Estou de volta a casa. Neste momento passa bem da uma da manhã. Já mudei de roupa, estou confortável e, tivesse eu algum tino, estaria a descansar e não aqui a tentar vencer o sono. Mas ter tino é coisa que notoriamente não me assiste.
Quando digo que nem que me pagassem várias barras de outro todos os meses a troco de ter que sair para fora, em serviço, vários dias todas as semanas eu não aceitaria, é mesmo. Não é forma de dizer ou de fazer género, é mesmo verdade. Uma vida como, por exemplo, a da Elisa Ferreira ou a do Centeno, para mim, seria um tormento. Admiro-os e penso sempre que somos devedores de gratidão pela abnegação que revelam. Mesmo que a eles não lhes custe tanto como a mim me custaria. E não é só pela chatice das reuniões consecutivas ou por ter que almoçar e jantar sempre acompanhada ou fora de horas ou à pressa ou pelo incómodo de andar a fazer e desfazer malas, ou de ter que andar sempre a prestar atenção a qualquer coisa ou a ter que chegar ao quarto e ainda ter relatórios para ler ou apontamentos para tomar -- é por tudo isto junto.
A minha vida não é nada que se compare, nada, mas, o pouco que tem disto, já me causa desconforto. Penso que é esta sensação que se associa à saída da chamada zona de conforto. Daqui até final do ano vou ter várias saídas e cenas e isto já para não falar nos jantares de natal que, para mim, começam dentro de umas três semanas e temo bem que a uns três não consiga mesmo escapar-me. Já estou a ver alguns Leitores a protestarem ou a encolherem os ombros, a dizerem que nada disto é sacrifício e que tem certas profissões já sabe ao que vai e que ganha o suficiente para comer e calar. Pois, não digo que não. Cada coisa pode ser vista sob múltiplas perspectivas e cada um pode escolher aquela com que melhor se identifica.
Enquanto estou com o computador ao colo, cheia de preguiça e toda contente por estar aqui sossegada no meu canto, espreito a polémica da retenção ou não de alunos em função do seu mau aproveitamento escolar. E penso que a sociedade continua a derrapar e, em vez de saber repensar-se para ser mais justa e inclusiva, para saber como atrair e reter os miúdos na escola, continua a pensar com os pés presos enfiados no lodo dos tempos antigos. Como se o planeta não estivesse com espasmos e em sofrimento, as pessoas continuam a agir como se ele estivesse ainda azulinho, calminho, sem nuvens negras a pairar sobre as suas cabeças, como se todos, por todo o lado, vivessem na maior prosperidade, como se os mais pobres dos pobres não estivessem a morrer nas suas terras ou a caminho das nossas cidades. E nós, aqui no nosso cantinho à beira-mar plantado, continuamos com discussões estéreis que poderiam ter feito sentido há quarenta anos. Não agora.
Presumo que não seja preciso reinventar a roda: será apenas uma questão de colher boas experiências. Haverá crianças com problemas cognitivos, problemas comportamentais, problemas familiares. Requererão atenção especial. E, claro, há tudo o que anda em volta da pobreza que é doença que puxa a gente para baixo e para a qual há-de haver maneira de encontrar o caminho certo para preservar as crianças o suficiente para, apesar da pobreza, conseguirem ter cabeça para aprender e ir em frente.
Língua portuguesa, bem entendido, matemática, ciências e artes, história e geografia, e tudo isso que é obrigatório, matricial -- mas também ética, sustentabilidade, responsabilidade social, defesa do planeta.
Essas coisas. Desde crianças todos deveriam estar bem conscientes da sua responsabilidade neste mundo. Se as crianças estiverem envolvidas e motivadas, gostarão de fazer parte de uma solução para se salvarem enquanto espécie num habitat cada vez mais instável, num planeta que dá mostras de não nos conseguir acolher por muito mais tempo. Se envolvidas, as crianças e os jovens gostarão de aprender. Gostarão de trabalhar em equipa. Saberão estar neste mundo.
