No outro dia, estava no gabinete a conversar com um colega quando, nem sei como, se me rebentou o colar e pelo chão rebolaram pérolas e pedras. Andámos ambos não propriamente de gatas mas quase. Recolhemos tudo o que pudemos e hoje fui à ouriversaria onde o tinha comprado para reenfiarem. E, de caminho, levei um relógio do meu marido para pôr uma pilha. E fomos ao supermercado e, já em casa, acelerei não apenas para almoçarmos cedo como para adiantar o jantar.
A minha filha tinha sugerido frango assado, que gosta do que eu faço, mas não dava tempo. Então lembrei-me de fazer de fricassé.
A minha filha tinha sugerido frango assado, que gosta do que eu faço, mas não dava tempo. Então lembrei-me de fazer de fricassé.
Frango do campo de fricassé
Como somos muitos, tinha comprado várias embalagens de frango do campo (pernas, coxas, miúdos). Numa panela grande pus os bocados de franco, três cebolas cortadas aos bocados, três cenouras grandes também cortadas, um ramo de salsa, sal e tomilho. Juntei água até cobrir o frango. Juntei também uma pinga de vinho branco. Depois de ferver, baixei até à temperatura 3 (na escala e 1 a 9) e ficou ali a cozinhar.
Entretanto, quando vi que a carne já estava a ficar cozinhada (percebe-se quando a carne descola do osso), fui buscar uma frigideira grande e coloquei azeite e duas cebolas grandes daquelas branquinhas, doces, cortadinha. Esperei que ficasse dourada e depois baixei a temperatura e juntei um bocado do caldo da panela e passei os bocados de frango para a frigideira. E, de novo, mais uma pinguinha de vinho branco. E ali ficou a acabar de cozinhar.
(Continua)
Entretanto, eram horas de nos irmos e a coisa ficou por ali. Fomos para casa dos meus pais. Juntámo-nos lá todos. Uma invasão ruidosa. A minha mãe fica radiante embora meio atordoada. O mais crescido está a deitar corpo e não tarda está da altura da bisa. Jogaram todos à bola no jardim. Entretanto, a minha filha tinha lido que abriu uma pastelaria & padaria perto e fomos as quatro mulheres da família (mais o bebé) à descoberta. A minha mãe não fazia ideia onde era. Serviu de passeio e a minha filha ainda trouxe um pão cor-de-rosa, de beterraba, um amarelinho, de milho, e uma bolinha da avó. Chegados de volta a casa, foi tempo de lanche. Os pratos de crepes desapareceram num ápice. O apetite é sempre mais que muito. E havia um bolo de maçã que, segundo a minha mãe, era receita da Helena Sacadura Cabral. E depois a minha mãe disse que estava a precisar de um aspirador e logo, ali, à mesa, o meu filho o comprou para que o entreguem lá em casa. E depois ela indagou das necessidades dos netos, bisnetos e etc para presentes de Natal.
Um deles, o mano do meio, ao ver a 'gaiola' que está sobre as pernas do meu pai, sob a roupa, perguntou que elevação era aquela.
Expliquei que era para a roupa não roçar directamente nas pernas para não pesar porque poderia esfolar. Ele olhou para mim, admirado, e perguntou: 'Como sabes tu isso?'. E eu disse: 'Então, houve uma vez que soube e fiquei a saber'. E ele: 'Perguntei porque as pessoas de alguma idade às vezes esquecem-se das coisas.'. Fiquei escandalizada, sem querer acreditar: 'Ah... Então eu sou de alguma idade...? Achas que já estou em idade de poder esquecer-me das coisas...?'. E ele, sorrindo e deixando perceber que sabia que tinha metido água mas sem saber como sair dessa: 'Sim... um bocado... mas... mas... só um bocado...'.
Quer a senhora que lá vai tratar do meu pai, quer eu fartámo-nos de rir. Ela para mim: 'Pronto, já levou roda de velha... O que não achará ele, então, da bisa...'
Há bocado, aqui neste sofá, sentado ao lado da tia, saíu-se com esta dúvida, expressa com alguma hesitação: 'Quando as pessoas ... aa... quando as pessoas vão... aa... morrem... e vão ser enterradas... aa... vão nuas...?'. A tia, espantada: 'Olha, agora esta! Que pergunta... Não, não vão nuas, vão vestidas'. E ele: 'Mas como, com quê?'. E ela: 'Ai, olha esta conversa. Vão com a roupa normal.'
