segunda-feira, novembro 25, 2019

Rui Tavares está perplexo com a Joacine? Eu não estou.
[Aliás, aproveito para dizer porque não votei no Livre]



Claro que poderia fazer um post a explicar porque não votei em cada um dos partidos que não mereceram o meu voto mas vou centrar-me no Livre, dada a comédia a que assistimos, uma paródia digna de rábula dos saudosos Gato Fedorento. 
Joacine diz que se absteve porque não percebeu como é que o Livre queria que ela votasse (e isto, em si, já é extraordinário pois como é que se explica que ela não tivesse a sua própria ideia sobre o assunto?) e o Livre diz que não percebe aquela inexplicável abstenção, já que o programa do Partido é claro e que, para mais, ela nunca tentou aconselhar-se. Depois foi ela que, baixando ainda mais o nível, veio dizer que foi ela que ganhou o lugar na Assembleia e não o Livre. E agora é o Rui Tavares que vem dizer que percebe que os portugueses estejam perplexos porque ele também está. 
Tudo isto parece uma brincadeira, uma infantilidade, um perfeito nonsense.
Os ideais do Livre não me parecem mal. São boas orientações, bons princípios. Defendem valores que, em abstracto e de forma geral, me parecem globalmente correctos. 

Só que nestas coisas, entre os ideais e o ser capaz de os sustentar e ser capaz de identificar o trilho certo para lá chegar -- e ser capaz de se manter no trilho -- é outra conversa. Como agora toda a gente diz: são outros quinhentos. Em tempos dizia-se de outra maneira: que de boas intenções está o inferno cheio. E admito que sim. 

Estar na Assembleia da República a representar o povo, defender os seus interesses, saber discernir a linha de rumo através de um orçamento, saber avaliar propostas ou saber elaborar outras, perceber a essência dos temas em sede de comissões, saber interpretar os 'jogos' e ter o 'calo' para afirmar a sua posição sem se deixar levar, etc, etc, etc, requer mais do que o enunciado abstracto de boas intenções mesmo que a espuma mediática lhes empreste o aspecto de sabedoria e determinação.

Ser contra o sistema é coisa bonita de se dizer mas quase impossível de concretizar estando dentro do sistema. Pode parecer pessimismo ou cinismo. Mas é o que, na verdade, penso.

O mais que pode acontecer para mudar o sistema (e será sempre um mudar muito relativo: será sempre um percurso lento, errático, de pára-arranca, erros e breves sobressaltos) é haver quem, de forma lúcida e clara, interprete a evidência dos factos de forma a tentar conduzir a consciência colectiva a ir mais para um lado ou para outro. 
Por exemplo: 
  • As crises financeiras -- que deixaram à vista o que os fundos abutres e toda a especulação desregulada, a fuga ao fisco e a lavagem de dinheiro, os offshores e tudo o que rodeia tudo isso, provocaram na economia real: descalabro de muitas empresas, explosão do desemprego, corte de rendimentos e etc, -- fizeram inflectir ligeiramente a opinião das pessoas. 
  • Identicamente, haver quem prove que, para ultrapassar as crises, o melhor é reforçar a liquidez circulante, aumentar a confiança, e animar a economia e não secar tudo isso, é também uma forma de 'abrir' as mentes a um sistema mais desempoeirado. 
  • Ou ir, inteligentemente, tentando provocar consciências através da evidência de que a pobreza ou as desigualdades mesmo que longínquas acabam por vir bater à porta de todos nós.
Se o Rui Tavares é uma pessoa que se percebe ser culta e séria, já muito do que o envolve parece ser puro idealismo, qualquer coisa de adolescência tardia, alguma vacuidade disfarçada de desalinhamento -- e isto à custa de alguma encenação acarinhada pela comunicação social. E, não sei bem porquê, parece que isto continua a ser música para os ouvidos de uma certa intelectualidade que ainda sonha com uns vagos amanhãs que cantam.

No entanto, a verdade é aquela que, ao fim de um mês, já está bem à vista. Tudo espremido é capaz de não ser muito mais que zero.


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As fotografias foram feitas hoje no Ginjal e estão aqui não para ilustrar o texto mas apenas porque foram feitas num dos lugares mais lindos do mundo

9 comentários:

  1. Olá UJM,

    Trapalhadas em partidos é o que não falta.
    É um partido relativamente novo e que implementou um sistema do estilo "democracia" direta para escolha dos candidatos, que, sendo pouco experimentado, tem naturalmente riscos. Quantas vezes as pessoas se queixam do caciquismo nos partidos tradicionais (apesar de não ser uma fonte jornalística digna, veja-se o percurso de Sócrates até líder do PS: https://observador.pt/especiais/a-historia-completa-de-como-socrates-dominou-o-ps/) ou os defeitos usualmente apontados às soluções do tipo "centralismo democrático" (como o PCP).