Essas coisas. Desde crianças todos deveriam estar bem conscientes da sua responsabilidade neste mundo. Se as crianças estiverem envolvidas e motivadas, gostarão de fazer parte de uma solução para se salvarem enquanto espécie num habitat cada vez mais instável, num planeta que dá mostras de não nos conseguir acolher por muito mais tempo. Se envolvidas, as crianças e os jovens gostarão de aprender. Gostarão de trabalhar em equipa. Saberão estar neste mundo.
Há temas que são complexos demais para serem falados assim. Este não é lugar para expor causas, para desenvolver teorias. E sei bem que falando apenas ao de leve sobre assuntos sérios mais parece que estou a lambuzar-me com guloseimas, a sujar o bibe com canetinhas de bico de feltro, a brincar aos 'crescidos'. Portanto, não digo nada.
Partilho apenas alguns vídeos que, assim de repente, encontrei sobre o que aqui me estava a ocorrer.
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Pinturas de Juan Yoc
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E um bom sábado: saúde, alegria, afecto e tudo o mais que vos saiba bem
É possível conceber que, se se perdesse de súbito a capacidade da palavra, desapareceriam de imediato a maior parte das razões que as pessoas pensam ter para se prejudicarem mutuamente e, no limite, para se aniquilarem umas às outras.
ResponderEliminarAo argumento que muita arte e beleza desapareceria também, contraporia então:
- Não seria essa perda amplamente compensada pelo retorno da Entrega Incondicional?
UJM,
ResponderEliminarLá diz um Ditado antigo, que “quem corre por gosto, não se cansa”, isto no que respeita à tal Elisa Ferreira e o tal Centeno. São apostas que se fazem, mas que, a médio, ou longo prazo, acabam por compensar. São investimentos políticos que se fazem e que sempre têm (bom) retorno. Quanto à questão das avaliações escolares, pelo menos daquilo que tem vindo a público, fica-me alguma perplexidade. Ninguém singra na vida sem uma avaliação regular das suas aptidões. No que respeita aos jovens, não me parece que seja pernicioso e contraproducente eles serem avaliados de tempos a tempos, sujeitos a exames. Só os beneficiaria. Se um aluno entra “manco” (ou “coxo”, como se diz em Lisboa) no ano seguinte assim irá continuar e depois, à medida que progride, pior será. E quando quiser entrar numa universidade, vai falhar essa entrada, pois não terá a necessária classificação para lá chegar. E depois, os níveis de exigência nas universidades são ainda mais sérios. E, no final, os resultados de um curso universitário, se forem baixos, dar-lhes-ão hipóteses reduzidas de um emprego melhor. Assim sendo, confesso-me algo perplexo com esta “novel” atitude para com o Ensino. A mim, os exames a que me tive de sujeitar nunca me fizeram mal, bem pelo contrário, exigiram de mim um esforço complementar e, sobretudo, obrigaram-me a tomar uma atitude de responsabilidade. Os alunos de hoje não têm apenas de aprender, mas têm de aprender a ser exigentes com eles, e ser responsáveis perante as suas obrigações escolares. Hoje, infelizmente, há uma tendência para o facilitismo, em múltiplos aspectos, não só no Ensino (que, ainda padece de um outro problema que é a cada vez menor autoridade do/s professor/es, mas isso é outra questão). É claro que se deverá ter em linha de conta o tipo de crianças que um professor, ou uma Escola, tem pela frente, como refere, algumas com sério problemas em casa, outras pobres, etc. O Estado aí deveria ter uma atitude que pudesse contemplar esses casos, à parte, com vista a extrair o máximo possível de rendimento escolar e de aproveitamento desses alunos. No caso da matemática, se calhar conviria procurar saber porque é que os alunos em determinados países asiáticos conseguem resultados excelentes e nós por cá falhamos. Os resultados menos bons no que respeita à matemática deveriam ser objecto de um estudo mais atento. Quanto a ensinar os alunos a serem responsáveis no seu dia-a-dia nas suas escolas, talvez não fosse despiciendo olhar para o que no Japão se faz, nesse sentido. Ao que li e vi num estudo, aqui há tempos, os jovens, desde pequenos, são ensinados a servirem-se nos refeitórios, a levantarem a limparem a área onde comeram, a limparem a sala de aula depois de a deixarem, a apanharem os lixo do chão do recreio (nada de papeis, etc), a levantarem-se sempre que o professor/a chega à sala de aula, a ajudarem um colega em dificuldades, a aprenderem o conceito de cooperação, etc. A noção de responsabilidade começa desde muito jovens. E torna-os, no futuro, melhores cidadãos e profissionais, seguramente (e, claro, têm bons resultados a matemática. Porquê, conviria saber!). Por fim, o uso do TLM nas salas de aula deveria ser absolutamente proibido. Importa ali estar atento e compenetrado na aprendizagem. Um TLM é um factor de distracção e de falta de respeito para com o professor/a. Mas, igualmente mau e demonstrativo de uma péssima educação, é vermos uns tantos pais cabotinos a permitirem e até a instigarem os filhos a estarem a utilizar os TLMs à mesa, quer nos restaurantes, ou em casa de terceiros. Infelizmente, é uma atitude que se tornou cada vez mais frequente. Uma falta de nível educacional lamentável!
