de Safy Nebbou, banda sonora a cargo de Ibrahim Maalouf
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As fotografias que usei foram feitas no outro dia in heaven
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A todos desejo um belo dia de domingo
Escrever na Net,até comentar,pode ser explicado por mil razões. Muitas defensáveis, outras censuráveis,outras inconfessáveis, o leque abre-se e as mil não chegam...
ResponderEliminarQuando se repara que, na coluna aqui no lado direito do blog, mais de 80% dos blogs presentes começam,quotidianamente,por uma frase com sujeito na primeira pessoa do singular, a estranheza instala-se.... que necessidade esta do eu, eu, eu ?
Todos podem achar que têm uma vida interior rica, que interessará a muitos, que o universo apreciará conhecer, talvez,talvez...
Um pouco mais de atenção ao mundo exterior, um pouco mais de altivez,já que de bastantes fraquezas todos estamos providos. Criança a chorar,só,no canto da sala de aula? Não,fujamos para o recreio,corramos,saltemos,brinquemos,o desgosto logo passa !
Olá Chevy, sempre um prazer revê-lo por estas bandas,
ResponderEliminarTem razão. O mundo para a maioria de nós -- se não para todos nós -- é apenas uma extensão do nosso umbigo. As coisas interessam na medida em que nos interessam. É mesmo. Fazer o quê?
Tem é que se encontrar o ângulo certo para percebermos que somos um nano-ponto algures no universo e não o big centro desse universo.
E também concordo que temos que nos libertar da nossa proverbial falta de auto-estima: temos é que gostar de viver e transformar isso em vontade de lutarmos por uma boa vida para todos.
E um bom ano, Chevy! E não volte só no ano que vem, ouviu?
Só para esclarecer que o Mirc ainda existe e é utilizado... mas é em grane medida uma sombra do que já foi no passado!
ResponderEliminarAliás se pedir a lista das salas de chat portuguesas desse programa, com mais frequentadores, pode ter uma surpresa...
Bom ano UJM!
Olá Tiago,
ResponderEliminarAinda? que coisa bizarra. Ainda fará sentido uma sala de chat num tempo destes? um dia destes ainda vou espreitar. Uma coisa decadente, não? Coisa para velhinhos e velhinhas, não...? Haverá de ter graça...
Um bom fim de semana e um excelente 2020!
Olá UJM!
ResponderEliminarSim é uma coisa morta e decadente... Não sei se para velhinhos e velhinhas apenas, aparentemente tambem haverá mais novos, mas pouco ou nada se passa nas salas.
Obrigado, bom fim de semana e excelente 2020!