    O livre e o caso Joacine foram o buzz do entretimento de fim-de-semana, talvez pelo amadorismo comunicacional dos intervenientes, talvez porque a comunicação social no geral parece preferir os partidos de esquerda como saco de pancada (sobre as polémicas no Chega não se notícia quase nada... https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/fundadores-do-chega-acusam-braco-direito-de-ventura-de-ilegalidades ).
    Todas as apreciações algo críticas que sugere sobre a malta do Livre (idealismo de uma adolescência tardia?),nem parecem depreciações se olharmos para a porta ao lado e vemos no PAN uma deputada que pouco conhecia do programa do partido e que não tinha opinião sobre quase tema nenhum de política geral (e mesmo assim foi eleita...).

    Não votei no Livre. Não sou sequer apoiante do Livre. Mas deixemos lá os rapazes em paz a fazer o seu caminho. Pelo menos, deixemos a malta ter uns errozinhos comunicacionais destes.

    Boa semana!

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  2. Não pensei que seria tão mau, tão rápido. A Joacine enganou-me: achei-a com boa pinta, mulher inteligente e assertiva. Agora, vejo claramente um altivismo ressabiado que me tinha escapado. Nem falo deste caso (triste de tão ridículo). Os tweets dela para o Daniel Oliveira são uma palhaçada estridente. É pena.
    Abraço
    JV

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  3. *altivez! Qual altivismo, credo!
    JV

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  4. JV,

    Já nem me lembrava dessa discussão "twiteriana"... a Joacine esteve mal, mas, mais uma vez, talvez seja fruto de um certo amadorismo comunicacional (basta ver os moços da IL, com uma super máquina comunicacional por detrás, não me recordo de entrarem assim num bate papo...).
    O que me preocupa um pouco foi o voto: é muito estranho que, numa situação em que, aparentemente, não foi possível debater o sentido de voto com o partido, um deputado prefira abdicar da sua consciência sobre o tema... enfim.

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    1. Amadorismo comunicacional pode gerar maus entendimentos e falhas de comunicação como porventura no caso do voto sobre Gaza. O caso dos tweets, embora em si possa ser menos grave, parece-me demonstrativo de algo pior. A Joacina chamou o Daniel Oliveira de fascista porque ele criticou a postura de excessivo identitarismo que, na sua opinião, o Livre tem vindo a adotar. Isto não é falha de comunicação. A senhora mostrou que escalda rápido e facilmente, que reage de forma agressiva e ofensiva, que ataca com prepotência e altivez (ou a minha ilustre invenção "altivismo"). Que insulta com despudor. E eu tenho pena. Até admito que tudo isto se deva ao racismo da nossa sociedade e à ostracização que os afrodescendentes sintam no nosso país. Mas não deixa de ser um triste facto.
      Abraço,
      JV

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    2. Sim, tem razão JV.

      Achei que o caso Joacine estava a ser mais visível que o habitual.. mas realmente o nível de surrealismo já vai alto.
      Ainda assim, esse altivismo, arrogância e afins medra em muito boa gente (incluindo à esquerda), só que estruturas comunicacionais e experiência na exposição pública conseguem esconder isso.
      Não chegando a contornos tão surreais o próprio Rui Tavares (bem mais experimentado na altura), também não teve um comportamento lá muito digno (eleito pelo bloco de esquerda, desvinculou-se em divergência com o partido e não colocou o lugar à disposição...).


      Esta história toda interessa-me mais pelo lado do debate sobre a representatividade e a organização (ou não) do sistema socio político em estruturas partidárias. É que as reformas que se vão desenhando por aí parecem procurar uma pessoalização da política que não me parece ser grande solução. Para mais misturado com ideias de "democracia direta" e afins...
      Não sei. Mas parece que a novela ainda vai no começo.

      Abraço,

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  5. No comentário «anónimo» ali em cima é o Paulo B. .

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  6. JV, olá,

    Nisto tudo me incomoda: o 'altivismo' dela (soa-me bem), o deslumbramento, a vacuidade, a pateguice, o mau feitio, o andar sempre de assessor atrás, a falta de liderança do Rui Tavares que não foi capaz de perceber que não a podia deixar à solta. Enfim, é o que diz: o verniz estalou cedo demais. Uma lástima.

    Abraço!

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  7. Olá Paulo,

    Deixar eu deixo. Mas já viu a indigência que para ali vai? Estamos a pagar ordenado a ela e, pelos vistos, ao assessor dela para ela andar a dar este lindo espectáculo?

    Claro que há que ser tolerante para com os pequenos partidos mas há limites. Um deputado representa o povo. E não gosto da forma como ela o representa. Há deslealdade na actuação dela e eu não gosto de gente desleal. E depois, caraças, não sabia qual a posição do partido numa situação daquelas? E porque inventou que não a aconselharam quando nem tentou contactá-los? Tudo deprimente.

    O Chega também anda ao colo da comunicação social e isso é outra coisa deprimente. E é tanto mais perigoso quanto não tem a tentação dos tiros nos pés que a Joacine tem praticado para descredibilização do Livre. O tipo do Chega é esperto e fino como um alho, ainda por cima um alho esperto.

    Enfim.

    E um dia bom para si, Paulo!

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