P.Rufino
"[...] Mas, igualmente mau e demonstrativo de uma péssima educação, é vermos uns tantos pais cabotinos a permitirem e até a instigarem os filhos a estarem a utilizar os TLMs à mesa, quer nos restaurantes, ou em casa de terceiros. [...]"
ResponderEliminarComo é que se ensinam crianças a trocar a pressão de grupo por um equilíbrio saudável entre o interesse individual e o dever social? Simples:
- Retiram-se as crianças do controlo dos pais, dá-se-lhes um educação básica rigorosa mas humana, seleccionam-se os mais aptos intelectual e socialmente (não interessa desperdiçar recursos a criar sociopatas), devolvem-se os outros aos pais para que estes concluam a sua deseducação, e com os escolhidos cria-se um escol que será posteriormente disseminado pelo tecido social para o elevar paulatinamente. (Será trabalho para algumas gerações.)
Existe alguém com coragem para implementar tal programa? Não? Então mais vale continuar a sonhar com gueixas e samurais.
Olá El Mucho Bad,
ResponderEliminarQuando me levanto, costumo ir à janela, espreito o tempo, olho o rio, olho o céu. Depois espreito o telemóvel, vejo o blog. E surpreendo-me sempre com os seus comentários. Nunca são óbvios. Por vezes fico intrigada com o que diz, com as suas escolhas musicais. Por vezes, gosto mesmo sem alcançar completamente o seu sentido. Outras vezes, fico sem saber se gosto ou não mas a pensar nele. É que, quando acordo, nunca estou na plena posse das minhas capacidades, sabe?
Contudo, este seu comentário, apesar de já ter passado quase um dia sobre ele, continua intrigante.
Apetecer-me-ia dizer que o trocasse por miúdos. Contudo, acho que perderia graça se tentasse explicá-lo. Por isso, acho que assim é que está bem.
Um bom domingo para si, El Mucho.
Olá P. Rufino,
ResponderEliminarNos dois anos completos em que fui professora deixei alguns alunos para trás mas com sacrifício o fiz e, em alguns casos, lutando para que não reprovassem pois tinha a certeza de que era o pior que poderíamos fazer por eles. Deixar um aluno para trás é mau. Mas também não é bom que vão passando sem aproveitamento. Portanto, temos que conseguir que tenham aproveitamento. E aí reside o x do problema. Como conseguir que se interessem e que consigam aprender? E eu acho que é envolvendo-os mais, dando-lhes desafios, mudando a matriz escolar, avançar para temas mais actuais, assuntos prementes.
E o ensino para a cidadania, para a responsabilidade, claro. Fazer com que os alunos sintam que é seu dever aprender a defender o planeta, aprender a defender a liberdade e a democracia. Aprender a acabar com a pobreza, contra a exclusão.
Não sei como se faz mas há certamente quem o saiba.
É um tema de fundo. Não pode ser usado como arma partidária. Tem que haver um trabalho de fundo, sério.
E um bom domingo para si, P. Rufino.
E o "grande" Kullevo falou e disse!
ResponderEliminarFiquei impressionado!
P.Rufino