Enfim, temas que naturalmente vêm envoltos em algumas questões. De qualquer forma, isto sem dramas, no meio de brincadeiras, de danças de hip-hop, de cantorias e palhaçadas.
Mas, portanto, voltando atrás: viemos de casa dos meus pais já de noite. Todos cá para casa com excepção do meu filho e da minha nora que aproveitaram para irem jantar sozinhos.
Eu fui directa para a cozinha.
Frango de fricassé
(Continuação)
Tirei a carne da mega-frigideira e desossei-a. Deixei-a ficar de lado. Despejei a cebola que, entretanto, estava translúcida, e o caldo da frigideira para uma panela e juntei uma colher bem cheia de farinha. Com a varinha desfiz a cebola e a farinha e levei ao fogão a engrossar. Sempre mexendo, sempre mexendo em calor baixo (3). Entretanto, espremi meio limão grande e juntei numa tigela a quatro gemas que mexi com um garfo. Depois, despejei devagar no caldo que já estava transformado em creme que estava ao lume e continuei a mexer, cada vez o creme mais grossinho e perfumado. Juntei então a carne desossada. Ficou submersa. Passado um bocado, desliguei. Poderia ter juntado salsa migadinha mas como uns não apreciam, ficou numa tacinha para quem quisesse.
Entretanto, com um garfo, desfiz grosseiramente a cebola e a cenoura no caldo da cozedura. Medi o dobro da quantidade de arroz que ia fazer. Deixei que fervesse. Juntei o arroz basmati. Depois de ferver, baixei até ficar sem caldo.
E, portanto, o frango de fricassé, com o seu molho espesso e bom, acompanhou com o arroz cozido no caldo da cozedura da carne.
A minha filha levou o que sobrou.
Depois de jantar, as crianças voltaram a ter aquele pico de energia que os faz quase darem connosco em malucos. O meu marido, nestas situações, vira-se contra mim, diz que eu não imponho disciplina. Mas ele também não.
Quanto aos pais, nem tentam pois sabem que à força não se vai lá. Eu ainda tentei que fossem jogar ao jogo do galo ou à batalha naval mas querem lá eles estar sossegados. O segundo menino mais crescido andava com as muletas que estão cá em casa e depois passava-as ao primo, como se andar com aquilo os fizesse sentirem-se uns guerreiros do apocalipse. No meio da maluqueira, a menininha maquilhava e penteava a tia e depois a tia a ela.
Pelo meio, o bebé mostrou a língua branca. Alarido. 'Ah! O que é isso?'. Tinha posto sombra branca na boca. Agarrei nele a correr e fui lavar-lhe a língua. E ele, 'Já chega, já tá, já tá limpa! Já tá boa!'
Quanto aos pais, nem tentam pois sabem que à força não se vai lá. Eu ainda tentei que fossem jogar ao jogo do galo ou à batalha naval mas querem lá eles estar sossegados. O segundo menino mais crescido andava com as muletas que estão cá em casa e depois passava-as ao primo, como se andar com aquilo os fizesse sentirem-se uns guerreiros do apocalipse. No meio da maluqueira, a menininha maquilhava e penteava a tia e depois a tia a ela.
Pelo meio, o bebé mostrou a língua branca. Alarido. 'Ah! O que é isso?'. Tinha posto sombra branca na boca. Agarrei nele a correr e fui lavar-lhe a língua. E ele, 'Já chega, já tá, já tá limpa! Já tá boa!'
Depois, a minha filha lembrou-se de pôr os Simpsons e, então, finalmente, houve algum sossego. O bebé pegou na máquina e andou a fotografar toda a gente.
Entretanto, chegaram os pais dos três e depois de terem estado também a ver os Simpsons e a ouvirem algumas das peripécias, resolveram todos que estava na hora.
Saíram relativamente cedo, ao mesmo tempo, creio que antes da onze.
Saíram relativamente cedo, ao mesmo tempo, creio que antes da onze.
Depois de terem saído e da casa ter entrado do seu usual estado de quase silêncio, ainda nos pusemos a tentar arrumar algumas coisas mas o cansaço tomou conta de nós. Vim para o sofá e, passado um bocado, caí para o lado. Adormeci.
