domingo, dezembro 22, 2019

Crónica de um dia de Natal avant la lettre
-- com fotografias das minhas decorações festivas --




Dia feliz. Dormimos bem. Acordámos cedo mas não absurdamente cedo. Claro que, por essa altura, já o avô estava de volta das suas incursões madrugadoras e, portanto, foi ele que preparou o pequeno almoço para os meninos. Mexeu ovos, comeram pão com manteiga e beberam leite. No fim, o avô perguntou-lhes se queriam frango ao que ambos logo quiseram pelo que cada um comeu uma asa de frango. A mãe quando soube ficou escandalizada.

[O jantar de sexta-feira foi frango no churrasco, não confeccionado em casa mas adquirido. Tendo eu trabalhado, não teria tido tempo de ir às compras e cozinhado a tempo de o repasto estar pronto quando os comensais se apresentassem. Mas, apesar de os mais pequenos comerem como lobos, comprámos demais e sobrou bastante].
Mas, então depois do pequeno-almoço, fomos todos às compras. 

Para o almoço, uma vez mais, resolvemos simplificar. Não vi como ir ao supermercado, cozinhar, ir às compras e estar tudo a postos quando chegasse a hora de almoço e se nos juntasse o resto da turma. Por isso, fomos buscar a um restaurante que vende comida para fora. 

Quando enviei a fotografia da ementa por sms ao meu filho e lhe liguei para saber o que queriam, até pensou que tivesse acontecido alguma coisa. Desde que nasceu que sabe que a minha onda é fazer tachos, panelas, tabuleiros a transbordar de comida e não de a comprar feita. Mas hoje teria sido impossível.

Portanto, foi isso. Um descanso. Até me soube bem. E a eles também que voltaram todos a fazer jus ao seu proverbial apetite.

Ainda me lembro de como eu era quando os meus filhos eram bebés ou pequeninos. O meu filho sempre foi um belo garfo. Fez um short cut entre a fase de mamar e a de comer de tudo. Odiava biberão e as papas davam-lhe vómitos. Nem o cheiro do cerelac ou do nestum ele suportava. Queria era comida de adulto. Um desatino. Para conseguir que ele bebesse leite, tinha que lhe dar o biberão quando estivesse ferrado no sono. Desse-lhe peixe frito com arroz de tomate e nem a pele do peixe ele queria que eu deixasse de lado: um entusiasmo. Ainda me lembro de uma indigestão que arranjou, devia ter um ano e tal, com o leitão da Bairrada que devorava. Estávamos de férias na Curia e queria lá ele sopinhas moídas ou comida de bebé. Qual quê. Quase se atirava em voo picado para as travessas de leitão, incluindo a pele estaladiça e respectivas batatas fritas. Se eu tentava impedi-lo, chorava furioso como se eu estivesse a privá-lo de se alimentar. Enfim. A minha filha era o contrário. Não gostava de comer. Era picuinhas, nunca tinha apetite, era super vagarosa, qualquer coisinha que achasse suspeita ou diferente do habitual rejeitava. Ainda é um bocado assim, excepto se for coisa que lhe agrade mesmo. Eu insistia, queria que ela comesse mais, distraía-a a ver se conseguia enfiar-lhe mais algumas colheradas à sorrelfa. Hoje percebo como tudo isso era disparatado.
Vejo como são os meus filhos: se os filhos não querem comer, não comem. Pelo contrário, ralham é se os vêem a comer demais. Talvez por isso, as crianças comem de tudo e comem de gosto.

Bem.

A seguir, ao almoço começou o forrobodó, tudo no maior chinfrim. Para ver se se mantinham sossegados, tive a ideia de fazerem o Got Talent ou The Voice. E foi uma festa. Uns foram para os quartos para ensaiarem. Os dois rapazinhos do meio resolveram compor as suas canções. O mais novo (o mais novo, não contando com o bebé) cantou uma canção interminável, cheia de sentimento, bem puxada à emoção. Canta bem e gosta de actuar. Enquanto isso, o bebé cantava ainda mais gritadamente e mais emocionadamente, quase abafando o canto do mano grande. O outro, aquele que é, em absoluto, um boa onda, cantou uma canção triste com uns meninos infelizes que tinham uns pais que não tinham trabalho. Uma coisa surpreendente. A menina, toda star, cantou o Trevo do Diogo Piçarra mas numa versão brasileira (e ficaram admirados de eu não conhecer pois, pelos vistos, é coisa bem conhecida, pelo menos na faixa etária dos sete aos onze anos) e ficou contente por ver que a ouvíamos com atenção. A seguir foi o mais velho. Mais crescido, com alguma timidez por ver os estarolas dos concorrentes e os adultos em volta na assistência, de cada vez que ia começar, desatava a rir. E eu com ele. Cantou o 'Vejam bem'. Pôs-se a cantar baixinho e, então, o avô desatou a cantar alto e bom som, quase o inibindo. Teve, então, que optar por uma canção em que o avô não competisse por ele. A seguir foi a votação mas, milagre dos milagres, empataram todos. Queriam, a seguir, desempatar mas, nessa altura, achámos que estava era na hora de irmos para a rua.

