quinta-feira, setembro 26, 2019

O efeito borboleta





Sabes? Hoje li que as borboletas estão a desaparecer. Notícia triste, não achas?

No outro dia dei comigo a pensar que não sei para onde vão as borboletas quando morrem. Nunca as vi caídas no chão. Pensei que, se calhar, vão para o céu. O que achas? Um céu cheio de borboletas, já pensaste? 

Li que o desaparecimento tem a ver com as alterações climáticas. As borboletas e outros insectos. Li que a polinização pode ficar em perigo e, sem polinização, o que acontecerá é tão mau que nem quero falar-te nisso.

Mas deixa que te conte outra coisa. No outro dia, vieram chamar-me para ver. Fotografei-a, claro. Uma borboleta muito bonita.


Uma semana depois fotografei outra, igualmente bonita. Mais colorida. Depois, no mesmo sítio da primeira vez, vi outra igual à primeira e pensei que poderia ser a mesma. Depois pensei que não sei se as borboletas conhecem os lugares, se voltam a eles, se pensarão que estão a voltar a um lugar onde já foram felizes. Também não sei se pressentem as pessoas por perto.

(Tu pressentes-me?)

Contemplei-as, encantada com a sua beleza. E intrigada. Faz-me muita impressão que um ser tão belo -- uma daquelas belezas perfeitas para as quais conseguimos encontrar explicação: simetria, harmonia, conjugação feliz de cores -- resulte de uma metamorfose que parece um passe de mágica. Sabes o que penso? Penso que o mundo real é, afinal, um mundo de magia onde os milagres acontecem. E isso enche-me de esperança. 

Eu não sei como explicar que seres tão sublimes habitem o mesmo mundo que eu. Não sei se para seres assim, que nascem outros e que são tão efémeros na sua extrema beleza, o tempo é o mesmo que o meu. Não sei se uma borboleta, recém nascida depois de ter sido outro ser, tem consciência de como o tempo passa. Não sei se sente que o seu tempo se esvai mais rapidamente do que para mim. Talvez não. E talvez seja o meu tempo que passe sem que eu o sinta, tão longe estou. Tão longe estou. Tão longe. Sentes isso, não sentes?

Que tempo é o nosso?


Sentirá a solidão, a bela borboleta cujo tempo se esvai? Sentirá que um dia ninguém mais saberá dela? Saberá que um dia o bicho anterior não mais se transformará, deixando-a por acontecer? Quantas coisas, diz-me, quantas coisas ficam por acontecer sem que ninguém o saiba?

Olha. Fecha os olhos e pensa. Como ficará o mundo sem a beleza efémera das borboletas? Consegues imaginar? A tristeza e a escuridão descerão sobre nós? Ou teremos nós, entretanto, adquirido a capacidade de nos transformarmos em seres sem destino, inexplicáveis, fatalmente belos e efémeros? 

Faço muitas perguntas, não é? É que não sei respostas, sabes? Tu sabes? Tens respostas para mim?

Saberás tu que contemplo a beleza das borboletas? Saberás que sinto que o tempo, um dia, nos surpreenderá na sua suprema sabedoria? Será que deus, afinal, é o tempo? O tempo que está em todo o lado, infinitamente sábio, infinitamente bondoso. Um deus que nos transporta, que nos suspende, que nos traz os sonhos que nos mantêm vivos. Um deus que nos abraça. Que nos traz a palavra que nos abraça. Que nos traz aquele olhar. Aquele sorriso. A tua mão que se estende até mim. Mesmo que em sonhos.


Olha, não me respondas. Prefiro não ter respostas, prefiro sonhar com borboletas livres e eternas voando e dançando in heaven.  Prefiro adivinhar-te. Prefiro pressentir-te aí, imóvel, escutando em silêncio a minha respiração.

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E prefiro não pensar no dia em que as borboletas vão desaparecer

E sabes porquê, não sabes? É que não sei se ainda vamos a tempo de as convencer a ficar por cá e isso entristece-me muito.  

O que achas? Temos tempo? Vamos ter o nosso tempo?

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E agora, a quem possa interessar, convido a descer até ao post seguinte. É o avesso do outro, do das metáforas. 

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E um dia feliz a todos.

6 comentários:

  1. JOAQUIM CASTILHOsetembro 26, 2019

    Que maravilha este seu texto, dos mais belos que tem publicado!
    Verdade, Profundidade e a extraordinária beleza da Palavra em todo o seu esplendor!
    Como agora a juventude amaricanizada costuma exclamar UAAAAAAU!!!

    Um grande abraço

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  2. Olá Ujm, o texto é belíssimo!
    Mas permita-me estragá-lo com uma nota de optimismo. Na aldeia onde passo os dias livres as borboletas já tinham desaparecido há uns anos, pesticidas diziam-me, substituídas por moscas e mosquitos, animais em currais era a razão. Infelizmente "as gentes" estão a envelhecer e já não se cultiva nem se criam animais como dantes, pelo que para meu espanto as moscas estão a diminuir e as borboletas voltaram. A natureza é imensa e necessita apenas que a deixemos em paz para renascer! Vamos acreditar que também nós somos natureza e possamos renascer na forma de viver. Ana

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  3. Paulo Batistasetembro 26, 2019

    Não sei se, para além da Maria Callas, acompanhe com esta https://www.youtube.com/watch?v=-H5aC1wAWfg se com esta https://www.youtube.com/watch?v=Cw5ZPh_hqJQ

    Boas questões! Não tenho respostas, claro, mas uma convicção... ou melhor, sérias dúvidas: a de que aqueles que menos têm irão abdicar de ambicionar ter aquilo que outros, hoje, têm. E, ainda que estes últimos venham a estar dispostos a abdicar de uma parte daquilo que hoje têm, questiono-me se será suficiente.

    Abraço,

    Paulo Batista

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  4. Oh Joaquim! Que bom!

    Está tudo bem consigo? Muita passeata? Muita fotografia?

    Nunca mais consegui descobrir o seu blog. Tenho ideia que era 'outro olhar' e já fiz várias tentativas à volta disso. Mas não o descubro. Na volta, o nome não é nada disso.

    E olhe lá, senhor Engenheiro, que é feito de comentar deixando um poema? Essa é que era...

    Abraço. Saudades. Saúde, Joaquim, e dias felizes.

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  5. Olá Ana,

    Obrigada pelas suas palavras.

    E tomara que nunca os insectos desapareçam, moscas e tudos. E que as borboletas continuem a ser milagres esvoaçantes.

    Uma boa sexta-feira, no meio das árvores, das flores e das borboletas.

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  6. Olá Paulo,

    Como gostei da Inquietude do Bernardo Sassetti... Que boa ideia a sua. Do outro, acho graça à ideia e gosto mas não tanto como da Inquietude.

    E pertinentes (e inteligentes) questões a que levanta.

    Gostei.

    Muito obrigada.

    Uma bela sexta-feira, para si

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