E, agora que acordei, aqui estou. Continuo sem saber de notícias ou de intrigas partidárias. Por isso, não tenho assuntos que possa comentar. Só mesmo isto. O meu dia.
E estou a lembrar-me de outra coisa, que estive outra vez a falar com os dois manos que daqui por algum tempo, talvez uns dois ou três anos, podem vir passear comigo a Londres ou a Berlim. O mais velho fica entusiasmado, diz que o seu sonho é viajar por todo o mundo. O outro não diz que não mas não vai ao rubro. O meu marido não acredita que eu vá passear sozinha com eles. Diz que os miúdos vão tomar conta de mim mas que não sabe se serão capazes. A minha filha diz que o pai não vai ficar sossegado se eu for sozinha com eles, que virá também. Eu sozinha com os cinco não me arriscaria mas com estes dois, quando estiverem mais crescidinhos, acho que deveria ter graça. Com os outros, tão cedo penso que não, ainda estão pequenos, em especial o bebé. Mas, enfim, talvez sejam apenas devaneios meus.
Usei ilustrações de Cristina Bernazzani e, lá em cima, Jacob Collier improvisa em conjunto com a audiência.
E, para me despedir, mais um vídeo em louvor da maravilha que é a natureza. Gosto tanto de ver.
E estou a lembrar-me de outra coisa, que estive outra vez a falar com os dois manos que daqui por algum tempo, talvez uns dois ou três anos, podem vir passear comigo a Londres ou a Berlim. O mais velho fica entusiasmado, diz que o seu sonho é viajar por todo o mundo. O outro não diz que não mas não vai ao rubro. O meu marido não acredita que eu vá passear sozinha com eles. Diz que os miúdos vão tomar conta de mim mas que não sabe se serão capazes. A minha filha diz que o pai não vai ficar sossegado se eu for sozinha com eles, que virá também. Eu sozinha com os cinco não me arriscaria mas com estes dois, quando estiverem mais crescidinhos, acho que deveria ter graça. Com os outros, tão cedo penso que não, ainda estão pequenos, em especial o bebé. Mas, enfim, talvez sejam apenas devaneios meus.
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E, por ora, é isto. Passa das duas e meia da manhã, mais do que horas de me ir deitar. Ainda há pouco o meu marido me perguntou, lá da cama, se ainda não seriam horas. São. Claro que são.
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Usei ilustrações de Cristina Bernazzani e, lá em cima, Jacob Collier improvisa em conjunto com a audiência.
E, para me despedir, mais um vídeo em louvor da maravilha que é a natureza. Gosto tanto de ver.
E a todos desejo um belo dia de domingo
Esse alegre convívio de gerações vai ficar nas memórias felizes dos seus netos. E de todos os que lá estão, na verdade.
ResponderEliminarNão como fricassé há anos - a receita trouxe-me memórias das cozinhas da minha avó e da minha mãe. Gostei de a ver intervalada na descrição do dia. Quase lhe senti o cheiro e o sabor.
No silêncio da noite
ResponderEliminardespes a tua roupa
feita de palavras
de frases vivas
que te encontraram
no teu dia cheio
de tudo e de nada.
Escorrem de ti
as palavras
como um belo rio manso
entre teus dedos,
com elas te libertas
e te reconheces
tu mesmo
perante ti
na vida que viveste
e que nos ofereces!
Obrigada.
Lisboa 17 de Novembro 2019
Olá AV,
ResponderEliminarTomara que sim, que para todos eles sejam tão importantes como para mim. São momentos preciosos. Gosto de os fixar aqui para que fiquem registados, momentos pelos quais me sinto sempre muito agradecida. E espero que se sintam, ao longo da vida, sempre próximos e amigos.
E espero também que, se um dia lhe apetecer seguir a receita do fricassé, lhe saia bem pois como nunca peso nada, nunca consigo rigorosa nas receitas que partilho e receio que não saia aos outros tão bem.
E obrigada, AV, pelas suas palavras.
Uma boa semana!
Olá Joaquim
ResponderEliminarQue poema lindo e que tão duplamente me soube bem ler. Agradeço-lhas do fundo do meu coração.
Dias felizes, muito estimado Joaquim.