O ar estava saturado de tanta humidade mas não estava nem muito vento nem chovia. Portanto, ala que em casa, fechados, a coisa fica ingerível. E então andaram a caçar tesouros, andaram de carrossel, andaram a comer fatias douradas e pão quente e eu comi uma coisa que adoro, uma azevia com recheio de grão. Já mais para o fim da tarde regressámos a casa. Nessa altura o bebé foi para casa com os pais para ver se dormia a sesta. Mas alguns dos outros, especialmente a menininha, também já davam sinais de rabugice. Tinham tido, na véspera, um jantar com os tios e tias do lado da mãe e respectivos primos pelo que tinham estado a pé até à meia-noite, tendo depois acordado às oito da manhã. Por isso, perto das oito da noite já estavam na implicância uns com os outros.

O jantar foi outra vez tercearizado. Mandámos vir pizzas feitas em forninho de lenha, pizzas das boas. E fiz outra coisa: numa frigideira, um fio de azeite, cebola ripadinha e salsa cortadinha. Alourou e amoleceu lentamente, depois juntei frango (do frango assado da véspera) cortado aos bocadinhos. A seguir juntei ovos e fui envolvendo até estar com aspecto de ovinhos mexidos. Acompanhado com arroz branco. E salada de tomate.

Entretanto, o bebé já tinha regressado mas os pais foram jantar com amigos.

E foi o jantar e foi o apetite geral e a alegria de sempre. No fim, o bebé veio ter comigo: 'Há geado?'. Ao princípio não percebi: 'Geado?' e ele, 'Sim, geado. Ali' e apontou para o frigorífico. Havia gelado, sim senhor.

De volta à sala, já todos arrebitados e bem dispostos, foi a galhofa e a brincadeira. Primeiro estiveram a fazer de conta que iam operar um deles: anestesista, cirurgião, enfermeiro. Tirar o apêndice. O mais crescido dizia: pinça, bisturi, agulha; e o bebé ia passando um pauzinho não sei de quê, o martelinho do xilofone, uma caneta. O mais crescido prosseguia: uma cana de pesca. O bebé passava a coisa de apagar velas. O mais crescido dizia: boa, já apanhei um robalo. A seguir veio outro que ficou a agarrar a cabeça do paciente. Iam pôr-lhe uma bochecha robot. E vá de anestesia. O que me rio a ouvir as maluqueiras deles.

Pelo meio, eles próprios rebolavam, riam. 

Por fim, a cirurgia já tinha virado wrestling com os quatro rapazinhos nas lutas amalucadas, a voarem uns sobre os outros.

A menina estava com a tia nos penteados, na manicura, nas massagens. Estiveram também a ver recordações que a tia guardava em caixinhas e que sempre preservei intactas, tal como ela cá as deixou, nomeadamente um vestido de noiva para a Barbie que a minha mãe fez como se fosse um vestido a sério, em seda e tule, uma verdadeira obra de arte.

Nessa altura, a ver se os rapazes se acalmavam, lembrei-me de brincarem às adivinhas. 

Nessa altura já o avô estava deitado no seu sofá a ver televisão, razoavelmente conformado à impossibilidade de se manter a ordem. 

Aderiram mas não a adivinhas ditas mas por mímica. Nessas coisas, a minha filha brinca com eles como uma igual e foi uma risota, uma diversão. Coisas engraçadas, coisas inesperadas, coisas com muito sentido de amor. Por exemplo, o mais crescido (onze anos) pôs-se a teclar. Os outros: pianista!, informático!, escritor! e ele: Não. Um dirigente do Benfica a enviar mails. Pimbas. Palavra de sportinguista.

E assim foi até que os que tinham ido jantar fora chegaram. Fiquei na sala a ver se descobria uma meia do paciente que tinha estado a ser operado pois andava com um pé à vista. Lá achei. E em menos de um par de minutos todos se vestiram, despediram, beijinhos e até daqui por poucos dias.

Ficámos, então, os dois. A casa quase virada do avesso e nós quase de rastos.

Agora a casa está quase arrumada e silenciosa. Estou a ouvir a Katie Melua a cantar canções natalícias.

Hoje de manhã, encontrei uma senhora que conheço que me disse que, pelo Natal, cá em casa deve ser uma alegria, uma casa cheia. Depois corrigiu: no Natal e sem ser no Natal. É verdade: tenho a sorte de ser muitas vezes, de ser Natal muitas vezes por ano. E tenho a sorte de todos gostarem uns dos outros -- que é o que mais me enche de felicidade -- e de gostarem de estar juntos, cá em casa. 

Já passa bem da uma da manhã e o meu marido já se foi deitar. E eu para lá caminho.

Conforme ontem tinha dito que ia tentar,  juntei aqui, para vos mostrar, algumas fotografias das minhas decorações natalícias. Como se vê, é tudo muito pouco elaborado: meia bola e força. Gosto de luzinhas, gosto de motivos simples, coisas que num instante se disponham e que, no fim das festas, rapidamente se recolham.


E já é domingo e, uma vez mais, não vi televisão nem sei de notícias ou temáticas relevantes para o futuro da humanidade. Mas, para dizer a verdade, não me fez muita falta. Terei tempo de saber a quantas ando até porque o que é mesmo importante vive dentro de mim, num cantinho do meu coração.

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E, por ora, nada mais. 
A todos desejo um belo dia de domingo.

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